A Declaração de Helsinque, revisada em 1975, marca um ponto crítico na discussão ética sobre a pesquisa científica envolvendo seres humanos. O documento enfatiza que os potenciais benefícios, os riscos e os desconfortos de um novo método devem ser ponderados em relação às melhores práticas diagnósticas e terapêuticas disponíveis. Contudo, não oferece uma orientação clara sobre a pesquisa não terapêutica com crianças ou indivíduos legalmente incompetentes. A última declaração da Declaração sobre pesquisa não terapêutica sublinha que, em qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, o interesse da ciência e da sociedade jamais deve prevalecer sobre o bem-estar do sujeito.

Em 1974, a Comissão Nacional para a Proteção dos Sujeitos Humanos de Pesquisa Biomédica e Comportamental dos EUA foi criada, culminando em um relatório em 1977 sobre pesquisas envolvendo crianças. Para elaborar este documento, a Comissão realizou audiências públicas, encomendou pesquisas e comissões de especialistas, e promoveu uma conferência nacional para ouvir diferentes partes envolvidas. O relatório revelou que a pesquisa envolvendo crianças era crucial para a saúde infantil e que, com as devidas precauções éticas, poderia ser realizada de forma responsável, seguindo as diretrizes gerais estabelecidas por documentos como a Declaração de Helsinque.

A principal justificativa para a pesquisa pediátrica é dupla: (a) as crianças diferem dos adultos e dos animais em aspectos fundamentais, e algumas doenças ocorrem exclusivamente em crianças; (b) sem a pesquisa, o risco de danos devido a tratamentos e práticas seria substancialmente maior. Para garantir a ética na pesquisa com menores, a Comissão sugeriu uma série de orientações. Uma delas era que o estudo proposto fosse cientificamente relevante e aprovado por uma comissão ética institucional. Além disso, foi estabelecido que as pesquisas em crianças deveriam, sempre que possível, ser precedidas por experimentos em animais, seguidos por estudos em adultos, antes de envolver bebês ou crianças mais novas. O consentimento dos pais seria necessário, e, sempre que possível, o assentimento da criança também seria exigido, sendo considerado viável a partir dos sete anos de idade.

A Comissão inovou ao categorizar os riscos e fez várias recomendações. A primeira dizia que a pesquisa sem riscos ou com risco mínimo poderia ser realizada com o consentimento dos pais. A segunda permitia que pesquisas com risco maior, mas com benefícios diretos à criança, também fossem realizadas. A terceira categoria envolvia pesquisas que não ofereciam benefícios diretos, mas que não representavam mais do que um risco ligeiramente superior ao mínimo. A quarta categoria tratava de pesquisas sem benefícios diretos e com riscos substancialmente maiores, que poderiam ser realizadas somente com a aprovação de uma comissão ética nacional e com transparência pública.

Em 1979, o Relatório Belmont revisou as descobertas da Comissão Nacional, estabelecendo três princípios éticos fundamentais para a pesquisa clínica: respeito pela dignidade e autonomia pessoal dos indivíduos, com uma proteção especial para aqueles com autonomia diminuída; beneficência, no sentido de maximizar benefícios e minimizar danos; e justiça, para garantir que os benefícios e encargos da pesquisa sejam distribuídos de forma equitativa. Essas recomendações foram adotadas como regulamentos federais em 1983, aplicando-se a toda pesquisa financiada pelo governo federal dos EUA.

Em um estudo realizado em 1983, Tyson e colegas avaliaram a qualidade da pesquisa perinatal, revelando que muitos estudos falhavam em atender aos critérios mínimos de qualidade, apesar de os tratamentos recomendados serem amplamente adotados na prática clínica. O apoio do governo federal à pesquisa pediátrica remonta aos anos 50, quando investigações sobre leucemia infantil, doenças cardíacas reumáticas e outras condições começaram a ser financiadas por várias instituições federais, como o Instituto Nacional de Câncer e o Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD), fundado em 1960. Apesar disso, muitos medicamentos usados em crianças ainda não eram suficientemente estudados para garantir sua eficácia e segurança no público infantil.

O termo "órfão terapêutico", cunhado por Dr. Harry Shirkey em 1968, destacou a situação em que as crianças, por falta de estudos adequados, eram privadas do acesso a medicamentos eficazes. Esse conceito foi amplamente reconhecido em 1973, quando um relatório da Academia Nacional de Ciências sugeriu que programas investigativos inovadores fossem desenvolvidos para fornecer informações cruciais sobre o uso de medicamentos na população pediátrica. Uma das razões para isso era que os órgãos imaturos das crianças reagiam de maneira diferente aos medicamentos, o que exigia um cuidado especial nas abordagens terapêuticas.

Além disso, é fundamental compreender que, apesar das crescentes regulamentações e diretrizes, a pesquisa pediátrica continua sendo um campo ético e técnico altamente desafiador. A complexidade da fisiologia infantil, as diferentes respostas dos sistemas orgânicos e a vulnerabilidade das crianças em relação à exposição a riscos tornam a prática de pesquisa em menores uma área sensível, exigindo um equilíbrio constante entre a inovação científica e a proteção dos direitos e da saúde infantil.

A Importância do Entendimento das Diferenças Farmacocinéticas e Farmacodinâmicas em Neonatos e Crianças no Tratamento Medicamentoso

O desenvolvimento das crianças e dos neonatos apresenta uma série de desafios únicos no contexto do uso de medicamentos, em razão das diferenças significativas em relação aos adultos nas respostas farmacológicas. A compreensão desses processos é essencial para garantir a eficácia e segurança dos tratamentos médicos em pacientes pediátricos. A farmacocinética e a farmacodinâmica nesses grupos etários apresentam características específicas que requerem um olhar cuidadoso e ajustado por parte dos profissionais da saúde.

No que se refere à farmacocinética, a absorção, distribuição, metabolismo e excreção de medicamentos variam consideravelmente entre os recém-nascidos, crianças e adultos. No período neonatal, por exemplo, a absorção de substâncias pode ser alterada devido à imaturidade do sistema gastrointestinal. Além disso, o volume de distribuição de muitos fármacos é modificado pela proporção elevada de água corporal, o que afeta a concentração do medicamento no organismo. As enzimas hepáticas, responsáveis pelo metabolismo de muitos medicamentos, só atingem sua capacidade plena após os primeiros meses de vida, o que pode levar a uma metabolização mais lenta ou inadequada de certos fármacos. No caso da excreção, a função renal dos neonatos é limitada, o que pode resultar em uma eliminação mais lenta de substâncias, necessitando ajustes nas doses administradas.

Em termos de farmacodinâmica, o desenvolvimento de receptores celulares e a resposta a estímulos farmacológicos também apresentam peculiaridades. Em neonatos e lactentes, por exemplo, a atividade dos sistemas de transporte de íons e dos receptores para mediadores como a angiotensina II pode ser significativamente diferente daquela observada em adultos. Em alguns casos, como no tratamento com medicamentos como o digoxina ou sotalol, a sensibilidade aos mesmos pode ser reduzida em comparação aos adultos, exigindo vigilância rigorosa sobre possíveis efeitos adversos. A variabilidade nas respostas farmacodinâmicas também está ligada ao desenvolvimento do sistema imunológico, que evolui de maneira considerável nos primeiros anos de vida, com implicações diretas na resposta a infecções e na eficácia de terapias antimicrobianas.

Por outro lado, o uso de medicamentos em pacientes pediátricos, particularmente em neonatos e crianças pequenas, demanda uma avaliação detalhada do risco-benefício, pois os efeitos colaterais podem ser mais intensos e imprevisíveis. Medicamentos com potencial tóxico, como certos antibióticos (por exemplo, aminoglicosídeos), anticonvulsivantes ou até mesmo medicamentos utilizados em doenças cardíacas, como o enalapril ou a digoxina, podem ter implicações adversas que são mais graves em comparação aos adultos. Isso ocorre não apenas devido às diferenças na metabolização e excreção, mas também pela maior sensibilidade das células e órgãos em desenvolvimento.

Em relação aos tratamentos mais inovadores, como o uso de anticoagulantes ou moduladores do sistema imunológico, a adaptação de protocolos para crianças tem sido um campo crescente de pesquisa. Estudos demonstram que o ajuste das doses de medicamentos como a warfarina ou os fármacos antiplaquetários precisa ser feito com base em especificidades de cada faixa etária, já que a resposta imunológica e a coagulação se modificam ao longo do desenvolvimento.

Além disso, as implicações do desenvolvimento imunológico sobre a farmacologia pediátrica são profundas. Os neonatos, por exemplo, possuem um sistema imunológico ainda em desenvolvimento, o que torna o uso de imunossupressores, como a ciclosporina, mais desafiador. Já o sistema endócrino, também em maturação, pode alterar a resposta do organismo a medicamentos como os corticosteroides, com consequências significativas para o crescimento e a saúde óssea.

É fundamental que os médicos pediatras, ao prescreverem tratamentos farmacológicos para essa faixa etária, compreendam a necessidade de ajustes individualizados nas doses e monitorem de perto os efeitos adversos. O aumento da pesquisa sobre farmacocinética e farmacodinâmica em neonatos e crianças tem ajudado a criar orientações mais precisas e seguras para o uso de medicamentos, o que é crucial para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes.

Para garantir a segurança e a eficácia, os clínicos devem levar em consideração não apenas as diferenças na absorção e metabolismo, mas também o impacto das interações medicamentosas, que podem variar substancialmente dependendo da idade do paciente. Além disso, o entendimento das patologias subjacentes e das condições clínicas específicas de cada paciente é indispensável para a personalização do tratamento, ajudando a evitar complicações e a promover uma recuperação mais eficiente.