A tomada de decisão compartilhada (TDS) é um conceito essencial na medicina moderna, especialmente quando se trata de pacientes com doenças crônicas, complexas ou terminais, como aqueles que enfrentam insuficiência cardíaca grave e consideram a utilização de dispositivos de suporte circulatório mecânico (MCS). Este modelo de decisão tem como objetivo integrar o conhecimento técnico dos profissionais de saúde com as preferências, valores e autonomia do paciente, promovendo decisões que estejam em sintonia com seus desejos e necessidades. No contexto de MCS, a TDS é fundamental, pois as escolhas envolvem intervenções complexas que podem prolongar a vida, mas também têm riscos significativos.

Para que a tomada de decisão compartilhada ocorra de maneira eficaz, três elementos essenciais devem estar presentes. Primeiramente, o paciente e o médico devem reconhecer que uma decisão precisa ser tomada. Isso implica uma avaliação conjunta de que a condição do paciente exige uma intervenção médica, seja ela um tratamento contínuo ou a retirada de suporte vital. Em segundo lugar, tanto o paciente quanto o profissional de saúde devem compreender os riscos e benefícios das opções disponíveis, baseando-se nas melhores evidências científicas. Finalmente, as decisões precisam refletir as preferências do paciente, levando em consideração seus valores pessoais e suas expectativas para o futuro.

A implementação de um plano de cuidados de suporte (SCP) é uma parte crucial desse processo. O SCP é uma estratégia personalizada desenvolvida pela equipe de saúde que visa ajudar os pacientes a refletir sobre suas preferências em relação aos cuidados no final da vida. Esse plano inclui discussões sobre os tratamentos médicos possíveis, como ventiladores, diálise ou terapias nutricionais, bem como intervenções não médicas, abordando as necessidades culturais, psicológicas e espirituais do paciente. A escolha de continuar com tratamentos como MCS deve ser feita com base em uma compreensão clara do impacto que esses dispositivos terão sobre a qualidade de vida do paciente, seus sintomas cardiovasculares e suas expectativas de sobrevivência.

No entanto, o processo de tomada de decisão não é sempre simples. Existem situações em que o paciente pode não ter capacidade de tomar decisões por si próprio, seja devido a uma condição clínica temporária, como um coma, ou por uma deficiência cognitiva permanente. Nesse caso, é fundamental que um tomador de decisão substituto, como um parente próximo ou um representante legal, seja nomeado para garantir que os desejos do paciente sejam respeitados. O tomador de decisão substituto deve agir de acordo com o princípio de "julgamento substituído", que implica em tomar decisões com base no que o paciente teria escolhido se estivesse capaz de decidir.

As decisões sobre o uso de MCS devem ser feitas com base não apenas na avaliação médica, mas também nas considerações éticas relacionadas à dignidade do paciente. É importante que os profissionais de saúde reconheçam que, embora os dispositivos de suporte circulatório possam prolongar a vida, a qualidade de vida e os objetivos do paciente devem ser priorizados. Em algumas circunstâncias, como em pacientes com insuficiência cardíaca terminal, pode ser necessário reconsiderar as opções de tratamento, levando em conta os riscos de tratamentos invasivos em contraste com os benefícios.

Além disso, sempre que um paciente incapaz de tomar decisões expressa claramente seu desejo de receber tratamentos que possam sustentar a vida, esse desejo deve ser priorizado. Isso vale mesmo quando o médico ou a equipe de saúde tenha feito recomendações contrárias, ou mesmo quando as condições do paciente se tornam críticas. A preferência do paciente deve sempre ser o guia principal, refletindo o princípio fundamental da autonomia.

Os médicos devem sempre estar atentos à capacidade do paciente de tomar decisões. Quando necessário, é importante avaliar essa capacidade com o apoio de outros profissionais qualificados, como psicólogos ou neurologistas. Embora a lei e as políticas institucionais forneçam diretrizes para a nomeação de tomadores de decisão substitutos, cada situação é única e deve ser tratada com cuidado e empatia.

Em todos os casos, a comunicação clara entre o paciente, a família e a equipe de saúde é vital. O processo de tomada de decisão compartilhada não deve ser visto como uma tarefa burocrática ou uma formalidade, mas como uma oportunidade para fortalecer a relação entre médico e paciente, e para garantir que o tratamento reflita as verdadeiras necessidades e desejos do paciente. Isso ajuda a criar um ambiente de confiança, onde o paciente se sente apoiado e envolvido nas decisões mais importantes de sua vida.

Como os Dispositivos de Assistência Circulatória Mecânica Estão Transformando o Tratamento de Insuficiência Cardíaca

Os dispositivos de assistência circulatória mecânica (MCS) desempenham um papel crucial no manejo de pacientes com insuficiência cardíaca avançada, especialmente à medida que os tratamentos se tornam mais sofisticados e as abordagens terapêuticas evoluem. Com a aprovação dos primeiros dispositivos LVAD (Left Ventricular Assist Device) implantáveis, como o Novacor e o HeartMate 1, iniciaram-se mudanças significativas no tratamento da insuficiência cardíaca. Estes marcos foram fundamentais para abrir as portas de uma nova era, onde dispositivos duráveis permitiram a alta hospitalar dos pacientes, mudando a forma como o cuidado era prestado.

O crescimento das tecnologias de MCS gerou uma necessidade crescente de coordenadores especializados para gerenciar a logística do tratamento dos pacientes, como a anticoagulação, visitas à clínica e outras necessidades médicas. A introdução da assistência de perfusionistas e engenheiros nas unidades de cuidados intensivos e centros de reabilitação foi essencial para o avanço desses sistemas. O trabalho conjunto de perfusionistas e engenheiros tem sido fundamental para o gerenciamento eficaz de dispositivos em ambientes de cuidados ambulatoriais.

Desde o início dos programas de perfusão e engenharia biomédica, com destaque para a criação do primeiro programa de mestrado em perfusão nos anos 90, até os avanços mais recentes, os profissionais dessas áreas desempenham papel crucial. O treinamento dos perfusionistas envolve a prática em áreas como recuperação de sangue, recuperação de órgãos e programas de corações artificiais, sendo uma parte vital na gestão de pacientes com dispositivos temporários e duráveis, tanto no hospital quanto fora dele.

A transição de MCS da sala de cirurgia para o laboratório de cateterismo, e depois para o ambiente ambulatorial, demonstrou como as habilidades de perfusionistas, engenheiros e enfermeiros de UTI são valiosas. Estes profissionais se tornaram peças essenciais em um sistema complexo de dispositivos de assistência circulatória, com a necessidade de garantir a competência em várias áreas, incluindo a sala de operações, o laboratório de cateterismo e a UTI.

O uso de dispositivos LVAD, como o HeartMate 2 e o Medtronic HVAD, continua a ser fundamental no suporte de pacientes com insuficiência cardíaca grave. A introdução do HeartMate 3 representou um avanço significativo, com a aprovação do FDA para sistemas de suporte a curto e longo prazo. Apesar dos desafios associados à troca de dispositivos, como o recall do HVAD da Medtronic em 2022, as opções de troca são limitadas, sendo o HeartMate 3 o único dispositivo durável atualmente aprovado.

Além dos dispositivos LVAD, o SynCardia 50 e 70 cc TAH (Total Artificial Heart) se destacam como uma alternativa viável para pacientes com falência biventricular. A aprovação do TAH em 2004 para pacientes elegíveis para transplante e a introdução de um driver portátil para o dispositivo em 2012 abriram novas possibilidades para o manejo desses pacientes, permitindo que eles fossem liberados para tratamento ambulatorial.

Os avanços na área de MCS também incluem o crescente uso de sistemas de ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea), que são fundamentais tanto no suporte temporário de pacientes com insuficiência cardíaca quanto nas situações de emergência. A introdução de sistemas ECMO menores e mais compactos, como o Cardiohelp, revolucionou o manejo de pacientes, permitindo o transporte entre hospitais e o suporte de múltiplos órgãos, como o coração, os pulmões, o fígado e os rins, para otimizar os transplantes.

Além disso, mudanças no sistema de alocação de corações da UNOS (United Network for Organ Sharing) desde 2018 ampliaram as oportunidades de transplante para pacientes em dispositivos temporários, alterando o panorama do tratamento de insuficiência cardíaca. Esse sistema permite uma otimização dos pacientes antes de um transplante, destacando a importância dos dispositivos temporários como uma etapa de preparação para a cirurgia.

Em paralelo, o uso de dispositivos Impella, como os sistemas 5.0 e 5.5, que são inseridos cirurgicamente na artéria axilar, permite que os pacientes permaneçam em movimento por períodos prolongados enquanto são mantidos em suporte circulatório. Esses sistemas são parte de um conjunto crescente de ferramentas em programas de MCS, que se expandem também para o uso de oxigenadores e bombas em pediatria, além de sistemas ECMO especializados para órgãos específicos.

É importante compreender que, apesar de todos os avanços tecnológicos, a complexidade e a variedade de dispositivos de suporte circulatório exigem não apenas uma formação técnica, mas também uma gestão cuidadosa da logística e do acompanhamento de pacientes. A evolução do tratamento da insuficiência cardíaca e o aprimoramento dos dispositivos de MCS estão intrinsecamente ligados ao trabalho colaborativo entre perfusionistas, engenheiros e outros profissionais da saúde. O aumento da especialização e o desenvolvimento de novas tecnologias são cruciais para enfrentar os desafios associados à insuficiência cardíaca avançada.

Como os Coordenadores de MCS Contribuem para o Gerenciamento de Pacientes com Dispositivos Mecanizados

O papel do coordenador de MCS (Dispositivos de Suporte Mecânico ao Coração) na gestão do paciente é crucial e envolve um monitoramento constante, focado principalmente na prevenção de complicações relacionadas ao dispositivo. A coordenação entre o paciente, o coordenador de MCS e o provedor de cuidados médicos é essencial para a tomada de decisões, especialmente no que se refere ao "bridge" de anticoagulação, um procedimento vital no tratamento desses pacientes. Esse "bridge" é realizado com heparina de baixo peso molecular (LMWH) administrada de forma ambulatorial ou com infusão intravenosa de heparina, caso o paciente não tolere as injeções em casa.

O uso de anticoagulantes, especialmente a warfarina, é uma necessidade constante para pacientes com dispositivos MCS, pois esses dispositivos geram estresse de cisalhamento e hemólise das células vermelhas, colocando os pacientes em risco elevado para eventos tromboembólicos, como acidente vascular cerebral (AVC) e trombose. O gerenciamento adequado do INR (International Normalized Ratio) é vital para a prevenção desses eventos. Estudos demonstram que o controle eficaz da anticoagulação melhora significativamente os desfechos dos pacientes (Boehme et al., 2017).

O monitoramento contínuo dos níveis de INR é fundamental. Os coordenadores de MCS são os primeiros a identificar quaisquer resultados laboratoriais fora do intervalo terapêutico e podem ajustar as doses de warfarina, em colaboração com os profissionais médicos, para garantir que o paciente esteja dentro da faixa terapêutica adequada. A medição de INR pode ser realizada em casa, com a utilização de dispositivos de monitoramento fornecidos ao paciente, facilitando o acompanhamento sem a necessidade de visitas frequentes à clínica.

Além do INR, os pacientes com MCS devem ser monitorados para detectar complicações hemolíticas. A hemólise, que pode ser indicada por um aumento nos níveis de lactato desidrogenase (LDH), é uma das principais complicações associadas ao uso de dispositivos mecânicos. A hemólise pode levar a condições como anemia e síndrome de Von Willebrand adquirida (Nascimbene et al., 2016). A identificação precoce da hemólise é essencial para evitar complicações graves, como a formação de trombos dentro do dispositivo, que pode ser fatal. O monitoramento de outros indicadores laboratoriais, como a hemoglobina plasmática livre, haptoglobina, urina e testes de tromboelastografia (TEG), também é importante para diagnosticar esses problemas antes que se tornem críticos.

A pressão arterial é outro fator crucial na gestão de pacientes com MCS. A hipertensão pode levar a várias complicações, incluindo a redução do fluxo sanguíneo, menor débito cardíaco e o risco de desenvolvimento de trombos no dispositivo. A hipertensão também pode agravar condições como a insuficiência aórtica (AI), doenças vasculares e arritmias isquêmicas (Smith & Franzwa, 2015). Portanto, o monitoramento contínuo da pressão arterial é imprescindível, e o coordenador de MCS desempenha um papel vital na educação dos pacientes sobre as metas de pressão arterial e no auxílio para ajustar os tratamentos.

Os dispositivos MCS atuais, como os LVADs (Dispositivos de Assistência Ventricular Esquerda), são, em sua maioria, dispositivos de fluxo contínuo, não pulsátil. Em contrapartida, o coração artificial total é um dispositivo de fluxo pulsátil, o que altera a forma como a pressão arterial é monitorada. Com dispositivos não pulsáteis, o coordenador de MCS precisa analisar dados adicionais, como leituras de potência, para identificar sinais de complicações, como picos de pressão, que podem indicar hemólise ou falha do dispositivo.

Esses dispositivos também fornecem informações cruciais, como leituras de potência, que são monitoradas de perto pelos engenheiros dos fabricantes, especialmente no caso de picos de potência. A coleta de dados sobre a potência do dispositivo, juntamente com a observação clínica do paciente, permite identificar precocemente problemas como a hemólise ou falhas mecânicas do dispositivo.

No caso de pacientes com dispositivos LVAD, o aumento repentino na leitura de potência pode ser um sinal claro de hemólise, o que exige uma avaliação urgente. Nesse contexto, o coordenador de MCS atua como uma ponte entre os dados técnicos fornecidos pelo dispositivo e o cuidado clínico do paciente, garantindo que as complicações sejam tratadas de forma precoce.

Além de todas essas funções técnicas, os coordenadores de MCS têm um papel educacional importante. Eles devem ensinar os pacientes e seus cuidadores sobre os parâmetros do dispositivo, como monitorar os sinais vitais, reconhecer alterações nos dados do dispositivo e compreender a importância de aderir às prescrições de medicamentos e ao monitoramento contínuo.

Em resumo, os coordenadores de MCS não são apenas facilitadores no processo de cuidado, mas também sentinelas atentas às diversas complicações que podem surgir em pacientes com dispositivos de suporte cardíaco. A colaboração contínua com os médicos e a educação dos pacientes são fundamentais para o sucesso do tratamento e para a prevenção de complicações graves. Com uma abordagem multifacetada, o trabalho do coordenador de MCS garante que os pacientes recebam o melhor cuidado possível e que qualquer complicação seja identificada e tratada rapidamente, garantindo sua segurança e bem-estar a longo prazo.