A comparação entre Donald Trump e Benito Mussolini vai muito além do confronto entre dois líderes separados por um século; trata-se de uma análise profunda das condições históricas, sociais e políticas que criam o terreno fértil para o surgimento de figuras autoritárias e para o enfraquecimento das instituições democráticas. Ao observar os paralelos entre as duas épocas, é possível compreender como crises globais, econômicas e sanitárias, como a pandemia da gripe espanhola e, mais recentemente, a do coronavírus, têm papel decisivo na transformação do cenário político e social.

No início do século XX, a pandemia da gripe espanhola devastou o mundo num momento já marcado por um pós-guerra traumático, com milhões de mortes e um contexto nacional precário em países como a Itália. Doenças antes controladas ressurgiam em meio a condições deploráveis, como as encontradas nas trincheiras e nos quartéis superlotados. A combinação de uma crise sanitária com o colapso social e econômico gerou uma atmosfera de medo e instabilidade, na qual ideologias extremas e líderes autoritários encontraram terreno propício para se fortalecerem.

Hoje, enfrentamos uma crise de natureza similar com a pandemia da Covid-19, que não só abalou o sistema de saúde global, mas também expôs vulnerabilidades profundas no tecido social e político internacional. As mudanças nas relações geopolíticas, sobretudo entre Estados Unidos e China, e a ascensão de um discurso nacionalista e populista refletem tensões que ecoam o período pós-Primeira Guerra Mundial. Assim como na década de 1920, testemunhamos uma fragmentação do consenso liberal, o crescimento de discursos excludentes, a ascensão de líderes que exploram medos e ressentimentos e a erosão das instituições democráticas.

Fareed Zakaria, em seu texto sobre o centenário do fim da Primeira Guerra Mundial, destaca que a crença no progresso inevitável foi tragicamente desmontada pela brutalidade da guerra e suas consequências. Na época de Mussolini, a euforia econômica e tecnológica dos anos 1920 foi seguida pelo desmoronamento das estruturas políticas e sociais, culminando em regimes autoritários. De maneira similar, nosso tempo se caracteriza por avanços tecnológicos e globalização, mas também por uma crescente insegurança diante das transformações rápidas e desigualdades acentuadas. A sensação de que a ordem tradicional está em declínio cria espaço para o apelo a “homens fortes” que prometem estabilidade e proteção.

A análise das condições históricas que levaram à ascensão de Mussolini revela que não se trata apenas de circunstâncias externas, mas de uma resposta a um mal-estar profundo da sociedade, a uma crise de sentido e representatividade política. O passado mostra que tais crises não se resolvem automaticamente pelo progresso ou pela força bruta. Ignorar os sinais da insatisfação popular é como negligenciar o curso subterrâneo de um rio de montanha, que pode emergir com força devastadora.

Na reflexão sobre Trump, essa dinâmica se manifesta na concentração extrema de riqueza, na crise das elites políticas tradicionais e na ausência de alternativas políticas claras para grande parte da população. A frase “não há alternativa” sintetiza um sentimento de impotência e frustração que alimenta o apoio a soluções simplistas e autoritárias. Isso evidencia que os fenômenos populistas e autoritários não surgem no vazio, mas como resposta a um quadro sistêmico de desigualdades e desorientação social.

Para além do que já foi discutido, é importante que o leitor entenda que esses processos são complexos e multifacetados. Não se pode reduzir o fenômeno ao simples personalismo de líderes ou à crise de um país isolado. O entrelaçamento de fatores econômicos globais, crises sanitárias, mudanças tecnológicas e deslocamentos culturais cria um cenário no qual o perigo da repetição histórica se torna palpável, mas não inevitável. Conhecer o passado com profundidade permite não apenas identificar os sinais de alerta, mas também pensar em estratégias de resistência e transformação. Reconhecer que a história apresenta ciclos não significa se resignar a eles, mas encontrar formas de interrompê-los através do engajamento crítico e da construção de alternativas coletivas.

Como o Poder e a Sexualidade Moldaram a Relação de Mussolini com as Mulheres

Tianjin, uma pequena concessão territorial italiana na China, foi apenas um dos muitos símbolos do expansionismo imperialista do início do século XX. Mas é nas relações pessoais e políticas de figuras como Benito Mussolini que podemos entender a complexidade e a contradição do fascismo em seu âmago, especialmente no que se refere às mulheres e à sexualidade.

Mussolini, assim como Donald Trump em seu próprio contexto, é frequentemente descrito como um “predador em série”. Ambos compartilham uma relação com as mulheres pautada na exploração e objetificação dos corpos femininos, tratados como troféus descartáveis para inflar o ego pessoal e afirmar o poder masculino. No regime fascista italiano, as mulheres estavam subordinadas a um papel social muito restrito, sem direito ao voto pleno até 1945, quando finalmente conquistaram essa cidadania política. Antes disso, o fascismo reforçava a imagem da mulher exclusivamente como mãe prolífica, geradora de heróis e sustentadora do regime, enquanto sua autonomia e protagonismo social eram negados.

O comportamento sexual de Mussolini era revelador do modo como ele exercia seu poder: impessoal, imediato e predatório. As mulheres eram utilizadas como instrumentos momentâneos de prazer, desprovidas até de respeito básico, como o simples ato de sentar-se ou apoiar seus pertences. Após o encontro, elas recebiam uma “recompensa” monetária escondida dentro de um livro — um gesto que simbolizava o uso e o descarte. Essa atitude reflete não só a personalidade do líder, mas também a mentalidade fascista que desvalorizava a mulher enquanto sujeito, exaltando sua função reprodutiva e subjugada.

A misoginia fascista foi, ainda, legitimada por discursos científicos e culturais da época, como os de Mario Francesco Canella, que atribuía às mulheres uma inferioridade biológica e intelectual, negando-lhes a capacidade de criação e genialidade. Essa visão científica reforçava a segregação social e cultural das mulheres, marcando-as como seres limitados e subordinados. O machismo fascista, segundo Maria Antonietta Macciocchi, era sustentado por uma aceitação masoquista das mulheres, que renunciavam à vida e à autonomia em troca de um amor idealizado, abstrato e demagógico pelo Duce, o líder viril e grandioso.

Mussolini utilizava sua sexualidade voraz e seu carisma pessoal para dominar não só as mulheres, mas toda a nação. A multidão, segundo ele, era “feminina”, e cabia ao homem dominante o papel de controlar essa massa. Sua política era uma extensão de sua pulsão sexual, marcada pela conquista e pelo poder absoluto, seja no âmbito pessoal, seja no âmbito imperialista. A obsessão por dominar terras e mulheres expressava a mesma insaciável sede de controle e posse.

Essa dinâmica entre poder, sexualidade e misoginia não pode ser compreendida isoladamente, sem considerar o contexto político, social e cultural do fascismo. A exploração das mulheres, tanto na esfera privada quanto pública, revela o cerne autoritário do regime, onde o corpo feminino era um território a ser conquistado e controlado. A trajetória de Mussolini demonstra como a predatória relação com as mulheres está intrinsecamente ligada à construção de um poder totalitário.

É fundamental que o leitor compreenda que essas práticas e discursos não são meramente histórias do passado, mas refletem mecanismos persistentes de dominação e objetificação das mulheres que continuam a existir, ainda que de formas diferentes. A superação dessas estruturas exige uma análise crítica da relação entre poder, sexualidade e gênero, reconhecendo as consequências que tais dinâmicas têm sobre a vida das mulheres e a própria configuração da sociedade.

Além disso, a percepção histórica da mulher como mero instrumento social e reprodutivo reforça a urgência de valorizar e promover a autonomia feminina, tanto no âmbito político quanto cultural, para que os vestígios desse autoritarismo e sexismo possam ser realmente superados.

Como as estratégias de comunicação moldam líderes controversos: lições de Mussolini e Trump

Donald Trump e Benito Mussolini, figuras marcantes e controversas de contextos históricos muito distintos, compartilham uma característica fundamental: o uso calculado e inovador dos meios de comunicação para construir e manter seu poder político. Embora suas trajetórias pessoais e origens sejam diametralmente opostas — Mussolini vindo de uma família petit-burguesa do interior da Itália e Trump nascido na opulência de Nova York — ambos reconheceram, cada um a seu modo e em seu tempo, a centralidade da mídia na formação das massas e na manipulação da opinião pública.

Mussolini, inicialmente um socialista desiludido, tornou-se um traidor aos olhos de seus antigos companheiros ao adotar uma postura intervencionista durante a Primeira Guerra Mundial, incentivando o país a abandonar a neutralidade e entrar no conflito. Esse passo, embora impopular, serviu para projetá-lo como uma figura que manipula o jornalismo a serviço de seus interesses pessoais — o que ele fez ao fundar Il Popolo d’Italia, financiado por potências estrangeiras e por sua própria amante. O fascismo, em sua gênese, tinha mais motivações econômicas e pragmáticas do que ideológicas; era uma resposta oportunista às tensões sociais do pós-guerra, buscando capitalizar o descontentamento das massas, mas sem um real compromisso com as reformas sociais prometidas. Mussolini via o movimento não como uma missão política genuína, mas como um negócio, onde o sucesso de seu jornal dependia do apoio popular.

Trump, embora menos sofisticado que Mussolini, apresenta uma faceta igualmente adaptativa e calculista na utilização das mídias de massa. Sua fama advém não só do mundo empresarial, mas principalmente da televisão, com The Apprentice, e posteriormente do uso massivo das redes sociais. No século XXI, onde a comunicação é instantânea e global, Trump se vale do Twitter para construir sua base e difundir mensagens que muitas vezes desafiam a verdade factual, evocando teorias conspiratórias e alimentando o sentimento de pertencimento entre seus seguidores. Enquanto Mussolini mobilizava multidões com discursos e símbolos nacionais, Trump apela para a cultura pop e para slogans simples, como “Make America Great Again”, que se tornaram hinos de um movimento político e social.

A habilidade de ambos em perceber o potencial das novas tecnologias da comunicação — rádio e cinema para Mussolini; televisão e internet para Trump — evidencia como os líderes autoritários contemporâneos dependem do domínio da mídia para articular uma narrativa que legitime sua autoridade. A manipulação da informação, o apelo direto às emoções das massas, o espetáculo político e a personalização do poder são elementos centrais para o êxito desses líderes.

Além disso, ambos se beneficiaram da polarização social e do medo do inimigo interno, seja o comunismo no pós-guerra italiano, seja as supostas conspirações denunciadas por Trump e seus apoiadores de extrema direita. Essa exploração dos medos populares contribui para a construção de um clima de crise permanente, onde o líder se apresenta como o único capaz de restaurar a ordem e a grandeza.

É fundamental compreender que esses fenômenos não são apenas resultados de carisma ou de discursos inflamados, mas também da transformação da sociedade em massas passíveis de serem manipuladas por meios de comunicação cada vez mais sofisticados e segmentados. O uso estratégico da mídia não só amplifica a voz do líder, mas cria uma realidade paralela na qual fatos e mentiras se entrelaçam, dificultando a distinção entre informação e propaganda.

A influência da mídia sobre a política contemporânea reforça a importância de uma sociedade crítica e informada, capaz de resistir às manipulações e de questionar as narrativas hegemônicas. O estudo desses líderes nos alerta para os riscos da comunicação política desacompanhada de ética e para a necessidade de entender o papel das novas tecnologias no reforço ou no enfraquecimento das democracias.