Os materiais semicondutores convencionais utilizados em detectores de raios X, como o silício (Si), germânio (Ge), arseneto de gálio (GaAs), telureto de cádmio (CdTe) e telureto de cádmio e zinco (CdZnTe), apresentam desafios intrínsecos que limitam sua eficiência e aplicação em algumas áreas. O principal entrave do silício, apesar de sua ampla utilização, reside em seu baixo número atômico, o que restringe significativamente sua eficiência de detecção em energias de raios X mais elevadas. Essa limitação impulsionou o desenvolvimento de materiais semicondutores com elementos de alto número atômico (high-Z), capazes de melhorar a absorção de fótons em faixas energéticas superiores.

O germânio, por exemplo, apresenta número atômico relativamente alto e melhor resolução energética intrínseca que o silício, devido à sua pequena largura de banda proibida (bandgap). Entretanto, essa característica resulta em uma alta corrente de fuga térmica, que demanda resfriamento intensivo, geralmente a temperaturas criogênicas, para garantir a detecção eficaz de fótons. O uso de equipamentos volumosos de resfriamento e a necessidade de operação em vácuo tornam o germânio inviável para aplicações espaciais ou outras onde a portabilidade e a robustez são fundamentais.

O arseneto de gálio (GaAs) surge como alternativa promissora por possuir número atômico e densidade semelhantes ao germânio, mas com uma largura de banda proibida significativamente maior, reduzindo assim a necessidade de resfriamento. Além disso, pode operar em estado "depletado" sem necessidade de junções pn, e suas altas mobilidades eletrônicas são vantajosas para aplicações que exigem resposta rápida. Contudo, a qualidade do material GaAs ainda é um obstáculo, pois a presença de impurezas e armadilhas profundas limita o transporte de carga e a eficiência da detecção, especialmente em sensores mais espessos necessários para altas energias de fótons.

Materialmente, o telureto de cádmio (CdTe) e sua variante com zinco (CdZnTe) representam os sensores de alto número atômico mais maduros para aplicações comerciais, mesmo enfrentando desafios relativos à qualidade do cristal e efeitos de polarização sob altas fluxos de radiação. O brometo de tálio (TlBr), apesar de sua alta densidade e número atômico, ainda não alcançou maturidade tecnológica suficiente para uso comercial devido a problemas estruturais e elétricos.

Num contexto de busca por materiais com propriedades superiores, os perovskitas destacam-se como uma classe emergente e fascinante para a detecção de raios X, sobretudo os haletos de perovskita. Originalmente conhecidos pela estrutura cristalina característica, definida pela fórmula geral ABX3, os perovskitas possuem um arranjo cúbico onde cátions maiores ocupam o centro da célula unitária e são circundados por cátions menores e ânions nas faces e vértices. Essa configuração permite uma enorme diversidade de composições químicas, resultando em propriedades eletrônicas, magnéticas e ópticas notáveis.

No âmbito da detecção de radiação, os perovskitas halogenados como MAPbI3 e CsPbBr3 combinam alto número atômico, elevada densidade e banda proibida ajustável, permitindo uma eficiência quântica extremamente elevada, mesmo para fótons com energias na faixa de centenas de keV. Essa combinação é potencializada pelo fato de que a energia de criação de pares elétron-buraco nesses materiais é comparável à dos semicondutores tradicionais como o CdZnTe, garantindo uma boa resolução energética. Além disso, a estrutura dos perovskitas facilita a incorporação de elementos de alto número atômico adicionais, como prata e bismuto em perovskitas duplas, elevando ainda mais a eficiência de absorção de radiação.

Apesar dessas vantagens, os perovskitas possuem desafios próprios relacionados à sua natureza iônica, que impacta diretamente no transporte de carga e estabilidade elétrica sob exposição à radiação. A estrutura eletrônica, os defeitos e armadilhas presentes nos cristais dependem fortemente das condições de crescimento, exigindo controle rigoroso para alcançar desempenho ótimo. No entanto, o potencial para aplicações em detecção de raios X de baixa intensidade e para sensores mais finos e flexíveis coloca os perovskitas como um campo promissor para pesquisas e desenvolvimento futuro.

Além do desempenho físico e elétrico, a viabilidade de fabricação e integração dos perovskitas em dispositivos práticos depende do avanço na síntese de materiais de alta qualidade e do desenvolvimento de técnicas que minimizem os efeitos indesejados decorrentes de sua natureza iônica. A estabilidade a longo prazo e a resistência a ambientes adversos, especialmente sob radiação intensa, são aspectos críticos a serem aprimorados.

É fundamental compreender que a escolha do material sensor não se limita apenas às propriedades físicas intrínsecas, mas deve considerar o contexto operacional: a faixa energética dos raios X, as condições ambientais, as exigências de portabilidade, o custo e a maturidade tecnológica do material. A transição para materiais emergentes como os perovskitas demanda não apenas o entendimento aprofundado das propriedades físicas, mas também uma abordagem multidisciplinar que integre química, física dos materiais e engenharia para superar as barreiras atuais.

Como o uso de bins de energia e a discriminação espectral potencializam a inspeção não destrutiva por raios X

A qualidade da imagem em sistemas de detecção por contagem de fótons diretos (PCD, do inglês photon-counting detectors) é intrinsecamente dependente da forma como os bins de energia são combinados e ponderados. Conforme se amplia a faixa do bin de energia, observa-se uma redução gradual no contraste da imagem e no ruído, estabilizando-se em um determinado ponto. Essa diminuição do ruído resulta em um aumento da relação contraste-ruído (CNR), atingindo um máximo na faixa de 16–80 keV. Para simular experimentalmente o contraste de detectores de integração de energia (EID) utilizando PCDs de CdZnTe, os contadores em cada bin de energia foram multiplicados pelo limite inferior da energia daquele bin, já que o sinal gerado em um EID é proporcional à energia do fóton incidente. Após aplicar esses fatores de ponderação, os bins foram combinados para formar uma faixa de 16–120 keV, uma vez que detectores convencionais não possuem capacidades multibandas.

Embora os PCDs sejam superiores aos EIDs, a uniformidade na ponderação de todos os fótons incidentes pode ser uma desvantagem. Isso porque cada bin de energia apresenta diferentes níveis de contraste e ruído: geralmente, os bins de energia mais baixos proporcionam maior contraste de imagem. Portanto, atribuir maior peso a esses bins de baixa energia pode ser vantajoso. Uma abordagem é pesar os fótons incidentes de forma inversamente proporcional ao cubo da energia, aproximando-se da dependência da energia no efeito fotoelétrico, predominante na formação da imagem. Todavia, se o limiar mais baixo do PCD não for suficientemente alto para eliminar o ruído eletrônico, essa ponderação pode degradar a qualidade da imagem, devido à influência do ruído nas baixas energias.

Assim, um esquema de ponderação baseado na imagem que leve em consideração tanto o contraste quanto o ruído de cada bin pode ser altamente benéfico, como demonstrado na pesquisa original. Os experimentos realizados com um módulo detector de alta taxa e pitch de pixel de 330 μm para inspeção não destrutiva (NDT) em alimentos mostraram que a capacidade multibanda do PCD permitiu a detecção de contaminantes que passariam despercebidos em detectores convencionais. Por exemplo, contaminantes plásticos que não eram detectáveis em um bin somado apresentaram CNRs significativamente mais elevadas em bins específicos de energia, com ganhos de até 35%. Isso evidencia que a escolha otimizada dos bins de energia depende não apenas do tipo de contaminante, mas também da espessura do material inspecionado.

No âmbito da detecção automatizada, o uso de aprendizado de máquina para identificação de contaminantes em alimentos por meio de dados espectrais de PCDs mostrou-se promissor. A complexidade do ambiente nas linhas de produção, sujeita a variações instantâneas como a presença de vapor, torna inviável o uso de simples algoritmos de limiarização. Os modelos de aprendizado de máquina, treinados com conjuntos de dados rotulados, conseguem identificar padrões mais complexos e adaptativos. Foram utilizados contaminantes diversos, como alumínio, cobre, vidro e pedras, com variações em densidade, número atômico e tamanho, para representar um amplo espectro de desafios na detecção.

A coleta dos dados envolveu múltiplas faixas energéticas e variações na velocidade de deslocamento do objeto sob inspeção, assegurando um cenário realista. A correção flat-field, a remoção de ruídos excessivos e o tratamento de pixels defeituosos foram etapas essenciais no pré-processamento, garantindo a qualidade dos dados para análise. A segmentação das regiões de interesse nas imagens e o cálculo de métricas como a média, contraste e CNR foram fundamentais para a correta identificação e classificação dos contaminantes.

Além disso, a utilização de algoritmos de detecção de bordas para localizar possíveis contaminantes destacou a importância do processamento de imagens em múltiplas energias para realçar estruturas potencialmente danosas. A combinação entre a sensibilidade espectral dos PCDs e a inteligência dos modelos de aprendizado permitiu um avanço substancial na eficácia da inspeção não destrutiva por raios X.

É fundamental compreender que o sucesso na inspeção espectral depende não só da tecnologia do detector, mas também da integração cuidadosa entre otimização de bins de energia, tratamento do ruído e a aplicação de modelos computacionais avançados. A escolha do limiar energético mínimo, o balanceamento da influência dos fótons de baixa energia e o refinamento das estratégias de ponderação são decisivos para maximizar a relação contraste-ruído, garantindo maior sensibilidade à detecção de contaminantes mesmo em materiais complexos e variáveis.

Assim, o avanço na tecnologia de detectores de contagem espectral, aliado ao uso de inteligência artificial, configura uma revolução na segurança alimentar e em outras aplicações de inspeção não destrutiva, destacando a importância da sinergia entre física de detecção, processamento de imagens e ciência de dados.

Como é possível localizar e classificar contaminantes em imagens por energia usando aprendizado de máquina

A análise de imagens obtidas na faixa de 35–50 keV permite uma visualização precisa dos contaminantes presentes, como mostrado pela representação gráfica dos contornos detectados em pedaços de peito de frango com partículas de rocha. A etapa inicial para localizar os contaminantes consiste em identificar as bordas da imagem processada. Para o ser humano, essa tarefa é simples, mas para um software é significativamente mais complexa. A solução adotada foi dividir a imagem em segmentos horizontais, utilizando linhas verticais que separam regiões conforme as transições entre somas de pixels na matriz de bordas, identificando assim o início e o fim dos contornos. Essa segmentação possibilita uma análise mais refinada, considerando cada segmento individualmente.

A classificação dos materiais dentro de cada segmento exige a definição de um limiar para distinguir a região de interesse (ROI) do fundo. Com esse procedimento, obtêm-se métricas essenciais, como a média dos valores dos pixels na ROI, o contraste entre ROI e fundo e a relação sinal-ruído do contraste (CNR), para cada segmento em diferentes canais de energia. Além disso, os dados foram acompanhados por uma anotação manual da presença e tipo de contaminante, permitindo a construção de um conjunto de dados robusto para treinamento de modelos.

Os resultados indicam que mesmo métricas simples, como média e variância dos valores de pixels na imagem inteira, já conseguem distinguir claramente imagens contaminadas das não contaminadas, revelando uma sensibilidade notável do método para detecção de contaminantes alimentares. Embora alguns canais de energia específicos apresentem uma melhor separação de classes e agrupamentos distintos para diferentes contaminantes, a distinção fina entre tipos ainda é limitada, devido à sobreposição de dados, o que dificulta a classificação precisa usando apenas métricas globais simples.

Para superar essas limitações, foram implementadas técnicas mais sofisticadas de segmentação, baseadas em métricas locais que refletem características específicas dos contaminantes. Esse refinamento foi fundamental para a aplicação do aprendizado de máquina, que permitiu a criação de modelos capazes de detectar contaminantes considerando não apenas a imagem global, mas também cada segmento isoladamente. Se todos os segmentos forem classificados como livres de contaminantes, a imagem inteira também será considerada limpa.

Os modelos foram treinados com diferentes conjuntos de dados, balanceados ou não, para detecção e classificação, levando em conta a diversidade e quantidade de contaminantes e não contaminantes. Também se considerou o impacto da velocidade do estágio de movimento durante a aquisição das imagens, garantindo que amostras de diferentes velocidades fossem equilibradas para evitar vieses no aprendizado.

O algoritmo escolhido para a tarefa foi o K-vizinhos mais próximos (KNN), que se mostrou superior a outras técnicas como regressão logística e análise discriminante quadrática em contextos semelhantes. No KNN, cada imagem é representada como um ponto em um espaço multidimensional definido pelas variáveis extraídas (média da ROI, contraste e CNR em diferentes canais). A classificação de novas imagens baseia-se na identificação da classe predominante entre seus K-vizinhos mais próximos nesse espaço.

Foram treinados modelos específicos para cada canal de energia, para o canal somado de todos os contadores (PCD sum bin), e para uma combinação dos cinco canais principais. Para evitar viés de amostragem, utilizou-se validação cruzada em cinco partes, além de uma busca em grade para encontrar os melhores parâmetros para o KNN.

Importante compreender que, apesar do uso de métricas globais ser promissor, a real capacidade do sistema de identificar contaminantes depende da análise segmentada e da aplicação de modelos treinados para lidar com as variações locais das imagens. A combinação de técnicas de detecção de bordas, segmentação, extração de características locais e aprendizado de máquina é essencial para alcançar a sensibilidade e especificidade necessárias para aplicações reais de inspeção não destrutiva na indústria alimentícia e outras áreas que demandam rigorosos controles de qualidade.

Além disso, o entendimento dos efeitos do ruído, da resolução espacial e da qualidade da imagem são cruciais para aprimorar o desempenho do sistema. A calibração dos limiares e a escolha adequada dos canais de energia são fatores que impactam diretamente a capacidade de discriminação entre materiais, principalmente quando contaminantes apresentam propriedades físicas semelhantes. O uso de métodos avançados de aprendizado, como redes neurais profundas ou aprendizado por reforço, pode ampliar ainda mais as possibilidades de detecção e classificação, especialmente em conjuntos de dados mais complexos e variados.