O indivíduo isolado, afastado da vida social, seja voluntariamente ou por sentimento de compulsão, encontra-se numa situação desesperadora. O melhor que pode alcançar é ser um figurante na sociedade, e mesmo isso apenas temporariamente. Ele se fecha após experiências negativas, virando as costas para o mundo. Nunca experimentou o amor; é incapaz de manter relacionamentos afetivos e vive uma existência eremita, enclausurado entre quatro paredes. Contudo, essa clausura não impede o crescimento de fantasias de ódio e violência contra grupos étnicos, internalizando pensamentos extremistas de direita, que podem culminar em atos terroristas.

Para essa pessoa, o mundo virtual tem um papel secundário no processo de radicalização. Os “amigos” em salas de chat são tão escassos quanto na vida real. A internet serve apenas para passar o tempo e buscar informações, por exemplo, para conhecer possíveis vítimas. O ódio, embora velado, cresce silenciosamente no interior desse solitário notório. Os grupos étnicos se tornam superfícies projetivas, bodes expiatórios para o dilema aparentemente insolúvel de não conseguir construir uma vida social, profissional ou uma carreira regular.

Os poucos amigos que possuía na infância evitam-no, principalmente quando ele passa por mudanças radicais e se isola ainda mais. Esse lobo solitário vive anos com um punho fechado no bolso, até que surge nele um desejo de romper o círculo vicioso da solidão e do desprezo, buscando tornar-se alguém que consiga se afirmar por si próprio.

O caso de Frank Steffen ilustra esse perfil: considerado um “desistente” social “bem-sucedido”, ele representou uma parcela de lobos solitários que ganharam notoriedade e, por vezes, passaram por tratamento médico, embora o perigo que representavam não tenha sido reconhecido a tempo. Steffen esfaqueou a candidata à prefeitura Henriette Reker em Colônia, em 17 de outubro de 2015, utilizando uma faca de caça monstruosa adquirida pela internet. Ele admitiu que desejava tornar o ato “mais teatral”. O atentado não foi impulsivo: chegou a pedir uma rosa à vítima antes do ataque. Reker sobreviveu com ferimentos graves.

Steffen, um homem forte e careca, agiu motivado pelo ódio xenófobo e discordância em relação à política de refugiados de Reker, com o intuito de semear medo nos alojamentos para refugiados. Autoproclamou-se mártir: “Queria matá-la para fazer um favor à Alemanha e à polícia.” Via o governo alemão como traidor, incapaz de proteger mulheres e crianças, e via a sociedade como destinada a ser dominada por traços muçulmanos. Sentia-se na obrigação de agir contra esse que chamava de “regime terrorista”. Apesar de sua violência, Steffen afirmou não ser nazista, mas um “rebelde com valores conservadores”, chegando a solicitar um advogado “de direita” para seu julgamento.

Antes do ato, mergulhou em jogos online sombrios, onde propagava mensagens de ódio e confrontava outros jogadores, além de ouvir música de extrema direita, como “Division Germania” e “Stahlgewitter”. Sua infância foi marcada por traumas severos: abandonado pelos pais aos quatro anos, cresceu em um lar adotivo, cortando contato ao sair de casa aos 19 anos. Na juventude, envolveu-se em brigas e na subcultura extremista de direita, participando inclusive de marchas em memória de figuras nazistas e tatuando símbolos skinheads em seu corpo. Depois de várias condenações por agressão, cumpriu pena de três anos.

Após a prisão, tentou se reintegrar à sociedade, abandonando contatos extremistas e trabalhando como pintor, embora tenha tido dificuldades e tenha ficado desempregado, acumulando dívidas e retraindo-se cada vez mais. No isolamento, velhos e novos ódios brotaram, alimentados pelo sentimento de exclusão política e social. A introdução da “Cultura de Boas-Vindas” à imigração em 2015 foi o estopim para o ato planejado, um ato de vingança contra uma sociedade que o rejeitava e preferia outros.

Embora portador de transtorno de personalidade paranoide-narcisista, especialistas consideraram-no plenamente responsável criminalmente, descartando quadros psicóticos ou delirantes. Seu ato tinha motivação política clara, buscando criar um clima de medo e influenciar a política, rejeitando a entrada de refugiados e enviando uma mensagem “extrema e brutal”. Seu cálculo foi deliberado e consciente, usando a controvérsia política como veículo para compensar sua insatisfação pessoal e impor sua marca destrutiva através da violência. A tentativa de assassinato num evento eleitoral lhe garantia notoriedade e atenção pública.

Um caso similar ocorreu pouco depois no Reino Unido, com o assassinato da política Jo Cox, outro ataque com motivações políticas explícitas. Esses eventos revelam o fenômeno do “lobo solitário” que, isolado e marginalizado, encontra no extremismo ideológico uma forma de expressão de sua frustração e raiva.

Além do relato de casos concretos, é fundamental entender que a radicalização do solitário não ocorre em um vácuo. Ela é resultado de uma confluência complexa de fatores: traumas precoces, isolamento social, falha na integração social e econômica, e exposição a ideologias extremistas que fornecem uma narrativa para seu sofrimento e uma identidade. A política e o contexto social funcionam como catalisadores, mas não são a raiz do problema; estes são sintomas da profunda exclusão e desesperança vividas pelo indivíduo.

A atenção a esses processos exige uma abordagem que vá além da simples repressão, implicando medidas de prevenção que atuem sobre as condições sociais e psicológicas subjacentes. O reconhecimento precoce de sinais de isolamento, transtornos mentais e envolvimento com ideologias radicais é crucial para evitar que o ressentimento se transforme em violência. Além disso, é importante compreender que o uso da violência pelo lobo solitário é um ato de afirmação, uma tentativa desesperada de encontrar um lugar, uma voz e um reconhecimento em uma sociedade que o exclui.

O Perfil de Anders Behring Breivik: Ideologia, Radicalização e Seus Motivos

Anders Behring Breivik, responsável pelos atentados em Oslo e na ilha de Utøya, exemplifica a ascensão do terrorismo individual, ou "lone wolf", impulsionado por ideologias extremistas e pelo uso massivo da internet. Seu caso é uma narrativa de radicalização, manipulação de ideologias e uma tentativa de se tornar uma figura central em uma guerra cultural que ele acreditava estar travando contra o Islã e a cultura ocidental moderna. Este fenômeno, particularmente a busca pela notoriedade, envolve mais do que uma simples crítica a determinadas ideologias; é um reflexo da construção de uma identidade poderosa através da violência, alimentada pela manipulação das redes sociais e da disseminação de teorias conspiratórias.

Breivik, em sua juventude, aparentava ser alguém isolado, dedicado a ideologias políticas extremistas e consumindo, de forma obsessiva, informações que alimentavam sua visão de mundo. Ele não apenas se imergiu em teorias racistas e anti-muçulmanas, mas também recorreu a textos e manifestos de outros extremistas, como o Unabomber Ted Kaczynski, que serviram de base para o desenvolvimento de seu próprio manifesto. Esse processo de imitação, ou "plágio ideológico", foi crucial para a construção de sua visão de mundo distorcida, na qual ele se via como um herói lutando pela sobrevivência da cultura europeia.

Seu manifesto, intitulado "2083: A Declaração de Independência Europeia", reflete essa busca por um legado que fosse além de suas ações, querendo se tornar uma figura histórica no combate à islamização da Europa. A escolha do título e da data remonta à Batalha de Kahlenberg, em 1683, quando as forças cristãs derrotaram o Império Otomano em Viena, simbolizando, para Breivik, uma linha divisória entre o "mundo civilizado" e o "inimigo islâmico". Este ato de reinterpretação histórica e sua tentativa de incitar a Europa a reviver uma guerra cultural era uma tentativa de marcar seu nome nas páginas da história.

O uso da internet foi determinante para a radicalização de Breivik. Ele se dedicou incansavelmente a consumir conteúdos de extrema direita, desde fóruns de neo-nazistas até vídeos de organizações jihadistas, apesar de desprezar ideologias que, aparentemente, contradiziam suas próprias crenças. Essa ambivalência era uma característica marcante de sua personalidade e de sua visão de mundo, onde ele usava o que fosse necessário para alimentar sua fantasia de herói. O processo de autolegitimação, que incluiu criar um vídeo em que ele se apresentava como um cavaleiro medieval, é um reflexo claro de seu desejo de se distanciar do comum e se colocar como um salvador da Europa.

Breivik também se aproveitou das redes sociais para disseminar suas ideias. Ele comprou domínios de sites, como "thenewknighthood.com", com o intuito de usar a internet para amplificar sua mensagem, planejando até enviar seu manifesto para mais de oito mil ativistas de extrema direita. Essa tentativa de alcançar um público global, fazendo uso das plataformas digitais, não é um caso isolado, mas parte de uma tendência crescente de terroristas individuais que utilizam a web como ferramenta para construir e propagar sua ideologia.

Quando o caso de Breivik chegou ao tribunal, a questão da sua saúde mental foi amplamente debatida. Os peritos se dividiram entre os que acreditavam que ele sofria de uma psicose paranoica e aqueles que o diagnosticaram com um transtorno de personalidade dissocial, com características narcisistas. A corte, no entanto, concluiu que, embora Breivik tivesse um "estado mental de fanático", ele estava ciente de suas ações e poderia ser responsabilizado legalmente. Isso aponta para uma questão central: o terrorismo, mesmo vindo de uma pessoa com distúrbios psicológicos, muitas vezes tem raízes profundas em ideologias que precisam ser confrontadas diretamente.

Breivik se viu como uma figura radical, um "salvador" com uma visão de mundo tão distorcida que ele acreditava ser a única solução para um problema global. Sua descrição de si mesmo como "o pior terrorista ultranacionalista desde a Segunda Guerra Mundial" mostra a profundidade de sua megalomania e narcisismo. Em sua mente, a sua missão estava acima de qualquer noção de moralidade, sendo apenas uma questão de cumprir um papel histórico.

O caso de Breivik é um exemplo claro de como a radicalização individual pode ocorrer de maneira quase imperceptível, através de uma imersão contínua em um universo de ódio e vingança. A sua história ilustra também a capacidade da internet em criar bolhas ideológicas, onde as vozes extremistas encontram um terreno fértil para crescer e se propagar. A questão, portanto, não é apenas entender como indivíduos como Breivik são radicalizados, mas como podemos, enquanto sociedade, criar sistemas que previnam a disseminação de discursos de ódio e ideologias destrutivas.

Para que o radicalismo como o de Breivik não se torne uma ameaça ainda maior, é essencial compreender que a internet, enquanto ferramenta poderosa de disseminação, não deve ser subestimada. Ela é simultaneamente uma rede de liberdade e uma arena para a propagação do terror. Entender a radicalização de forma profunda e sem simplificações é essencial para evitar que tais figuras, movidas por um extremismo cego e narcisista, encontrem eco e seguidores.