A definição de cultura sempre foi um tema contestado, particularmente no campo da antropologia cultural, onde ela é um conceito organizador central. O primeiro conceito moderno de cultura foi apresentado como "um complexo todo que inclui conhecimento, crença, arte, moralidade, lei, costumes e todas as outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (Tylor, 1871). Essa definição inicial forneceu as bases para muitas outras teorias, mas dois aspectos continuam presentes nas abordagens contemporâneas: a aprendizagem cultural e o compartilhamento da cultura entre os membros de um grupo social.

Nos últimos 150 anos, as definições de cultura têm enfatizado que os indivíduos aprendem sobre cultura a partir de outros e que essa cultura é compartilhada. No entanto, o compartilhamento é muitas vezes desigual, com diferentes grupos sociais possuindo especializações em áreas distintas, como médicos, cozinheiros ou agentes de viagens, cada um com uma visão particular sobre certos domínios culturais. A análise do consenso cultural, desenvolvida para medir a convergência entre os membros de grupos culturais em relação a áreas específicas de conhecimento, valores e crenças, tem sido uma ferramenta essencial para entender como a cultura influencia o comportamento social.

A análise de consenso cultural permite verificar se a variação observada entre os indivíduos é resultado de informações genuinamente diferentes dentro de uma cultura ou se reflete apenas diferenças individuais. Isso é fundamental para determinar se as atitudes e comportamentos em um grupo são compartilhados suficientemente para serem considerados culturais. Além disso, a análise pode ajudar a medir o grau de "competência cultural", isto é, quão bem os membros de um grupo conhecem sua própria cultura.

Embora a teoria e a análise de consenso cultural tenham sido utilizadas em diversas pesquisas, incluindo aquelas focadas em turismo, seu uso ainda é relativamente limitado. Um estudo de caso, por exemplo, observou a percepção dos turistas e residentes nas Ilhas Turks e Caicos, onde as práticas culturais ligadas ao turismo eram vistas de maneira distinta entre as culturas dos anfitriões e dos visitantes. Embora os residentes estivessem geralmente alinhados com uma visão cultural compartilhada sobre como os festivais de aldeia deveriam ser organizados para atrair turistas, o comportamento real variava consideravelmente. Essa discrepância entre o modelo cultural e o comportamento efetivo dos membros da comunidade é um exemplo de como as culturas podem ser mais complexas do que os modelos rígidos sugerem.

O conceito de "cultura dissonante", ou a falta de conformidade comportamental com modelos culturais estabelecidos, também tem sido explorado em relação ao comportamento de turistas e anfitriões. Estudos demonstraram que, mesmo dentro de uma cultura compartilhada, comportamentos de indivíduos, como os turistas que visitam uma cidade, podem não corresponder completamente aos modelos culturais preexistentes. Isso é particularmente relevante quando se analisam fenômenos turísticos que envolvem grandes fluxos de visitantes e residentes, como no caso das praias de Spring Break. A pesquisa revelou que, embora os participantes tenham um conhecimento cultural comum sobre o evento, o comportamento real das mulheres, por exemplo, foi mais alinhado com o modelo cultural do que o dos homens, sugerindo um descompasso entre o comportamento real e o modelo cultural que é compartilhado.

Adicionalmente, a análise de consonância cultural, um desdobramento da teoria de consenso, explora em maior profundidade como os indivíduos se comportam de acordo com o modelo cultural identificado. Em um estudo de restaurante, por exemplo, as pessoas, em geral, demonstram alto nível de compreensão sobre as normas culturais de comportamento dentro de um restaurante, como se sentar, fazer pedidos e pagar a conta. No entanto, o entendimento cultural de como comportar-se entre diferentes culturas — como a prática de deixar gorjetas — pode ser consideravelmente mais baixo, gerando desconforto e estresse, especialmente quando as normas culturais não são seguidas corretamente.

A análise de consenso cultural oferece uma forma eficaz de medir como os comportamentos dos turistas e anfitriões correspondem a modelos culturais compartilhados. Isso é essencial para entender como a cultura molda as experiências turísticas e como o turismo pode ser planejado para criar interações mais harmoniosas entre visitantes e residentes. As dissonâncias culturais identificadas entre o comportamento e os modelos culturais também oferecem insights sobre as tensões que podem surgir no turismo, seja na forma de mal-entendidos, estresse cultural ou conflitos.

A pesquisa sobre consenso cultural e suas implicações para o turismo revela que, embora as normas e comportamentos culturais sejam frequentemente estudados de forma individual, a maneira como as culturas de anfitriões e turistas se relacionam e se manifestam no contexto do turismo é um campo rico, mas ainda subexplorado. Continuar a aplicar e refinar essas ferramentas analíticas pode abrir novas vias para a compreensão das dinâmicas culturais e comportamentais dentro dos destinos turísticos e, portanto, aprimorar tanto a experiência dos visitantes quanto a qualidade de vida dos residentes locais.

Como a tecnologia e os canais de distribuição transformaram o turismo e a importância do turismo doméstico

Nas últimas décadas, o turismo passou por transformações profundas impulsionadas pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação. Inicialmente, os sistemas de distribuição concentravam-se quase que exclusivamente na venda de passagens aéreas, mas rapidamente expandiram-se para abranger a reserva de uma vasta gama de serviços, incluindo hospedagem, passeios, transportes locais e outros. Essa evolução foi catalisada pela crescente complexidade das redes de distribuição, que passaram a operar com múltiplas configurações e a integrar canais digitais, intermediários e plataformas diretas. Com o advento das mídias sociais e do conteúdo gerado pelos próprios usuários, os consumidores ganharam um poder sem precedentes para influenciar o mercado, exigindo das empresas turísticas não apenas presença digital, mas também personalização e experiências mais fluídas.

Apesar do vasto volume de dados disponíveis, as organizações ainda enfrentam desafios significativos na utilização efetiva dessas informações para personalizar as ofertas e antecipar as necessidades dos turistas. O futuro aponta para a extração e análise em tempo real de dados variados — desde estatísticas de reserva até condições climáticas e custos de transporte — o que demanda a padronização dos dados e a criação de sistemas abertos que possibilitem o intercâmbio eficiente entre os atores do setor. O desafio é também promover uma colaboração eficaz entre players diversos, para garantir ao consumidor final uma jornada integrada e satisfatória.

O exemplo de Djibuti ilustra como destinos emergentes, com ecossistemas naturais únicos e múltiplas etnias e culturas, estão buscando articular suas estratégias turísticas em torno da sustentabilidade e da valorização do patrimônio natural e cultural. Localizado em uma região estratégica entre importantes rotas marítimas, o país tem um turismo que representa uma parcela modesta do PIB, mas em crescimento, especialmente devido à valorização do turismo baseado na natureza e em experiências autênticas, como observação de vida marinha, trekking e patrimônio histórico pré-histórico. Governos locais, em sintonia com planos nacionais, têm investido em capacitação, marketing e infraestrutura, enquanto enfrentam o desafio constante de proteger o meio ambiente diante das pressões do crescimento turístico e das mudanças climáticas.

Paralelamente, o turismo doméstico assume uma importância crítica, ainda que muitas vezes subestimada. Representando o segmento mais expressivo em termos de volume de viagens, o turismo interno tem raízes históricas profundas e desempenha um papel fundamental na sustentabilidade do setor turístico. Ele é impulsionado por movimentos de moradores dentro do próprio país, seja para lazer, visitas a familiares ou motivos religiosos, e frequentemente excede em escala o turismo internacional. Embora seja mais difícil de medir, especialmente em países em desenvolvimento, o turismo doméstico gera um impacto econômico substancial, estimulando economias locais, redistribuindo renda e promovendo a integração cultural.

A compreensão dos fluxos internos e das dinâmicas do turismo doméstico é essencial para políticas públicas eficazes e para estratégias empresariais que pretendam aproveitar esse mercado amplo e diversificado. Países com tradição nessa modalidade, como os membros da OCDE, demonstram que o investimento em infraestrutura, promoção e capacitação pode multiplicar os benefícios advindos desse segmento, contribuindo para a resiliência do turismo frente a crises internacionais e flutuações nos fluxos de visitantes estrangeiros.

Além disso, a integração do turismo doméstico com as tecnologias de informação abre novas possibilidades para personalização, marketing segmentado e inovação de produtos turísticos. O desafio permanece em equilibrar crescimento e sustentabilidade, aproveitando as oportunidades digitais para atender a um público interno crescente e exigente, que busca experiências diversas e alinhadas com suas expectativas culturais e ambientais.

Entender essas transformações é crucial para o leitor que deseja aprofundar-se no cenário atual do turismo global, pois revela não apenas a complexidade dos canais de distribuição e das tecnologias envolvidas, mas também a relevância estratégica do turismo doméstico e dos destinos emergentes. A leitura crítica desses processos permite uma visão mais ampla sobre os desafios e oportunidades do setor, essencial para a formulação de políticas, estratégias empresariais e pesquisas acadêmicas que possam contribuir para um turismo mais integrado, inovador e sustentável.

Como o turismo pode equilibrar crescimento econômico e preservação natural na Finlândia?

O turismo na Finlândia constitui um setor estratégico com potencial de crescimento sustentável, profundamente enraizado em recursos naturais e culturais. Embora o saldo comercial do turismo seja historicamente negativo, sua importância econômica e sociocultural é inegável. Em 2018, o setor empregava 142.100 pessoas — 5,4% da força de trabalho total — e movimentava aproximadamente €15,7 bilhões, com o turismo doméstico respondendo por 69% da demanda total.

A estrutura organizacional do turismo finlandês é sustentada por uma base educacional sólida, com formação técnica, universitária e programas de pesquisa voltados para o desenvolvimento da ligação entre turismo, negócios e cultura. As universidades de Oulu, Lapônia e Finlândia Oriental destacam-se na produção de conhecimento aplicado ao setor. Isso revela uma abordagem sistêmica, em que a atividade turística não se resume à hospitalidade ou aos atrativos naturais, mas compreende também o desenvolvimento intelectual e científico como pilar fundamental.

O turismo finlandês encontra sua base principal na atratividade das paisagens naturais e manifestações culturais. As regiões do Círculo Polar Ártico, o distrito dos lagos e os centros urbanos são polos receptores que sustentam fluxos constantes de visitantes. O conceito de “silêncio da natureza” emerge como proposta inovadora: trata-se de experiências introspectivas em chalés rústicos, com sauna e exploração autônoma do meio natural — atividades que respondem à crescente demanda por isolamento, bem-estar e reconexão ambiental.

As atividades de aventura, como passeios de motoneve, trenós puxados por cães e exploração de arquipélagos, complementam a oferta tradicional e inserem o país na lógica global de turismo experiencial. Destinos como a Vila do Papai Noel, na Lapônia, e a Ilha do Mundo dos Moomins, em Naantali, integram elementos de entretenimento, tradição e identidade nacional, reforçando o branding turístico da Finlândia como destino híbrido entre natureza e cultura.

O turismo de pesca ocupa um lugar singular nesse contexto, pois representa não apenas uma atividade de lazer, mas também uma oportunidade de diversificação econômica para comunidades costeiras e ribeirinhas. A prática está fortemente regulamentada, o que a torna seletiva e associada a experiências exclusivas. Há dois formatos predominantes: a pesca comercial observada por turistas em embarcações profissionais, com ênfase em aspectos culturais e tradicionais; e a pesca esportiva, voltada à participação ativa de turistas com licenças temporárias, muitas vezes em caráter competitivo.

Essa modalidade tem implicações relevantes para a economia azul e para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Ao integrar práticas sustentáveis de manejo dos recursos pesqueiros e educação ambiental dos visitantes, o turismo de pesca contribui para a conservação e para o desenvolvimento rural sustentável. No entanto, a redução dos estoques pesqueiros e a intensificação das regulamentações demandam uma abordagem mais integrada entre turismo, ciência e políticas públicas. A pesca turística, por sua vez, não apenas promove interação com o ambiente, mas também evoca tradições ancestrais, posicionando-se como produto turístico de alto valor agregado.

Em termos de dinâmica internacional, a Finlândia é cada vez mais relevante como hub aéreo entre a Europa e a Ásia, especialmente em rotas para a China, Japão e Índia. Esse fator estratégico impulsiona o turismo de negócios e os encontros internacionais, para os quais o país já é um destino consolidado. A infraestrutura sólida e a reputação de eficiência nórdica favorecem esse segmento, que coexiste com o turismo de lazer em um sistema híbrido e multifuncional.

Apesar dos impactos severos da pandemia de Covid-19, que afetaram de maneira desigual os setores ligados à hospitalidade e transporte, o chamado “turismo de chalé” obteve relativa resiliência. Isso revela uma tendência já observada em outros contextos: a valorização de destinos periféricos, menos densos e mais conectados à natureza. Essa mudança nos padrões de consumo turístico sugere que o futuro da atividade estará cada vez mais vinculado à personalização, ao bem-estar e à sustentabilidade ambiental.

A importância crescente do turismo de natureza e fauna na Finlândia também merece atenção. A criação de parques nacionais e áreas protegidas tem duplo papel: conserva ecossistemas frágeis e impulsiona a economia local por meio da visitação consciente. A fauna e flora nórdicas, com suas particularidades adaptativas e simbologia mitológica, agregam valor identitário ao destino. A presença de espécies emblemáticas como ursos, alces, e aves migratórias cria um ecossistema turístico próprio, voltado à observação, contemplação e educação ambiental.

Em última instância, o turismo finlandês encontra-se em um ponto de inflexão: ou reforça sua vocação para o equilíbrio entre uso e preservação de recursos, ou cede à lógica extrativa e massificada do turismo convencional. A chave para esse equilíbrio está na inteligência estratégica de sua governança, na articulação entre conhecimento acadêmico, gestão pública e inovação do setor privado.

É fundamental reconhecer que o turismo não é uma atividade neutra: ele transforma o território, as relações sociais e os modos de vida. A qualidade dessa transformação depende do quanto as políticas públicas e as práticas empresariais conseguem internalizar os custos ambientais, sociais e culturais da atividade. Somente assim o turismo finlandês poderá converter seu potencial natural e simbólico em um modelo exemplar de desenvolvimento regenerativo.

O Turismo Responsável e o Equilíbrio entre Overtourism e Undertourism: Desafios e Perspectivas

A questão do “overtourism” surge como um dos maiores desafios contemporâneos no setor de turismo. Refere-se ao fenômeno em que o número de turistas em determinadas regiões ultrapassa a capacidade de suporte do destino, gerando impactos negativos tanto no meio ambiente quanto na qualidade de vida das comunidades locais. Esse fenômeno tem sido analisado sob diversas óticas, mas uma das mais relevantes é a busca por um modelo de turismo mais sustentável, que se alinha ao conceito de turismo responsável.

O turismo responsável envolve a responsabilidade de todos os envolvidos no processo — desde os turistas, passando pelas empresas de turismo, até os governos e as comunidades locais. A responsabilidade, neste caso, não se limita apenas à gestão dos impactos ambientais, mas também à preservação das culturas locais e à promoção de práticas comerciais éticas. O objetivo final é criar um equilíbrio, onde o crescimento do setor não sobrecarregue os recursos naturais e humanos de um destino.

A teoria por trás do “overtourism” se baseia na ideia de que a concentração de turistas em locais específicos pode levar a sérios problemas de sustentabilidade. No entanto, com o engajamento de todos os stakeholders, é possível transformar esse fenômeno. Como ilustrado pelos eventos antiturismo em cidades como Barcelona, o conceito de “overtourism” pode eventualmente transitar para um movimento antiturismo, quando uma massa crítica — seja de cidadãos ou de forças políticas — começa a questionar a viabilidade do modelo atual.

Do outro lado do espectro, o “undertourism” surge como a situação oposta, em que certos destinos não recebem turistas suficientes para impulsionar a economia local. Esse fenômeno foi claramente observado durante a pandemia de Covid-19, quando as viagens internacionais foram drasticamente reduzidas. As consequências econômicas do “undertourism” são profundas, especialmente para aqueles destinos que dependem do turismo como principal fonte de renda. O equilíbrio entre overtourism e undertourism é, portanto, um aspecto crucial na discussão sobre a sustentabilidade do turismo global.

O modelo de turismo de pacotes, que se popularizou no pós-guerra com o surgimento de operadores turísticos e o barateamento das viagens aéreas, é um exemplo clássico de como o turismo de massa pode gerar grandes volumes de turistas, mas também criar sérios desequilíbrios. Este tipo de turismo, ao garantir uma experiência simplificada e de baixo custo, muitas vezes desconsidera as especificidades culturais e ambientais dos destinos, transformando-os em produtos de consumo em massa. O turismo de pacotes, em sua essência, é um reflexo da falta de regulamentação eficaz e da exploração das economias locais sem oferecer benefícios sustentáveis a longo prazo.

Para que o turismo de pacotes se alinhe com os princípios do turismo responsável, será necessário um esforço conjunto para reformular as práticas comerciais dos operadores turísticos. A implementação de regulamentações mais rigorosas, que incluam a proteção dos direitos dos consumidores e das comunidades locais, é fundamental. A digitalização e a automação, aceleradas pela pandemia, podem oferecer novas possibilidades para tornar o turismo mais eficiente e sustentável, desde que as tecnologias sejam utilizadas de forma a apoiar a personalização das experiências turísticas e a valorização das economias locais.

Por fim, é essencial que a pesquisa sobre o turismo, especialmente no contexto pós-pandemia, se concentre em como medir e gerenciar os impactos do turismo nos destinos, levando em consideração as múltiplas dimensões envolvidas. A sustentabilidade deve ser vista não apenas como um conceito abstrato, mas como um conjunto de práticas concretas que envolvem a gestão da oferta e da demanda turísticas de forma equilibrada, respeitando as limitações dos ecossistemas e das comunidades receptoras. O futuro do turismo depende da nossa capacidade de reimaginar e adaptar o setor, garantindo que ele contribua positivamente para o desenvolvimento global sem comprometer os recursos do planeta.