A talectomia é uma cirurgia complexa frequentemente realizada em pacientes com deformidades severas do pé, como o pé equino varus. Ela visa corrigir os desalinhamentos articulares e restaurar a mobilidade funcional, proporcionando melhor suporte ao pé e à marcha do paciente. Contudo, em casos avançados, a talectomia isolada pode não ser suficiente para resolver todas as deformidades associadas, como a persistência da flexão plantar (equino) ou a deformidade em adução e varo.

Durante a talectomia, o objetivo inicial é remover o tálus, o que é feito por meio de uma incisão extensiva na região anterolateral do pé. O tálus é então extrudido lateralmente após manipulação cuidadosa, a fim de evitar danos a estruturas circundantes. Em alguns casos, uma articulação do calcâneo-cuboide é ressecada para garantir que o pé se mantenha numa posição neutra e funcional, o que é crucial para o sucesso da cirurgia. Para tanto, pode-se realizar uma ressecção de grandes cunhas do calcaneocubóide e da tibia distal anterior.

A posição do pé é cuidadosamente ajustada para que ele se mantenha em uma posição plantígrada, permitindo a mobilidade e o apoio adequado. Para estabilizar o pé durante o procedimento, pinos de 3 mm são inseridos na região do calcâneo e tibia. Isso ajuda a fixar a região do retropé enquanto se prepara para outras intervenções, como transferências tendinosas.

Em alguns casos, a deformidade equina do antepé persiste após a remoção do tálus. Para corrigi-la, é recomendada a realização de uma tenodese utilizando os tendões extensores longos dos dedos. Esse procedimento, no qual os tendões são suturados e ancorados no meio do pé, proporciona um suporte adicional para corrigir a flexão excessiva dos dedos. Dependendo da idade do paciente, técnicas de ancoragem, como o uso de parafusos de interferência ou âncoras de sutura, podem ser aplicadas para garantir a fixação dos tendões.

Se a deformidade persistir, uma tenotomia do tendão de Aquiles pode ser necessária. Esse procedimento visa liberar a tensão excessiva no tendão, corrigindo a posição do pé e facilitando a recuperação da flexão dorsiflexora. Em casos em que a mobilidade do pé ainda está comprometida, uma transferência do tendão tibial posterior pode ser considerada. Isso é feito para prevenir a recorrência de deformidades em adução e varo do pé.

Além disso, a abordagem da cirurgia inclui, muitas vezes, a necessidade de encurtamento dos tendões fibulares. Isso é feito para restaurar o equilíbrio muscular do pé, uma vez que os tendões, após a correção, podem não funcionar corretamente devido à laxidão dos tecidos. O tendão fibular curto pode ser encurtado, e uma transferência do tendão fibular longo para o curto também pode ser realizada, caso seja necessário para restaurar a eversão do pé e melhorar a função do retropé.

Outros aspectos que merecem atenção durante a talectomia incluem a preservação e análise dos tendões tibiais anteriores e extensores. Quando esses tendões estão intactos e funcionais, podem ser usados em transferências ativas para melhorar a dorsiflexão do pé, ajudando a corrigir deformidades persistentes, como a flexão dos dedos. No entanto, se esses tendões estiverem comprometidos, uma tenotomia pode ser realizada para garantir que o pé seja reposicionado de forma adequada.

Após a realização de talectomia, independentemente de ser associada ou não à artrodese, é essencial garantir a estabilidade do pé para evitar recidivas. O pé precisa estar alinhado corretamente, especialmente a região dos dedos, que frequentemente apresenta contratura flexora devido à deformidade equina preexistente. Manter um alinhamento adequado das falanges e dos tendões é crucial para a obtenção de um resultado satisfatório.

Material adicional que pode ser considerado:
Além da correção direta das deformidades articulares e tendinosas, é fundamental avaliar o impacto global da talectomia nas estruturas musculares e articulares do pé. A transferência e o encurtamento de tendões devem ser cuidadosamente planejados com base na avaliação clínica do paciente, considerando fatores como a gravidade das deformidades, a função dos músculos e a presença de cicatrizes anteriores. Em pacientes jovens, especialmente em crianças, as técnicas de estabilização dos tendões, como o uso de âncoras de sutura e parafusos de interferência, devem ser adaptadas para minimizar o risco de complicações, como necrose da pele.

Após a cirurgia, o acompanhamento clínico é crucial para garantir a recuperação funcional completa. Deve-se monitorar de perto a evolução da mobilidade do pé e a funcionalidade dos tendões transferidos, assim como o alinhamento do pé. Em casos em que a função muscular não é restaurada adequadamente, pode ser necessário um programa de reabilitação intensiva para fortalecer os músculos e melhorar a marcha.

Como a Tendinopatia do Tendão de Aquiles é Avaliada e Tratada: Perspectivas Clínicas e Avanços Tecnológicos

A tendinopatia do tendão de Aquiles é uma condição que afeta principalmente indivíduos fisicamente ativos, podendo ser causada por sobrecarga ou lesões repetitivas. Ela se caracteriza pela degeneração do tendão, o que pode resultar em dor crônica, inchaço e rigidez, comprometendo a qualidade de vida e a capacidade funcional do paciente. Embora existam vários métodos de avaliação, o diagnóstico preciso e a escolha do tratamento adequado dependem de uma combinação de achados clínicos, imagens de ultrassonografia e ressonância magnética, além das observações durante os procedimentos cirúrgicos.

Estudos recentes demonstraram que o uso de imagens por ultrassonografia e ressonância magnética tem se mostrado essencial para a caracterização das alterações no tendão de Aquiles, permitindo aos profissionais de saúde identificar as lesões em seus estágios iniciais, além de monitorar a evolução da doença. O uso da ultrassonografia, por exemplo, tem a vantagem de ser uma técnica não invasiva e relativamente barata, permitindo a observação dinâmica do tendão durante os movimentos. A ressonância magnética, por outro lado, é mais eficaz na avaliação de lesões mais profundas e na visualização detalhada das alterações estruturais.

Além da tecnologia de imagem, a intervenção terapêutica na tendinopatia do tendão de Aquiles tem avançado consideravelmente. O tratamento inicial, em muitos casos, envolve abordagens conservadoras, como fisioterapia com exercícios excêntricos, que têm se mostrado eficazes em promover a recuperação do tendão. A utilização de terapia com ondas de choque extracorpóreas também ganhou popularidade, mostrando bons resultados ao estimular a regeneração celular e reduzir a dor em pacientes com tendinopatia crônica.

Além disso, o uso de terapias farmacológicas, como anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), tem sido comum para o alívio da dor e redução da inflamação, mas deve ser sempre acompanhado por uma abordagem fisioterápica para garantir resultados duradouros. Mais recentemente, o uso de terapias celulares, como o plasma rico em plaquetas (PRP), tem se mostrado promissor, embora ainda existam divergências sobre sua eficácia a longo prazo.

A abordagem cirúrgica geralmente é reservada para casos em que os tratamentos conservadores falham em proporcionar alívio. No entanto, a cirurgia deve ser cuidadosamente considerada, dado o risco de complicações e a possibilidade de retorno da dor após o procedimento. Técnicas minimamente invasivas, como a stripping do tendão de Aquiles, têm se mostrado eficazes, mas seu uso é restrito a casos bem selecionados.

É importante destacar que o sucesso do tratamento depende de uma série de fatores, como a gravidade da tendinopatia, a idade e o nível de atividade física do paciente, bem como a adesão ao plano de reabilitação. Além disso, o acompanhamento contínuo é essencial para evitar recorrências, uma vez que o tendão de Aquiles é propenso a lesões repetitivas.

A combinação de tecnologias avançadas de imagem com tratamentos inovadores representa um marco importante no manejo da tendinopatia do tendão de Aquiles. No entanto, ainda existem questões não resolvidas, como a necessidade de uma padronização nas abordagens terapêuticas e a definição de protocolos claros para a reabilitação, o que exige mais pesquisas clínicas.

Por fim, o que deve ficar claro para os leitores é que o tratamento da tendinopatia do tendão de Aquiles não é unidimensional e deve ser adaptado a cada paciente. A integração de novas abordagens terapêuticas com métodos diagnósticos precisos é fundamental para garantir a melhor recuperação possível e prevenir a progressão da doença.

Como tratar a Neuroartropatia de Charcot: Abordagens conservadoras e cirúrgicas na fase inflamatória e crônica

Durante os estágios iniciais inflamatórios da Neuroartropatia de Charcot (estágios 0, 1 e 2), o tratamento visa proteger o pé, prevenindo a progressão da deformidade enquanto o processo inflamatório se resolve. Três estratégias principais são adotadas para esse propósito: o descarregamento total, a sustentação protegida do peso corporal com o uso de gesso de contato total e o suporte protegido com órteses removíveis. Independentemente da abordagem escolhida, é fundamental que o tratamento se mantenha até que haja evidências claras do fim do processo inflamatório e consolidação óssea completa. Radiografias indicam a consolidação óssea, porém, o critério mais confiável para avaliar o término da inflamação ainda gera controvérsias, recorrendo-se muitas vezes a parâmetros clínicos como a redução da diferença de temperatura entre os membros para menos de 2 °C.

O período de tratamento nesta fase pode variar de 8 a 12 semanas, podendo estender-se até um ano. Essa longa duração pode prejudicar a adesão dos pacientes ao tratamento de descarregamento. Por isso, muitos autores defendem o uso de formas de proteção que permitam a sustentação de carga sem que ocorra deformidade progressiva. As órteses removíveis têm se mostrado seguras, apresentando resultados comparáveis ao gesso de contato total ou ao descarregamento absoluto, além de proporcionar maior conforto, aderência ao tratamento e mobilidade. A possibilidade de remoção facilita os cuidados com a pele, especialmente em casos com feridas ou infecções associadas. Entretanto, é essencial que o paciente compreenda a necessidade de uso constante para evitar complicações.

Pés e tornozelos com deformidades severas podem não se adaptar ao volume das órteses pré-fabricadas. Nestes casos, o gesso de contato total moldado oferece uma opção segura, permitindo sustentação protegida sem compressão das proeminências ósseas decorrentes da deformidade. Este gesso, porém, exige troca a cada 14 dias para inspeção cutânea e remodelagem, uma vez que o edema diminui progressivamente. Pacientes com doenças vasculares e infecções ativas do membro apresentam contraindicações ao uso do gesso de contato total.

O tratamento farmacológico, que busca aumentar a densidade mineral óssea e reduzir o tempo de cicatrização e inflamação, está em investigação. Substâncias como bisfosfonatos, calcitonina e paratormônio demonstraram alterar o metabolismo ósseo e reduzir a temperatura local, porém sem evidências claras de melhora clínica ou aceleração do processo de cura em comparação a abordagens não medicamentosas. Drogas imunomoduladoras que atuam no sistema RANKL/OPG estão em fase experimental, sem indicações definitivas para uso.

Quanto à intervenção cirúrgica, embora alguns autores recomendem abordagem precoce nos estágios inflamatórios, ela é tradicionalmente reservada para a fase crônica (estágio 3), quando a inflamação diminui e há menor risco de complicações, principalmente em relação à cobertura dos tecidos moles. O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes com deformidades que impedem o uso de calçados ou órteses, instabilidades articulares significativas ou úlceras associadas à osteomielite. O objetivo principal é realinhar o pé, tornando-o plantígrado e estável. Em casos de infecção, o tratamento cirúrgico geralmente é realizado em etapas.

A seleção adequada do paciente é crucial, dado que a maioria apresenta diabetes mellitus e múltiplas comorbidades. Um escore prognóstico pré-operatório pode auxiliar na avaliação da probabilidade de sucesso pós-cirúrgico, considerando fatores como idade, índice de massa corporal, presença de úlceras, osteomielite, localização da doença, atividade artropática e níveis de hemoglobina glicada.

Dentre as técnicas cirúrgicas, o alongamento do tendão de Aquiles é comum para corrigir deformidades em equino do médio e retropé, frequentemente associadas à neuropatia motora e glicação do tendão calcâneo. Procedimentos como alongamento do tendão de Aquiles, recessão do gastrocnêmio e técnica de Baumann são utilizados para equilibrar forças tendíneas e corrigir deformidades.

A exostectomia, que consiste na ressecção das proeminências ósseas causadas por fraturas e luxações, reduz pontos de pressão sobre tecidos moles, diminuindo o risco de ulceração. Esta intervenção é indicada quando o pé está estável e a ressecção óssea não comprometerá a estabilidade. Pode ser realizada via acesso direto pela úlcera ou por via acessória, cada uma com vantagens e riscos distintos. No pós-operatório, a ausência de carga é necessária até a cicatrização completa da pele.

A artrodese é indicada para deformidades rígidas e instáveis, que não permitem adaptação com calçados ou órteses, principalmente quando há úlceras decorrentes da má distribuição de carga. Devido à baixa qualidade óssea típica da doença de Charcot, técnicas convencionais de fixação óssea apresentam alto índice de falhas. Por isso, o conceito de “superconstrutos” foi desenvolvido, baseado em quatro princípios fundamentais: estender as fusões para ossos e articulações não afetadas, realizar ressecção óssea para correção e encurtamento que alivie a tensão dos tecidos moles, usar material de síntese robusto e tolerável pela pele, e posicionar o material de fixação para otimizar a vantagem mecânica da construção.

O uso de placas plantares na artrodese oferece benefício mecânico adicional, pois a placa, posicionada na região de tensão plantar, converte as forças de tração em compressão dorsal, proporcionando estabilidade absoluta. Essas placas são geralmente fixadas nos metatarsos, que apresentam melhor qualidade óssea, e exigem múltiplos parafusos para garantir compressão e estabilidade do segmento.

É imprescindível considerar a complexidade clínica e social dos pacientes, que muitas vezes enfrentam dificuldades na adesão ao tratamento prolongado e têm múltiplas comorbidades. A compreensão profunda da patologia, a avaliação criteriosa do estágio da doença e a individualização da abordagem terapêutica são decisivas para a prevenção de complicações, tais como úlceras, infecções e amputações.

Além disso, é importante destacar que a avaliação clínica detalhada, incluindo a monitorização da temperatura local, inspeção frequente da pele e acompanhamento radiográfico, deve ser contínua para ajustar o tratamento conforme a evolução do quadro. A educação do paciente quanto à importância da adesão ao tratamento, o reconhecimento precoce de sinais de complicações e a manutenção da integridade da pele são fatores-chave para o sucesso terapêutico.

A integração de uma equipe multidisciplinar, envolvendo endocrinologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, enfermeiros especializados e nutricionistas, potencializa o manejo global do paciente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e minimização dos riscos associados à Neuroartropatia de Charcot.

Qual a abordagem mais eficaz para o tratamento das deformidades de pé plano pediátrico com diferentes tipos de coalizões ósseas?

O alinhamento do retropé, seja por meio da articulação subtalar ou com osteotomia adicional do calcâneo, é frequentemente a técnica preferida. Outras intervenções ósseas e de tecidos moles podem ser incluídas conforme a necessidade do caso. Quando se trata de uma coalizão óssea, em particular, pode-se optar por corrigir a deformidade do pé plano e deixar a coalizão óssea intacta, uma vez que ela representa, de forma prática, uma articulação subtalar já fusionada. Estudos demonstram que a correção do pé plano pode ser realizada com sucesso mesmo quando uma coalizão talocalcaneana (TC) óssea não é ressecada.

Mosca e Bevan relataram uma coorte de pacientes com deformidade planovalgus associada a coalizões TC tratadas com a técnica CLO, com ou sem ressecção da coalizão. O tratamento foi ajustado conforme os sinais, sintomas e exames de imagem de cada paciente, evidenciando que a correção da deformidade valgus é igualmente importante quanto o manejo da coalizão. O estudo mostrou que a coalizão não pode ser automaticamente considerada a principal fonte de dor, o que exige uma análise mais detalhada de cada caso para uma avaliação precisa do diagnóstico e tratamento.

A coalizão calcaneonavicular (CN) sintomática geralmente é tratada por ressecção com interposição, caso o manejo conservador falhe. Técnicas como o uso do músculo extensor do dedo longo (EDB), enxerto de gordura ou cera óssea têm sido descritas para reduzir a taxa de recorrência e proporcionar alívio a longo prazo. Mubarek et al. observaram que, ao utilizar o músculo EDB para a interposição, a cicatrização da coalizão poderia ser parcial, preenchendo em média 64% do espaço ressecado, o que poderia permitir o crescimento da coalizão. Por outro lado, o enxerto de gordura foi capaz de preencher 100% do defeito ressecado. Embora o enxerto de gordura tenha sido eficaz, sua obtenção de uma área distante (geralmente da panturrilha medial ou do sulco glúteo) evita alterações no contorno lateral do pé, mas exige um segundo local de incisão, o que pode deixar uma cicatriz.

Estudos retrospectivos, como o realizado por Masquijo et al., compararam técnicas de interposição com enxerto de gordura, EDB e cera óssea após a ressecção da coalizão CN, mostrando que o enxerto de gordura e a cera óssea proporcionaram maior alívio da dor e melhores pontuações funcionais. Contudo, o uso do EDB não mostrou resultados tão satisfatórios, possivelmente devido ao fato de que o tamanho do músculo pode não ser suficiente para preencher o defeito deixado pela ressecção.

Técnicas percutâneas e artroscópicas de ressecção também foram sugeridas para coalizões CN, com resultados satisfatórios no curto prazo, mas ainda sem acompanhamento de longo prazo sobre a recorrência ou alívio da dor. A correção do pé plano, quando associada a uma coalizão CN, pode ser realizada simultaneamente ou em uma abordagem em etapas, dependendo da gravidade e da sintomatologia do paciente. A escolha do tratamento dependerá da localização da dor, sintomas específicos e achados no exame físico, sendo essencial uma avaliação cuidadosa do quadro clínico.

O pé plano neurogênico apresenta uma deformidade severa, com padrões variados de contratura, espasticidade e fraqueza. Esse tipo de deformidade apresenta um desafio significativo, com preocupações sobre recorrência, subcorreção e até mesmo sobrecorreção. No estudo de Mosca, utilizando uma técnica modificada de CLO, 24 pés planos com distúrbios neurogênicos (16 com mielomeningocele e 8 com paralisia cerebral) foram tratados, com apenas dois pacientes apresentando resultados insatisfatórios. Por outro lado, Ettl et al. relataram resultados de um estudo envolvendo 24 crianças com paralisia cerebral, divididas conforme o status ambulatorial. Embora os resultados tenham sido bons no grupo ambulatorial, 44% dos pacientes não ambulatórios apresentaram recidiva e resultados insatisfatórios, o que levou à recomendação de não se usar a técnica CLO em crianças não ambulatórias com deformidades severas de planovalgus associadas à paralisia cerebral.

Nos casos em que a correção da deformidade é realizada por meio de procedimentos de fusão, como a artrodesse, a técnica pode levar a resultados mais previsíveis e garantir uma boa satisfação a longo prazo dos pacientes. No entanto, é importante informar aos pacientes e seus responsáveis que as fusões podem gerar degeneração progressiva nas articulações adjacentes, mesmo em pacientes com baixa demanda funcional.

Em relação às deformidades de pé plano em crianças e adolescentes, é fundamental reconhecer que elas podem ser flexíveis ou rígidas, apresentando uma ampla gama de sintomas. O pé plano flexível pediátrico é, na maioria das vezes, assintomático e não requer tratamento, exceto para garantir o conforto e a educação do paciente. Em alguns casos, o pé plano flexível pode se tornar sintomático, e o uso de órteses genéricas pode ser a primeira linha de tratamento. Caso o paciente continue com dor e incapacidade após uma tentativa bem-sucedida de manejo não cirúrgico, a correção cirúrgica pode ser necessária, geralmente combinando procedimentos de tecidos moles e osteotomias.

Por outro lado, os pés planos rígidos tendem a ser mais sintomáticos que os flexíveis. Quando identificada uma deformidade rígida, é crucial determinar e tratar adequadamente a causa subjacente. A cirurgia deve ser adaptada à causa específica, e embora os resultados cirúrgicos de curto prazo sejam promissores, ainda são necessários mais estudos para confirmar a eficácia a longo prazo no tratamento dessa patologia desafiadora.

Tratamento das Fraturas Transicionais do Tornozelo em Adolescentes: Abordagens Conservadoras e Cirúrgicas

Fraturas transicionais do tornozelo, especialmente as fraturas triplanares, são lesões traumáticas comuns entre adolescentes que estão no final de seu crescimento, com pico de incidência entre 12 a 15 anos em meninas e 13 a 18 anos em meninos. Essas fraturas, devido à complexidade e às possíveis consequências a longo prazo, exigem um diagnóstico precoce, uma análise radiológica detalhada e, frequentemente, um tratamento cirúrgico.

Nos casos em que as fraturas triplanares são diagnosticadas, o tratamento conservador pode ser indicado quando o deslocamento do fragmento ósseo é inferior a 2 mm. O manejo conservador inclui o uso de um bota ortopédica, inicialmente sem carga, por um período de 3 a 4 semanas, seguido de uma progressão gradual no apoio de peso por mais 2 a 4 semanas. Estudos indicam que deslocamentos superiores a 2 mm não são compatíveis com bons resultados a longo prazo e podem levar a alterações artríticas, que geralmente se tornam assintomáticas entre 6 e 9 anos após a lesão. No entanto, esse tipo de fratura pode ser tratado de maneira eficaz, mesmo em fraturas triplanares com pequeno deslocamento, com excelente evolução clínica, quando o tratamento conservador é adequadamente escolhido.

Nos casos de fraturas do tipo Tillaux juvenil, com deslocamento superior a 2 mm, a redução e estabilização do fragmento são fundamentais. Para isso, é realizada uma rotação interna do pé, de modo a obter uma redução anatômica, verificando-se posteriormente a congruência da articulação por meio de uma imagem de mortise. Se a redução for bem-sucedida, a estabilização definitiva é feita por meio de um parafuso compressivo canulado, inserido por via percutânea. Caso a redução não seja possível de maneira fechada, deve-se optar por uma abordagem cirúrgica, como a artroscopia do tornozelo ou uma abordagem anterolateral, que possibilita uma visão adequada da superfície articular para garantir a correta redução dos fragmentos ósseos.

A decisão pela abordagem cirúrgica, que normalmente deve ser tomada até a primeira semana após a lesão, depende de uma avaliação detalhada da fratura, do número e tamanho dos fragmentos ósseos, da direção das linhas de fratura e do grau de deslocamento. É essencial a realização de uma tomografia computadorizada (TC) para uma avaliação precisa, especialmente no caso das fraturas triplanares. Quando o deslocamento das linhas articulares é superior a 2 mm, o tratamento cirúrgico é indicado. Alguns autores, no entanto, sugerem um limite mais rigoroso de 1 mm de deslocamento articular para que se opte pela abordagem cirúrgica. Além disso, deve-se avaliar a estabilidade da sindesmose, especialmente quando ocorre fratura associada da fíbula, que é observada em cerca de 50% dos casos.

O tratamento cirúrgico busca a redução anatômica das linhas articulares de fraturas intra-articulares, que não deve ser confundida com fraturas extra-articulares, que não necessitam de redução anatômica. A manobra de redução é realizada com tração sustentada do pé em flexão plantar e rotação interna para fraturas laterais, ou rotação externa para fraturas médias. Em seguida, realiza-se a tradução anterior e a dorsiflexão máxima do tornozelo. Quando a redução é realizada de maneira fechada, a estabilização dos fragmentos pode ser feita com parafusos compressivos percutâneos.

Se for necessário realizar uma redução aberta, a escolha da abordagem depende do padrão da fratura e das condições dos tecidos moles. Fraturas deslocadas medialmente geralmente exigem abordagem anteromedial, enquanto fraturas deslocadas lateralmente são abordadas anterolateralmente. Durante o procedimento, a redução dos fragmentos anterolaterais deve ser feita primeiro, seguida pela redução dos fragmentos posteromediais, para se garantir a congruência articular. No que se refere ao tratamento com fixação percutânea ou aberta, não foram observadas diferenças significativas a longo prazo na ocorrência de deformidades articulares secundárias, demonstrando que ambas as abordagens podem ser eficazes, desde que a redução anatômica seja corretamente realizada.

A artroscopia do tornozelo tem sido descrita como uma técnica vantajosa para a visualização e redução de fraturas, pois permite a redução da agressividade da abordagem cirúrgica, minimizando os danos aos tecidos moles, além de proporcionar uma visualização direta da articulação. Contudo, esta técnica exige experiência para alcançar os melhores resultados, devido à sua curva de aprendizado.

O pós-operatório segue um protocolo que começa com um período de imobilização e não-peso sobre o tornozelo, utilizando uma bota removível por 3 a 4 semanas. Após esse período, é iniciada a fisioterapia de reabilitação, que deve ser realizada por 3 a 6 semanas. O retorno às atividades esportivas pode ocorrer entre 9 e 12 semanas, desde que a recuperação tenha sido satisfatória.

As complicações relacionadas a fraturas Tillaux juvenis são raras, especialmente no que diz respeito a alterações do crescimento, deformidades angulares ou necrose avascular do osso. No entanto, a incongruência articular residual pode levar à rigidez, dor e ao desenvolvimento precoce de osteoartrite, complicações que devem ser evitadas a todo custo por meio de uma redução anatômica adequada. Outra complicação que pode ocorrer é o desconforto associado à síntese óssea, especialmente se a osteossíntese precisar ser removida após um longo período, o que é mais difícil se o implante permanecer por mais de um ano.

O prognóstico das fraturas triplanares será, em grande parte, determinado pela idade do paciente no momento da lesão, pelo tipo da lesão e pelo tratamento realizado. Quanto mais precoce a lesão, maior o risco de alterações no crescimento devido ao dano à fise. Também é importante considerar o risco de síndrome compartimental, que deve ser monitorada rigorosamente antes e após a cirurgia.