A decisão de 1974 da Suprema Corte dos Estados Unidos, em Milliken v. Bradley, selou uma virada crucial na política de dessegregação, ao determinar que os subúrbios não precisavam ser incluídos nos planos metropolitanos de dessegregação escolar. Essa decisão, tomada em um momento de forte influência de nomeações de Nixon, sustentou a ideia de que os distritos escolares existentes não deveriam ser modificados, o que preservou os subúrbios afluentes como predominantemente brancos. A decisão solidificou o apelo de Nixon junto aos pais que, ao mudarem para áreas suburbanas, conseguiam evitar a integração escolar nas cidades. Esse movimento contribuiu significativamente para a crise do liberalismo urbano, pois o ônus das medidas de integração recaía principalmente sobre os moradores urbanos da classe trabalhadora branca, que não tinham os recursos necessários para fugir do sistema de busing (transporte escolar para promover a integração).

A decisão da Corte reforçou a ideia de uma classe média branca suburbanizada, que via na dessegregação escolar uma ameaça ao seu estilo de vida, enquanto se distanciava dos problemas das áreas urbanas. Isso gerou uma profunda divisão no Partido Democrata, que até então se sustentava por meio da aliança entre brancos do Sul, trabalhadores do Norte e eleitores negros. A resistência ao busing, em locais como Boston, Detroit e Chicago, gerou uma forma de populismo étnico, alimentado pela percepção de que a elite suburbana branca, ao se considerar moralmente superior, impunha soluções de engenharia social enquanto se eximia das consequências diretas dessas políticas.

Em resposta, Nixon separou a segregação "de jure" (legal, presente no Sul com as leis Jim Crow) da segregação "de facto" (resultado das práticas habitacionais segregadas, cuja origem nas políticas públicas de habitação federal muitas vezes era ignorada). Embora tenha incentivado a dessegregação das escolas públicas no Sul, Nixon não tomou medidas significativas contra a segregação de facto nas demais partes do país, onde predominava a resistência dos pais brancos contra a ideia de enviar crianças negras para suas escolas locais.

Esse enfoque foi seguido por Gerald Ford, sucessor de Nixon, que, ao tentar equilibrar sua postura econômica progressista com a resistência racial, também evitou qualquer confrontação direta sobre a segregação. Ford, tal como Nixon, tentou navegar pela linha tênue entre o apoio formal aos direitos civis e a oposição das massas brancas a políticas como o busing, as cotas e a habitação aberta. Durante esse período, um fenômeno importante foi o chamado "redlining" — uma prática de discriminação habitacional apoiada por políticas federais, onde os bairros predominantemente negros eram classificados como arriscados para o financiamento habitacional, criando uma barreira financeira para a mobilidade dos negros.

O impacto de Nixon, tanto na política interna quanto na racial, foi profundo e duradouro. A promessa de um governo mais “lento” na questão racial, com o foco em segurança e em um retorno à ordem, ressoou amplamente entre os eleitores brancos que temiam a ascensão da população negra e os distúrbios urbanos. A vitória de Nixon em 1968, ao derrotar Wallace e Humphrey, significou mais do que a vitória de um candidato: foi o fim efetivo da era dos direitos civis e o início da hegemonia republicana nas eleições presidenciais. As duas questões centrais daquele período — o avanço dos negros e a tensão nas cidades urbanas — eram vistas como uma ameaça direta à base de apoio dos democratas, composta principalmente pela classe trabalhadora branca do norte.

A estratégia de Nixon, portanto, foi elaborar uma política "cor sem cor", ou seja, uma política que evitava uma discussão explícita sobre raça, mas que, na prática, favorecia a manutenção de privilégios raciais, especialmente no que dizia respeito às políticas de habitação e de dessegregação escolar. Isso foi amplificado pelo uso de discursos vagos sobre a “maioria silenciosa” e pelo apelo à restauração de valores conservadores. Essa estratégia de Nixon abriria caminho para o que viria a se tornar, décadas depois, as “guerras culturais” dos anos 80 e 90.

É importante que se entenda que a oposição ao busing e às políticas de integração não era apenas uma resistência a mudanças sociais, mas uma manifestação da perpetuação de uma estrutura racial desigual, que se baseava na exclusão social e econômica dos negros. A associação entre o controle racial das comunidades e o controle das políticas públicas foi uma das principais bases para o fortalecimento do conservadorismo racial, criando uma aliança duradoura entre a classe trabalhadora branca e as elites empresariais, que, apesar das contradições internas, encontraram uma base comum na oposição ao avanço dos direitos dos negros.

O que se deve compreender é que a política de dessegregação escolar, embora com intenções reformistas, acabou exacerbando tensões raciais, uma vez que a classe média branca suburbanizada se distanciou das dificuldades e das responsabilidades dos centros urbanos. Esse processo, aparentemente orientado para a justiça racial, teve como efeito colateral o reforço das divisões raciais e o endurecimento de posições ideológicas que influenciariam a política americana nas décadas seguintes.

Como a Política de Reagan Redefiniu a Relação com o Estado de Bem-Estar e as Questões Raciais nos EUA

O início da década de 1980 marcou um ponto de inflexão na política americana, quando a ascensão de Ronald Reagan à presidência refletiu um profundo distúrbio nas normas que haviam estruturado o consenso pós-Segunda Guerra Mundial. A promulgação de direitos civis e a criação de um estado de bem-estar social, pilares de um liberalismo reformista, começaram a ser questionados com veemência. O pano de fundo dessa transformação foi a crescente insatisfação de uma parte significativa da população branca, especialmente do sul dos Estados Unidos, com as mudanças sociais e econômicas que estavam em curso, e as implicações dessas transformações na distribuição de privilégios e recursos.

Reagan se tornou um mestre na arte de manipular essa insatisfação, personificando a luta contra um governo central cada vez mais intervencionista. Ele soube direcionar sua retórica com habilidade para atacar as políticas do New Deal e o Estado de Bem-Estar Social, apresentando-os como um fardo para a classe média branca, que, segundo a narrativa, já havia sido sobrecarregada por um sistema que favorecia "os outros" — os negros e os pobres. A lógica subjacente era simples: o governo estava confiscando os recursos dos cidadãos produtivos para transferi-los para os "grandes perdedores" da sociedade, ou seja, aqueles que, segundo a visão conservadora, não mereciam as benesses do estado.

A transformação do Partido Democrata ao longo dos anos 70, com a desintegração de sua coalizão do New Deal, tornou-se um fator crucial nessa narrativa. O apoio irrestrito dos democratas à luta pelos direitos civis, especialmente na década de 1960, foi visto como uma traição pelos eleitores brancos conservadores, que viam a ascensão do movimento negro como uma ameaça à sua posição social e econômica. Reagan aproveitou essas tensões raciais com uma maestria ímpar, lançando sua campanha com um apelo direto ao medo racial — mas de forma velada, de modo a evitar acusações explícitas de racismo.

A "estratégia do assobio", como ficou conhecida, consistia em apelar para o ressentimento racial sem nunca explicitamente se posicionar contra os direitos civis ou a igualdade racial. Essa técnica permitiu que ele fizesse críticas ferozes à expansão dos direitos dos negros, principalmente na questão da educação e dos direitos de voto, sem que fosse visto como alguém que se opunha frontalmente aos princípios democráticos. O discurso de Reagan frequentemente pintava os negros como receptores de um sistema de bem-estar social desmesurado, que, segundo ele, apenas perpetuava a dependência e a incompetência.

A crise econômica dos anos 70, combinada com a insatisfação generalizada com o governo de Jimmy Carter, criou um terreno fértil para esse tipo de discurso. A promessa de Reagan de cortar impostos e diminuir o papel do governo no mercado, enquanto se apresentava como defensor da "liberdade" e da "eficiência", foi amplamente bem recebida. Para muitos, isso significava um retorno ao status quo, no qual a prosperidade seria garantida pela "mágica do mercado", e não por um governo que redistribuía riqueza para os desfavorecidos.

O fenômeno que Reagan desencadeou não se limitava apenas ao campo econômico. Ele conseguia articular um discurso em torno de valores familiares tradicionais, que muitas vezes serviam como uma máscara para um racismo velado. Ao criticar o welfare, os direitos das mulheres e a igualdade racial, ele não só estabelecia uma oposição ao que era visto como "excessos" do governo, mas também começava a remodelar a identidade política dos Estados Unidos em um sentido mais conservador e, em muitos casos, exclusivista. Esse apelo foi decisivo na sua vitória, e sua retórica criou um vácuo que favoreceu uma mudança na política americana por décadas.

A questão crucial aqui é que Reagan não estava simplesmente lutando contra o aumento de impostos ou contra o tamanho do governo. Ele estava engajado em uma reconfiguração da sociedade americana, na qual as classes médias brancas passariam a se ver como os legítimos detentores da prosperidade, enquanto os outros, particularmente os negros e os pobres, seriam marginalizados. Seu governo inaugurou uma nova era de políticas que favoreciam a redistribuição da riqueza em direção aos mais ricos, ao mesmo tempo em que fazia o jogo de deslegitimar as necessidades do estado de bem-estar social.

No entanto, esse tipo de discurso não deve ser visto como uma simples oposição à redistribuição de riqueza. Reagan soube usar a imagem de um "governo grande" como inimigo para esconder uma agenda de redistribuição extremamente regressiva. Ao atacar o welfare, ele simultaneamente fortalecia as bases de uma plutocracia que beneficiaria cada vez mais os mais ricos, enquanto a classe média e as classes trabalhadoras ficavam cada vez mais sobrecarregadas.

Além disso, é importante compreender que, embora a retórica de Reagan tenha sido efetiva em criar uma narrativa de "autossuficiência" e "liberdade", ela não se sustenta completamente frente à realidade de como o sistema econômico dos EUA funciona. A ideia de que a prosperidade é alcançada unicamente por mérito, sem reconhecer as desigualdades estruturais e os privilégios sistemáticos que moldam o acesso às oportunidades, é central para a sua visão de mundo. Nesse sentido, a crítica ao welfare não se limita a uma crítica econômica, mas se transforma em um ataque ideológico ao próprio conceito de solidariedade social.