A linha divisória fundamental entre as ideologias burguesa e socialista corre, de maneira notável, pela esfera da afinidade com o povo. Nossos opositores, por sinal, começam a reconhecer cada vez mais essa realidade. Um exemplo disso é Laszlo Revesz, autor de um panfleto anticomunista publicado na Alemanha Ocidental há vários anos, intitulado Ideologia e Prática na Política Externa e Interna da União Soviética, onde afirma que o conceito de povo na ideologia comunista possui um significado diferente daquele que atribuímos. Segundo ele, "no campo da ideologia socialista, o povo é indissociável da ideia de classe". Ao contrário da visão burguesa, onde o povo seria uma categoria neutra, sem conotação de classe, o que é, na verdade, uma tentativa de ocultar a luta de classes e a verdadeira natureza da sociedade capitalista.

Este conceito é fundamental para entender como o capitalismo busca proteger seus interesses, inclusive por meio de teorias que apresentam a burguesia como a legítima representante do povo. A propaganda burguesa apresenta essa ideia como um suposto avanço sociológico, criando uma falsa afinidade com o povo, para reforçar a ideologia e a moral da classe dominante. Um campo particularmente fértil para essa propagação é a arte, que é frequentemente usada como um veículo para disseminar a visão do mundo capitalista. A arte burguesa contemporânea, muitas vezes associada a um naturalismo exagerado e uma representação gráfica e simplista da realidade, serve para promover a ideia de um "homem comum" que reflete os valores burgueses e a vida capitalista como a melhor expressão das aspirações humanas.

Ao mesmo tempo, existe uma tendência decadente e elitista na arte contemporânea que se afasta das necessidades sociais e estéticas das massas. Esse tipo de arte, por ser sofisticada e deliberadamente inacessível, distorce a realidade histórica e se desconecta das leis objetivas do desenvolvimento social. A arte que se aliena do povo, que se torna esotérica e fora do alcance das massas, é, em sua essência, contrária à ideia de afinidade com o povo. Essa arte elitista, muitas vezes desconectada da realidade social e política, não tem lugar na luta revolucionária, pois não representa os interesses do povo, mas antes uma pequena parcela da sociedade que não compartilha da mesma luta e aspirações.

Por outro lado, a luta ideológica em torno da arte e sua afinidade com o povo também envolve a questão da parte da literatura que deve estar alinhada com o movimento proletário. Lenin, ao desenvolver as ideias de Marx e Engels, introduziu a concepção de uma literatura engajada, diretamente vinculada às necessidades e aos objetivos da revolução proletária. A verdadeira arte, sob a visão socialista, deve ser parte da luta comum do proletariado e livre de amarras burguesas. A literatura proletária deve refletir as aspirações das massas trabalhadoras, pois apenas uma literatura genuinamente comprometida com a revolução pode expressar verdadeiramente os ideais humanos mais elevados.

Em seu trabalho, Lenin abordou também o conceito de "duas nações dentro de cada nação", e a ideia de duas culturas dentro de uma cultura nacional. Essa análise dialética e orientada pela classe permite uma compreensão mais profunda da relação entre arte, cultura e a luta de classes. De acordo com essa teoria, uma cultura democrática e progressista está intimamente ligada às aspirações do povo, enquanto a cultura reacionária e clerical serve apenas para preservar os interesses da burguesia e dos poderosos. Esse processo de distinção entre culturas opostas é essencial para o entendimento da cultura nacional sob o capitalismo, onde é possível perceber claramente quais elementos culturais servem ao progresso social e quais servem para reforçar a opressão e a exploração das massas.

A arte socialista, portanto, não deve apenas refletir as condições sociais e históricas, mas deve ser também uma força ativa na luta pela transformação da sociedade. A verdadeira arte é aquela que está enraizada nas massas, que é acessível, compreensível e que articula os sentimentos e necessidades do povo. Nesse sentido, o conceito de arte engajada não deve ser confundido com um mero alinhamento com o regime ou com as exigências do poder político. A arte verdadeira é aquela que, apesar de estar conectada com os processos sociais e políticos, mantém sua liberdade criativa, mas sempre sob a orientação dos interesses das massas.

O que se deve compreender é que a arte não é uma esfera isolada ou neutra; ela está sempre impregnada de ideologia. A arte burguesa, que promove uma falsa ideia de “realismo” e celebra uma vida simples e idealizada da classe média, está longe de representar a realidade das massas populares. Por outro lado, a arte proletária, que faz a crítica ao status quo e trabalha para mobilizar as massas, é a arte que se conecta genuinamente com o povo.

Essa visão marxista-leninista da arte revela que as forças progressistas não podem se permitir alienar da luta ideológica e devem sempre estar atentas aos meios pelos quais a arte pode ser utilizada para tanto ocultar quanto revelar a verdadeira natureza da sociedade. Assim, a arte deve ser uma ferramenta para a conscientização de classe, um meio pelo qual a luta de classes se expressa e se intensifica.

Qual é o papel da arte como modelo da realidade objetiva e como isso se relaciona com o conceito de "significado imanente"?

A arte, como um reflexo da realidade, é frequentemente vista como uma representação de um mundo objetivo. Porém, a maneira como esse mundo é modelado e interpretado dentro do contexto artístico levanta questões filosóficas profundas sobre a relação entre o modelo artístico e a realidade objetiva. A visão de Letman sobre a função modeladora da arte é central para entender essa complexa dinâmica. Ele sugere que a arte tem a capacidade de criar um modelo da realidade, mas não um modelo fechado e limitado apenas pelas estruturas semióticas internas; ao contrário, ela extrapola as fronteiras dessas estruturas e se conecta com o mundo do objeto, ou seja, a realidade externa à obra.

Essa ideia de que o significado e o conteúdo da arte não podem ser contidos apenas dentro de sistemas fechados é essencial para compreender a modelagem artística. Letman explora a ideia de "significado imanente", que se refere à capacidade da obra de gerar sentido a partir de sua estrutura interna, mas também de se conectar com significados externos, que transcendem as fronteiras da própria obra. A introdução de Rousseau como exemplo de como um conceito, como o de "povo", se relaciona com outros conceitos dentro de um sistema de ideias ilustra bem essa ideia de interdependência entre os elementos de um sistema.

Porém, essa interconexão entre os significados internos e externos da arte levanta questões sobre a própria natureza do modelo. Letman utiliza o exemplo do matemático Felix Klein, que demonstrou uma proposição geométrica de Lobachevsky através da construção de um modelo limitado e fechado, utilizando um círculo dentro de um plano euclidiano. Este modelo, limitado em seu escopo e função, prova a proposição dentro de seu contexto, sem extrapolar os limites da sua construção. A metáfora de Klein serve para sugerir que a arte também pode ser vista como um modelo fechado, que, embora represente o mundo exterior, o faz de maneira controlada e abstraída, dentro de limites definidos pela obra.

No entanto, essa visão apresenta riscos significativos, especialmente quando a arte é reduzida a uma mera reprodução da realidade objetiva. A crítica de Georg Klaus, filósofo marxista, aponta para a diferença fundamental entre a modelagem matemática e a modelagem artística. Enquanto a matemática lida com abstrações e analogias para representar a realidade, a arte, ao buscar representar a realidade, não pode ser tratada apenas como uma cópia ou um esquema vazio de sentido. A arte deve ir além da mera imitação e refletir a complexidade emocional e social da realidade.

A reflexão de Horst Redeker, sobre a capacidade da arte de ser um modelo do processo histórico, adiciona uma camada importante a essa discussão. Ele afirma que um modelo artístico deve ser uma representação não apenas das formas externas, mas também das "características essenciais do processo histórico", o que implica que a arte deve refletir de maneira verossímil os elementos mais profundos da realidade. A arte, portanto, não deve se limitar a uma simples reprodução; ela deve ser uma tradução criativa da realidade, que mantém sua complexidade e sua essência.

Contudo, a visão de Letman, que enfatiza a função modeladora da arte como uma tradução, corre o risco de negligenciar o papel mais profundo da arte como uma forma de cognição e reflexão da realidade. Ao focar exclusivamente na "tradução" e não na reflexão crítica da realidade, o modelo artístico corre o risco de perder sua capacidade de engajamento com a realidade social e histórica. O modelo artístico, segundo Letman, pode facilmente se transformar em um mecanismo que obscurece, ao invés de iluminar, a compreensão do mundo, funcionando como uma mera projeção de categorias de "consciência pura".

Essa problemática é especialmente relevante quando se observa o papel da arte no contexto da "consciência cotidiana" ou "sentido comum", como Lotman discute. A arte, para ele, deve se distanciar do senso comum e oferecer algo além do que é imediatamente compreensível e aceito pela maioria das pessoas. A arte é uma forma de subversão das formas estabelecidas de pensar e compreender o mundo. Essa capacidade da arte de transgredir as normas da percepção cotidiana é uma das suas funções mais poderosas, pois permite que ela revele aspectos da realidade que normalmente seriam ignorados ou marginalizados.

Portanto, o modelo artístico não deve ser visto como um reflexo direto e simples da realidade, mas sim como uma ferramenta complexa que permite uma reinterpretação crítica e criativa dessa realidade. A arte, longe de ser apenas uma cópia ou uma mera abstração, é um meio pelo qual a complexidade do mundo pode ser reconfigurada e repensada. Esse processo de reinterpretação e reconfiguração é essencial para a compreensão do papel da arte como um modelo da realidade, um modelo que não é fechado, mas que está em constante interação com o mundo exterior e com as ideias que o cercam. A arte deve, assim, ser entendida não apenas como um espelho do mundo, mas como um meio de questioná-lo, desafiá-lo e reinventá-lo de maneiras que transcendam o óbvio e o imediato.

Estruturalismo e a Questão do Método: Reflexões Críticas sobre a Ciência, a Arte e a Ideologia

As comparações entre genética molecular e linguagem têm sido exploradas por diversos pensadores, como Claude Lévi-Strauss, que observou uma analogia profunda entre os dois sistemas, sugerindo que, assim como elementos genéticos se combinam para gerar seres mais complexos, os elementos da linguagem podem formar significados ainda mais complexos. François Jacob, por sua vez, destacou a similaridade estrutural entre as combinações genéticas e linguísticas, enquanto Philippe L'Héritier afirmou que a linguagem, ao transferir uma grande quantidade de informação, introduziu uma nova forma de hereditariedade ao mundo biológico. Esse tipo de comparação entre a linguística e as ciências naturais nos leva a um campo de possibilidades que, embora ainda incerto, exige uma análise profunda de suas implicações, tanto do ponto de vista técnico quanto filosófico.

No entanto, é crucial reconhecer que a aplicação de métodos estruturais deve ser examinada com cuidado, não apenas em termos de sua eficiência técnica, mas também em relação aos seus pressupostos ideológicos e filosóficos. O risco de substituir a ideologia por uma metodologia, como se o método fosse uma forma neutra de análise científica, exige uma reflexão mais ampla sobre as limitações e os contextos em que essa metodologia pode ser aplicada. As críticas vulgares que rejeitam de antemão a utilização de métodos exatos nas ciências sociais devem ser afastadas, pois elas não contribuem para o entendimento profundo das questões envolvidas.

A interseção entre o estruturalismo e o marxismo, por exemplo, apresenta um terreno fértil para o debate. Há quem insista que a aplicação de métodos exatos no estudo da sociedade e da cultura deve ser vista com ceticismo, e que a matemática e a cibernética não devem ser confundidas com a ideologia marxista, que visa compreender as contradições sociais e a dinâmica histórica. Uma crítica mais construtiva e reflexiva sobre essas questões pode ser essencial para que se possa mapear as limitações e os avanços de tais métodos dentro do campo das ciências sociais e das artes.

O papel da estrutura nas obras artísticas, por exemplo, não pode ser reduzido a um simples conceito universal. A estrutura de uma obra literária ou artística deve ser analisada não de forma mecanicista, mas com uma compreensão das variáveis culturais, sociais e históricas que a constituem. O conceito de "estruturalismo" deve, portanto, ser tratado com flexibilidade, evitando a tentação de aplicá-lo a todas as formas de expressão artística sem considerar a especificidade de cada uma.

No entanto, as tentativas de "matematizar" a arte, como se a busca por uma fórmula perfeita pudesse revelar todos os segredos da criação artística, enfrentam resistências, principalmente por parte daqueles que veem na arte uma totalidade intangível, impossível de ser reduzida a números e cálculos. O exemplo do compositor Salieri, como descrito por Pushkin, serve para ilustrar o perigo dessa abordagem. Salieri, embora um mestre na técnica, falha em compreender que a verdadeira arte vai além da simples maestria, sendo algo que transcende a habilidade técnica. Sua tentativa de reduzir a música a uma equação matemática não só falha como destrói a essência da arte.

A história de Salieri e a sua busca pela perfeição técnica, assim como o estudo da arte e da ciência, serve como uma metáfora para o risco de desumanizar o processo criativo ao aplicar uma lógica rígida e exata àquilo que, por natureza, é fluido e multifacetado. A arte não pode ser reduzida a uma série de códigos ou fórmulas que se revelam em uma sequência lógica. A criação artística é, antes de tudo, uma expressão humana que envolve emoção, subjetividade e uma certa irracionalidade que não pode ser completamente explicada pelos métodos exatos.

Por isso, ao estudar as obras de arte ou os fenômenos sociais com uma perspectiva estruturalista, é fundamental manter uma postura crítica e consciente das limitações dos métodos que se utiliza. Não podemos esquecer que a análise científica e técnica não deve ser vista como um fim em si mesma, mas como uma ferramenta que, quando bem aplicada, pode iluminar aspectos importantes da criação artística e da sociedade. No entanto, devemos sempre lembrar que a verdadeira essência da arte, e até mesmo da ciência, reside em algo que transcende a capacidade da razão de calcular e controlar.