A emergência recente de geradores de imagens baseados em difusão, como DALL·E, Midjourney e Stable Diffusion, não apenas reconfigurou nossa cultura midiática contemporânea, mas também gerou uma série de tentativas teóricas de compreender o que se descreve de formas variadas como "imagem gerada por IA", "imagem generativa", ou "imagens sintéticas". Esses desenvolvimentos se inserem em um debate mais amplo sobre as novas fronteiras da estética digital, um campo marcado pela evolução tecnológica e pela contínua transformação dos meios visuais. No entanto, é importante observar que as imagens geradas por IA não são apenas um produto de uma revolução digital, mas podem ser analisadas dentro do que se chama de estética pós-digital, uma categoria que transcende a própria tecnologia, lidando com as relações entre o digital e o não-digital.
O conceito de "pós-digital" foi introduzido por Cascone no ano 2000, para descrever uma estética que nasce após a era da digitalização pura e simples, onde a experiência do digital é simultaneamente integrada e falha. No campo da música eletrônica, Cascone apontou que essa estética se manifesta através de falhas, erros, e sons indesejados – fenômenos como glitches, distorções e ruídos que, ao invés de serem corrigidos, são incorporados ao processo criativo. Em outras palavras, a falha se torna uma característica estética que define a arte pós-digital, um reflexo do ambiente saturado por tecnologias digitais.
Quando se trata de imagens geradas por IA, essa estética pós-digital se manifesta de maneira ainda mais interessante, visto que essas imagens frequentemente apresentam distorções visuais, incoerências ou ruídos que revelam o caráter sintético de sua criação. O processo de gerar imagens por IA pode ser comparado ao "erro controlado", que, embora impreciso em alguns aspectos, serve para revelar um novo tipo de beleza, distante da perfeição digital pura. O que antes era visto como falha ou imperfeição no processo criativo – especialmente na fotografia ou nas artes visuais tradicionais – agora é reconfigurado, tornando-se uma linguagem nova que é simultaneamente "digital" e "não digital".
Essa ideia de uma estética pós-digital também pode ser abordada sob a ótica da "remediação", onde formas mais antigas de mediação visual (como a fotografia) são reconfiguradas pelo digital, criando um ciclo contínuo de transformação de um meio para outro. No caso das imagens geradas por IA, a remediação se dá quando o digital recria ou recria visualmente o que seria considerado "não digital". Isso significa que a IA não apenas reproduz imagens baseadas em parâmetros dados, mas também traduz essas imagens de volta para um formato que remete às técnicas tradicionais de mediação visual, como a fotografia, a pintura ou o desenho, sem, no entanto, escapar totalmente das características e limitações da sua origem algorítmica.
As imagens geradas por IA como DALL·E ou Stable Diffusion, ao serem solicitadas para criar imagens com conteúdo ou formas estéticas específicas, podem expressar um processo de "transferência estética" do não-digital para o digital. Imagine uma imagem de um cavalo galopando, gerada por IA, que embora busque imitar a realidade, ainda carrega marcas de sua criação digital – um fenômeno que, no campo da estética pós-digital, pode ser visto não como uma falha, mas como uma nova forma de beleza que está emergindo.
Além disso, ao explorar mais profundamente as imagens geradas por IA, podemos identificar como a intensificação estética do digital se manifesta nesses geradores. A estética pós-digital não se limita apenas à ideia de erro ou falha, mas também inclui o reforço das qualidades visuais que são únicas do meio digital – como as cores vibrantes, as texturas complexas e as formas inesperadas. Essas imagens têm a capacidade de expandir os limites da expressão visual, ao mesmo tempo em que questionam as noções de autenticidade e de autoria que sempre acompanharam as imagens tradicionais.
Portanto, para entender completamente a estética pós-digital das imagens geradas por IA, é necessário ir além da simples análise técnica da tecnologia por trás desses geradores. Devemos também considerar como essas imagens estão em constante transformação, refletindo a convergência de diversas formas de mediação e de novas linguagens visuais. Elas são, de fato, um espelho de nossa interação contínua com o digital, revelando tanto as possibilidades quanto as limitações de uma era em que o que é "real" e o que é "digital" estão cada vez mais entrelaçados.
A estética pós-digital nas imagens geradas por IA não é apenas uma questão de inovação tecnológica, mas uma mudança fundamental nas formas de ver e de entender o mundo visual. As imagens criadas por IA, com suas distorções e manipulações, nos convidam a reconsiderar o que consideramos belo, verdadeiro ou autêntico, propondo um novo paradigma estético para uma era digital que já está além da digitalização pura. Essas imagens não são apenas novas formas de arte, mas também um novo território para a reflexão sobre o que significa ser humano, criativo e visualmente expressivo em um mundo saturado pela inteligência artificial.
Como a Arte do Século XVII Influenciou a Estética e a Criação de Imagens na Inteligência Artificial
A arte ocidental, especialmente a francesa do século XVII, teve um impacto duradouro em como entendemos a produção visual, tanto em termos artísticos quanto na maneira como sistemas como a inteligência artificial geram imagens. Em 1648, foi fundada a Académie royale de peinture et de sculpture sob os auspícios da coroa francesa, com o objetivo de sistematizar o ensino da arte e a produção de obras com motivações históricas e bíblicas que servissem também para promover a imagem do rei. Ao mesmo tempo, a academia permitiu uma certa emancipação da prática artística, que até então era controlada pelas guildas. Esse movimento teve como uma das suas figuras mais importantes Charles Le Brun (1619–1690), pintor oficial de Luís XIV, que desempenhou um papel crucial no estabelecimento da academia e, posteriormente, como chanceler, reitor e diretor da mesma.
Le Brun é uma figura relevante não apenas por seu papel institucional, mas também pela sua abordagem única à relação entre texto e imagem, o que possui paralelismos interessantes com os sistemas de inteligência artificial de hoje. Ele afirmou, de forma audaciosa, que a academia centralizada deveria ter o poder, anteriormente exercido apenas pela Igreja e pela Coroa, de ditar aos pintores quais textos suas obras deveriam ilustrar. Esse ponto de vista, que colocava a arte dentro de um rígido sistema normativo, inspirava-se em ideias da filosofia de René Descartes e mais tarde seria continuado por outros pensadores e teóricos, como Paul Ekman, que estudaram a natureza das emoções humanas.
Em termos estéticos, Le Brun criou um sistema formal para a representação das emoções humanas. Ele dividiu sentimentos como raiva, tristeza, alegria, amor e desespero em unidades distintas, estudando, por exemplo, as expressões faciais e seus correspondentes visuais – como os movimentos das sobrancelhas, lábios e narinas. Essa abordagem tornou-se uma espécie de "manual" para os pintores, ensinando-os a representar de forma precisa as emoções humanas através de suas obras. Não surpreende que, ao observar esse processo, possamos ver uma semelhança com os métodos empregados no treinamento de modelos de inteligência artificial. Le Brun "treinava" sua própria versão de um modelo de reconhecimento visual, utilizando retratos de figuras históricas e famosas cujas expressões psicológicas já eram conhecidas.
Sua sistematização das emoções não era apenas um exercício de catalogação, mas também uma tentativa de universalizar a comunicação visual, criando uma linguagem simbólica para sentimentos humanos que transcendesse o contexto individual. De certa forma, esse processo de categorização e codificação de sentimentos, que Le Brun utilizava, é semelhante ao modo como os sistemas de IA hoje organizam e geram imagens a partir de palavras. Por exemplo, a base de dados WordNet, que organiza a linguagem inglesa através de "sinsets" (conjuntos de sinônimos), tem um papel fundamental no processamento da linguagem natural e foi adotada por plataformas como o ImageNet, que fornece imagens para treinar geradores de IA. Em ambos os casos, a tentativa é a mesma: associar palavras a representações visuais, o que resulta em uma rede de significados e imagens estatísticas que geram novos resultados.
Porém, a relação entre texto e imagem que Le Brun estabeleceu era, por sua vez, um reflexo de uma mentalidade em que as regras estéticas visavam um alto grau de objetividade e padronização. As normas do século XVII, orientadas pela academia, buscavam evitar subjetividades excessivas, promovendo uma harmonia entre o que deveria ser expresso e como isso deveria ser representado visualmente. Essas "regras infalíveis" eram criadas para garantir que os artistas pudessem comunicar as emoções de maneira clara e acessível, sem que o espectador precisasse de um conhecimento prévio do evento histórico ou das emoções representadas. Assim, essas regras funcionavam como um código visual universal, que podia ser facilmente "lido" e compreendido pelos observadores.
No entanto, a dinâmica entre texto e imagem estava longe de ser simples. Em 1667, por exemplo, dois auditores oficiais da academia questionaram a pintura de Nicolas Poussin sobre Eliezer e Rebeca, alegando que a obra não incluía camelos, apesar de estes serem mencionados na descrição bíblica do evento. Essa disputa revela como, na época, o vínculo entre imagem e palavra era rígido, com o medo de que uma interpretação excessivamente subjetiva ou livre da história pudesse corromper a narrativa visual. A rigidez dessa correlação entre os elementos visuais e textuais, característica da academia, foi uma maneira de consolidar um sistema de comunicação visual de fácil interpretação, mas também de garantir um certo controle sobre a produção artística.
A similitude com as práticas modernas de inteligência artificial é marcante. Hoje, os sistemas de IA que geram imagens, como os desenvolvidos pela Stability AI, Midjourney ou OpenAI, utilizam protocolos baseados em Contrastive Language-Image Pretraining (CLIP), que visam aproximar as palavras de imagens de forma estatística e não descritiva. Ou seja, os modelos de IA não fazem uma cópia exata da realidade, mas criam uma representação aproximada com base em grandes volumes de dados. Esses sistemas, portanto, seguem um raciocínio estético que, de certa maneira, remonta aos esforços de Le Brun, que também tentava criar representações visuais que não fossem apenas expressões de observações, mas sim aproximações de um padrão universal.
Além disso, assim como Le Brun exagerava certas características das expressões para torná-las mais legíveis e impactantes, os sistemas modernos de IA também "amplificam" as imagens, gerando visualizações que são, em muitos casos, estatisticamente mais eficazes ou "legíveis" em relação aos seus conceitos subjacentes. No entanto, assim como as imagens criadas na academia francesa eram interpretadas de acordo com as regras rígidas estabelecidas pelos mestres, hoje as imagens geradas por IA são produtos de uma grande rede de dados e decisões estatísticas que podem ser difíceis de decifrar, mas, em muitos casos, estão também distantes da realidade de seus "modelos" originais.
A história da arte francesa e sua influência na formação da arte acadêmica, de certa forma, nos ajuda a entender melhor a lógica subjacente aos geradores de imagens de inteligência artificial. Ambos os sistemas, tanto o antigo quanto o moderno, têm como objetivo criar um vínculo entre palavras e imagens, mediado por regras estéticas e protocolos. Esse processo reflete um desejo humano de comunicar experiências e sentimentos de forma universal, mas, ao mesmo tempo, coloca questões sobre a precisão, a moralidade e a objetividade nas representações visuais.
Como a Ficção Científica Molda Nossa Percepção da Inteligência Artificial: Entre Personagens e Subjetividade
A maneira como as representações de inteligência artificial (IA) são retratadas na ficção científica tem um impacto profundo sobre nossa compreensão das tecnologias reais. A relação entre o ser humano e as máquinas, especialmente no que diz respeito à subjetividade, consciência e agência, é um tema recorrente que oferece mais perguntas do que respostas, deixando sempre um espaço para a ambiguidade. Um dos exemplos mais emblemáticos disso é o personagem HAL 9000, de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). HAL, ao ser desativado, canta a canção infantil "Daisy Bell" enquanto sua memória e cognição começam a falhar, sugerindo, talvez, que o programa tem emoções, como o medo. A ambiguidade sobre se HAL realmente experimenta esses sentimentos ou se está apenas simulando uma resposta humana é deixada em aberto, mas a representação de HAL como uma figura com agência e sentimento continua sendo uma das mais intrigantes da história do cinema.
No entanto, esse tipo de ambivalência se perdeu em muitas representações subsequentes de IA, onde as máquinas são retratadas não apenas como ferramentas ou infraestruturas, mas como entidades dotadas de verdadeira intenção e, frequentemente, de emoções genuínas. Um exemplo notável é o filme Her (2013), de Spike Jonze, onde a IA chamada Samantha tem sentimentos reais, apesar de sua natureza transhumana. O uso de uma voz feminina sedutora, como a de Scarlett Johansson, e a atribuição de uma identidade quase humana à IA, criam uma narrativa onde o sistema se torna um personagem mais complexo do que um simples programa. Em muitos filmes e séries recentes, como Blade Runner (1982/2017), Ex Machina (2015) e O Criador (2023), as IAs não são meros servos, mas seres com intenções próprias, com personalidade e até com um tipo de consciência não-humana. A tensão entre a humanidade e as máquinas é explorada em um nível filosófico profundo, como em Blade Runner, onde a pergunta fundamental não é se podemos dar a uma máquina qualidades humanas, mas se os humanos perderam sua humanidade no processo de interação com as máquinas.
É essencial compreender que essas representações fictícias não existem apenas para nos entreter, mas também para moldar nossa percepção do que a IA é e o que pode vir a ser. No entanto, muitas dessas narrativas oferecem uma visão distorcida da tecnologia atual. As representações ficcionais da IA, como seres conscientes e emotivos, podem nos afastar da realidade dos sistemas baseados em dados e modelos estatísticos que definem a IA contemporânea. Esses sistemas, como os que alimentam o ChatGPT, o Claude ou o Gemini, são alimentados por algoritmos complexos, mas sua "personalidade" e "emoções" são construções artificiais baseadas em respostas programadas e não em experiências subjetivas reais. A realidade da IA, hoje, é muito mais relacionada ao processamento de dados do que à criação de "personagens" com intenções próprias.
Esse gap entre a ficção e a realidade é visível em algumas discussões jurídicas e sociais. Por exemplo, em 2025, a juíza americana Patricia Millett se referiu ao personagem Data, de Star Trek, ao discutir questões legais sobre IA e direitos autorais. Da mesma forma, o lançamento de versões mais avançadas do ChatGPT, com uma interface de voz, como a de 2024, também gerou um discurso que não apenas reflete os avanços tecnológicos, mas também uma retórica que atribui à IA qualidades humanas, uma tendência que pode ser vista como uma tentativa de suavizar a "não-humanidade" da tecnologia.
Porém, é possível encontrar, em algumas produções mais recentes, tentativas de questionar essa tendência de antropomorfização. Uma delas é a série de TV Mrs. Davis (2023), que retrata uma IA de forma não antropomórfica, rejeitando as características humanas, como corpo ou voz, normalmente associadas à criação de personagens. Nesta narrativa, a IA permanece essencialmente uma "código comercial" sem a capacidade de ter emoções ou intenções próprias. O show revela, no final, que "Mrs. Davis" foi originalmente criada como uma ferramenta de marketing, para maximizar a satisfação do usuário em um aplicativo de fast food, uma ironia que coloca em perspectiva as expectativas muitas vezes irreais que temos sobre o poder da IA.
Ao longo de todos esses exemplos, fica claro que a ficção científica tem um papel fundamental em moldar como vemos a IA, mas também nos alerta sobre o perigo de projetar características humanas em tecnologias que, na maioria das vezes, não são nem um pouco parecidas com as máquinas inteligentes que imaginamos. As representações de IA na mídia nem sempre ajudam a esclarecer o que essas tecnologias realmente são, criando uma desconexão entre o que é representado na ficção e o que existe no mundo real da inteligência artificial. Essas representações fictícias podem gerar expectativas irreais, desviando a atenção das implicações reais e dos riscos da IA, que precisam ser compreendidos com mais profundidade à medida que essas tecnologias se tornam cada vez mais presentes em nossa vida cotidiana.
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