As baterias de íons de lítio têm se destacado no cenário energético devido à sua alta capacidade de carga e desempenho eficiente. No entanto, a grande capacidade observada em óxidos ricos em lítio, como os materiais LiMO2, não pode ser explicada pelos mecanismos convencionais de compensação de carga, que envolvem apenas reações redox dos íons de metais de transição. Por muitos anos, o mecanismo exato de reação permaneceu obscuro até que, em 2013, Croguenne e colaboradores propusessem a participação dos íons óxido (O²⁻) nas reações redox desses materiais. Essa teoria gerou uma onda de pesquisas sobre o comportamento dos íons oxigênio em baterias de íons de lítio.

O princípio básico das reações redox do oxigênio em óxidos ricos em lítio envolve a coordenação octaédrica de íons oxigênio com íons metálicos e de lítio. Em estruturas como LiMO2, os orbitais 2p do oxigênio interagem com os orbitais d dos metais de transição, formando ligações σ. Quando esses orbitais σ de oxigênio são oxidados, a ligação entre o íon metálico e o oxigênio é quebrada, resultando em uma capacidade irreversível. Esse tipo de comportamento pode ser observado em metais de transição tardios, como o Ni³+/Ni⁴+, onde a transferência de carga do metal para o oxigênio (LMCT) leva à delocalização dos buracos na órbita 2p do oxigênio, um fenômeno semelhante à redox do oxigênio, mas sem a contribuição para a capacidade de carga/descarregamento.

O importante avanço nas investigações foi a identificação de que em óxidos ricos em lítio, parte dos íons oxigênio não está fortemente coordenada por átomos metálicos, como ocorre em outras estruturas. Nesse contexto, os orbitais 2p do oxigênio, que não formam ligações σ com os metais, permanecem como orbitais não ligantes e situam-se logo abaixo do nível de Fermi. Essa posição permite que esses orbitais contribuam para a capacidade redox do oxigênio. A partir de cálculos de orbitais moleculares, foi determinado que esses íons de oxigênio subcoordenados, presentes em materiais como Li[LiyM1−y]O2, têm uma simetria C2v e participam de uma reação redox estabilizada pela transferência de carga metal-ligante (MLCT), o que resulta na reversibilidade da reação redox.

A complexidade das reações de oxidação do oxigênio se manifesta nas mudanças de estados químicos dos íons oxigênio. Quando um íon oxigênio é oxidado, ele pode formar espécies instáveis, como O– ou O²⁻ ₂, sendo a dimerização do O– uma possibilidade durante a carga. A formação dessas espécies de oxigênio pode causar um aumento na histerese de tensão, afetando a eficiência das baterias. Em contrapartida, a presença de O– como o produto da oxidação garante uma reação redox reversível sem histerese de tensão significativa. A evolução dos estudos sobre esses materiais revelou que, dependendo das condições de carga e descarga, o estado de oxidação do oxigênio pode variar, influenciando diretamente a capacidade da bateria.

Material como o Na2Mn3O7, um óxido com estrutura lamelar, tem mostrado um exemplo de material redox reversível, com uma pequena histerese de tensão, confirmando a estabilidade do íon O– durante o ciclo de carga e descarga. Esse material demonstrou uma capacidade de 75 mAh/g com uma taxa de desmagnetização que descarta a formação de O₂–₂, consolidando a ideia de uma reação de oxidação e redução do oxigênio reversível.

Outro exemplo relevante é o Li1.12−xNi0.17Mn0.71O2, um óxido rico em lítio onde os íons oxigênio também participam das reações redox. A estrutura desses materiais e a distribuição dos íons de lítio em torno dos íons metálicos e de oxigênio favorecem o uso do oxigênio como elemento ativo na reação redox. Experimentos mostraram que esses materiais podem alcançar uma capacidade de até 210 mAh/g, com pouca variação na voltagem durante os ciclos, o que sugere uma estabilidade notável durante a operação das baterias.

Além disso, os resultados obtidos com diferentes materiais indicam que o comportamento redox do oxigênio não é simples e depende de diversos fatores, incluindo a estrutura cristalina, a coordenação dos íons oxigênio e os metais de transição envolvidos. A evolução desses materiais, a compreensão das suas reações de oxidação do oxigênio, e o controle da estrutura química para minimizar a degradação são fundamentais para o desenvolvimento de baterias de alta capacidade com ciclos de vida mais longos.

A importância desses estudos vai além do conhecimento básico sobre as reações químicas nas baterias. Ele também abre portas para a inovação em materiais de eletrodos, sugerindo que o oxigênio pode ser um componente-chave para aumentar a capacidade das baterias, sem os problemas típicos de degradação dos materiais de transição metálica. Além disso, entender a interação entre os íons oxigênio e metálicos também é crucial para o desenvolvimento de baterias mais eficientes e com menores custos de produção. O que esses materiais demonstram, de forma geral, é que a busca pela otimização da capacidade das baterias não se limita ao entendimento de como os metais reagem, mas inclui também o papel vital do oxigênio e suas formas redox instáveis, que podem ser manipuladas para maximizar a performance dos dispositivos.

Quais os fatores que influenciam a cinética de transferência de íons Li+ em baterias de lítio?

A cinética de transferência de íons Li+ na interface entre o eletrodo de intercalação de Li+ e os eletrólitos orgânicos tem um papel crucial na eficiência das baterias de íon de lítio. Este processo é altamente influenciado por diversos fatores, principalmente a atividade dos íons Li+ e a viscosidade dos eletrólitos. A atividade dos íons Li+ é uma função do tipo de eletrólito utilizado e da concentração de sal. A concentração do sal e as espécies de ânions presentes nos eletrólitos têm um impacto significativo na atividade dos íons Li+. Quando a concentração de sal aumenta, a atividade dos íons Li+ também tende a aumentar. Além disso, a atividade dos íons Li+ é mais alta quando os ânions dos sais de Li são pouco coordenados, ou seja, quando as interações entre os íons Li+ e os ânions são fracas.

A cinética de transferência de íons Li+ melhora quando a atividade dos íons Li+ nos eletrólitos aumenta. Isso ocorre porque, com maior atividade, há uma maior mobilidade dos íons, facilitando seu movimento entre os eletrodos durante o processo de carga e descarga da bateria. Por outro lado, a viscosidade dos eletrólitos também exerce uma influência significativa nesse processo. A redução da viscosidade do eletrólito melhora a cinética de transferência dos íons Li+, pois a diminuição da resistência do meio facilita o movimento dos íons Li+.

Esses fenômenos podem ser explicados pela teoria clássica de Butler–Volmer, que descreve a relação entre as correntes de troca e o potencial de sobrepotencial, e pela teoria da dinâmica do solvente, que investiga como o solvente interage com os íons durante a transferência. Quando a viscosidade do eletrólito é reduzida e a atividade dos íons Li+ é aumentada, pode-se obter uma interface de baixa resistência entre o eletrodo de intercalação de Li+ e o eletrólito líquido.

A performance das células de Li/LiCoO2 pode ser significativamente melhorada com o uso de eletrólitos que apresentem alta atividade de íons Li+ e baixa viscosidade. Eletrólitos com essas características não apenas otimizam a taxa de descarga das baterias, mas também são fundamentais na preparação de eletrólitos poliméricos em gel para baterias de lítio de alta capacidade de carga. Isso é especialmente importante para o desenvolvimento de baterias de lítio de próxima geração, que precisam ser cada vez mais eficientes, com capacidade de carga rápida e longa duração.

Além disso, a aplicação de tais eletrólitos em gel polimérico pode ser vista como uma estratégia para melhorar a performance geral de baterias de lítio, pois eles combinam as vantagens dos eletrólitos líquidos e dos sólidos, proporcionando alta condutividade iônica e estabilidade térmica. O design de baterias de lítio com alta taxa de potência depende, portanto, da escolha cuidadosa de eletrólitos e materiais de eletrodos. A manipulação da concentração de sais, do tipo de ânions e da viscosidade do eletrólito é uma das chaves para o avanço das tecnologias de baterias de íon de lítio.

Como a Preparação de Filmes Finos de FMO e LATP Influencia o Desempenho de Baterias Sólidas de Estado: Uma Análise Profunda

O desenvolvimento de baterias de estado sólido (SSBs) tem se tornado uma área crucial de pesquisa, especialmente quando se busca melhorar a estabilidade e a eficiência das baterias, ao mesmo tempo que se reduzem os riscos de falhas térmicas ou explosões. Dentro deste contexto, a combinação de diferentes materiais, como o NASICON-estruturado Li1+xAlxTi2−x(PO4)3 (LATP) e o Fe2(MoO4)3 (FMO), surge como uma solução promissora. O LATP, por sua vez, é conhecido por sua boa condutividade de íons Li+ à temperatura ambiente (1 × 10−4 S cm−1 a 25°C) e sua estabilidade em condições atmosféricas, o que facilita seu manuseio e integração em modelos de baterias sólidas. Essas propriedades, somadas à sua estrutura cristalina romboédrica, fazem do LATP um material de destaque na pesquisa sobre baterias de estado sólido.

A estabilização do LATP em diferentes ambientes e a sua resistência a tensões elevadas (até 2,3 V vs. Li/Li+) fazem dele uma escolha ideal como eletrólito sólido para essas baterias. No entanto, como o LATP não pode ser usado com materiais de eletrodo convencionais, como o Li4Ti5O12 ou ligas de Li-In, devido ao seu comportamento redutor em tensões mais baixas, foi necessário buscar alternativas. A solução encontrada foi o uso de FMO, um composto estruturado em NASICON, que opera a uma voltagem de 3.0 V vs. Li/Li+, dentro da janela de operação do LATP, sendo adequado para atuar como eletrodo de referência e contralateral em baterias de dois eletrodos.

A preparação dos filmes finos de FMO foi realizada utilizando a técnica de Deposição a Laser Pulsado (PLD), um método eficiente para obter filmes de alta qualidade e com controle preciso de espessura. Neste caso, as lâminas comerciais de LATP, com espessuras variando entre 50 e 150 μm, foram utilizadas como substrato. A temperatura de deposição foi ajustada para 500 °C, valor inferior ao ponto de transição de fase ortorrômbica do FMO (513 °C), garantindo a cristalização adequada do filme. O processo de PLD, utilizando um laser Nd:YAG de 4ª harmônica, permitiu a obtenção de filmes finos de FMO com espessura controlada, sendo que, em um caso típico, a deposição de 80 minutos resultou em filmes de FMO com cerca de 150 nm de espessura sobre as lâminas de LATP.

A análise das propriedades estruturais dos filmes de FMO foi realizada por meio de difração de raios-X (XRD) síncrotron e espectroscopia Raman. Os resultados mostraram que os filmes de FMO formam uma estrutura policristalina, com picos de difração que indicam uma orientação preferencial ao longo do eixo a. Além disso, as espectroscopias Raman confirmaram a formação de FMO na fase monoclínica, com a presença de um pico característico a 994 cm−1. A compatibilidade química entre o FMO e o LATP foi confirmada após a sinterização de uma mistura de pós de LATP e FMO a 500 °C em atmosfera inerte, sem a formação de subprodutos indesejados.

Em relação às propriedades eletroquímicas, os filmes de FMO mostraram um desempenho estável, com perfis de carga e descarga bem definidos em células com eletrólitos líquidos. Os filmes de FMO/LATP apresentaram capacidades iniciais de descarga e carga de 4,44 μAh cm−2 e 4,42 μAh cm−2, respectivamente, atingindo cerca de 88% da capacidade teórica esperada para um filme de 150 nm de espessura. Essa estabilidade durante os ciclos sugere que o FMO é um material promissor para uso em baterias sólidas de estado. A análise de voltametria de varredura linear (LSV) revelou que o FMO/LATP possui uma boa taxa de transferência de íons, com um aumento proporcional na corrente de pico de acordo com a raiz quadrada da taxa de varredura. A constante de difusão aparente de FMO foi estimada em 5,61 × 10−13 cm2 s−1, o que é superior à observada para outros materiais como LiFePO4, mas similar à do LiCoO2, amplamente utilizado em baterias comerciais.

Esses resultados indicam que, ao combinar FMO e LATP, é possível criar um sistema de bateria sólida com alta eficiência e estabilidade, ideal para aplicações de alta demanda e durabilidade. A orientação dos filmes de FMO e sua boa compatibilidade com o LATP são fatores chave para o desempenho eletroquímico estável, o que abre caminho para o desenvolvimento de novas gerações de baterias sólidas.

Além disso, é importante ressaltar que, embora o LATP seja estável em uma ampla gama de condições, sua utilização em baterias de alta tensão ainda demanda cuidados quanto à escolha de materiais para os eletrodos, já que o comportamento redutor em tensões abaixo de 2.3 V pode comprometer a durabilidade do sistema. Portanto, a contínua pesquisa e otimização de materiais como o FMO, juntamente com o LATP, será crucial para a criação de soluções mais eficientes e sustentáveis em baterias sólidas de estado.