A filosofia política de Herbert Spencer sugeria que a felicidade e a segurança em sociedade eram os objetivos da atividade política, mas que essa atividade deveria ser guiada por aqueles com o melhor DNA, ou seja, por uma elite natural que deveria ocupar os postos de liderança. Esse pensamento, que pode ser considerado um prenúncio das ideias conservadoras modernas, defendia ainda que o governo jamais deveria prover educação ou saúde pública — algo que, à época, parecia estar muito à frente de seu tempo. Esse ponto de vista culminou diretamente no trabalho de Francis Galton, que em 1869 cunhou o termo "eugenia" em seu livro Hereditary Genius: An Inquiry into Its Laws and Consequences. A eugenia pregava que, ao esterilizar ou até mesmo matar pessoas consideradas “defeituosas” ou “abaixo do padrão”, seria possível eliminar essas características do pool genético humano, melhorando a inteligência e a aptidão da raça humana nas gerações presentes e futuras.

Essas ideias foram prontamente adotadas por figuras proeminentes como Winston Churchill, que tentou, sem sucesso, implementar leis de esterilização no Reino Unido em 1912, e Woodrow Wilson, que, durante sua presidência, incentivou fortemente essas práticas nos Estados Unidos, levando muitos estados a adotar políticas de esterilização compulsória. A ideologia de Galton e outros defendia, com um certo grau de sofisticação, que as classes "inferiores", vistas como geneticamente defeituosas, não deveriam participar ativamente da política, como forma de proteger a qualidade do eleitorado.

O conceito de que a democracia precisa ser restringida para evitar que "pessoas de pouca qualidade e inteligência" votem é uma das justificativas recorrentes em discursos conservadores. Esse pensamento remonta a períodos iniciais da política americana, quando figuras como Alexander Hamilton e John Adams acreditavam que havia uma necessidade de "filtragem" do eleitorado para garantir que apenas os mais "capacitados" tivessem direito ao voto. Adams, por exemplo, afirmava que os "homens sem propriedades" careciam de julgamento próprio e, por isso, não deveriam influenciar nas decisões políticas, considerando que até mulheres e crianças desprovidas de propriedades possuíam um julgamento mais independente do que esses homens.

Hoje, a versão contemporânea dessa visão argumenta que as pessoas mais pobres são pobres devido a defeitos de caráter ou intelecto, o que justifica a exclusão delas do processo eleitoral. Como a pobreza está, em grande parte, concentrada em comunidades de cor, essas populações acabam sendo as mais visadas por esforços de supressão do voto. A ideia é clara: a política deve ser dominada por aqueles que, por sua "superioridade natural", são capazes de tomar decisões "inteligentes" em nome da sociedade. O conceito de que as classes mais baixas são incapazes de contribuir de forma racional para a política é, portanto, uma justificativa para restringir o direito ao voto, alegando que a inclusão dessas pessoas enfraqueceria a qualidade da democracia.

Dentro desse contexto, há também o papel dos oligarcas libertários, uma elite que defende que a democracia, tal como é hoje, é uma forma de "governo da multidão", um "domínio do mob", onde a liberdade individual e a propriedade privada são ameaçadas pelas massas que exigem recursos públicos. Filósofos como Ayn Rand, em sua obra objetivista, justificam a não participação das classes mais baixas na política, uma vez que essas pessoas não seriam vistas como “produtoras” capazes de gerar riquezas. A crença fundamental de libertários e objetivistas é que o voto das classes mais pobres sempre favoreceria a redistribuição de riquezas, algo que eles consideram moralmente errado.

Uma ideia frequentemente citada nesse contexto é o chamado "Ciclo de Tytler", um conceito atribuído ao historiador escocês Alexander Tytler, que sugere que as grandes civilizações do mundo seguem um ciclo inevitável: do cativeiro à fé espiritual, da fé à coragem, da coragem à liberdade, da liberdade à abundância, da abundância ao egoísmo, do egoísmo à complacência, da complacência à apatia, da apatia à dependência, e, finalmente, da dependência ao cativeiro. Embora essa citação seja frequentemente distorcida e tenha sido popularizada por forças conservadoras, ela captura um sentimento fundamental: que os sistemas democráticos inevitavelmente se degeneram quando os “indivíduos errados” começam a votar.

Por fim, a visão dos supremacistas brancos sobre o direito ao voto se baseia na crença de que os brancos são, por natureza, uma raça superior, e portanto merecem o controle político da nação. A concepção de que a raça branca deve manter a maior parte do poder político é um elemento central dessa ideologia. A ideia de um “povo eleito” em uma democracia funciona, na visão desses indivíduos, apenas se a população for homogênea, e ao mesmo tempo privilegiada em termos de sua composição racial e econômica.

Em todo esse discurso contra a universalização do direito ao voto, há um fio condutor claro: uma tentativa de preservar o poder nas mãos de uma elite, seja por meio da eugenia, do controle das massas ou da negação do direito de voto aos considerados "incapazes" de tomar decisões políticas racionais. O direito de votar, assim, é constantemente visto como uma ameaça à ordem estabelecida e à preservação do status quo. E essa luta contra a ampliação dos direitos eleitorais, por mais que se disfarce de discursos sobre "qualidade do eleitorado" ou "responsabilidade fiscal", está profundamente enraizada em uma ideologia que busca proteger os interesses de poucos, muitas vezes à custa da maioria.

Como Aumentar a Participação Eleitoral: Soluções Práticas para a Inclusão e Acessibilidade

Para garantir que o processo eleitoral seja mais preciso e justo, alguns estados adotam práticas que buscam excluir eleitores inelegíveis. Uma dessas táticas é o que é conhecido como "voter caging", onde os oficiais eleitorais enviam correspondências não encaminháveis em massa para todos os eleitores registrados. Caso a correspondência seja devolvida, mesmo que o eleitor apenas tenha se mudado para a rua ao lado, os oficiais podem usar isso como justificativa para desafiar o direito de voto da pessoa. O "For the People Act" de 2019 proíbe essa prática, a menos que o desafiante forneça um juramento de que tem uma "base factual de boa fé" para acreditar que o eleitor é inelegível. Essa prática coloca sobre o cidadão a responsabilidade de provar seu direito de votar, o que é inversamente revertido com a implementação do registro automático de eleitores. Com apenas essas duas mudanças — o fim do "voter caging" e a introdução do registro automático — milhões de americanos teriam seu direito de voto protegido contra tentativas infundadas de anulá-lo.

Porém, mesmo que esses mecanismos garantam a inclusão, o maior obstáculo ainda reside na capacidade dos eleitores de comparecer às urnas. Nos Estados Unidos, 14% dos eleitores registrados que não votaram nas eleições de 2016 citaram a falta de tempo como motivo, enquanto 12% alegaram questões de saúde e deficiência, e outros 8% disseram que estavam fora de suas cidades. Esse fenômeno é um reflexo da organização histórica do sistema eleitoral dos Estados Unidos, que, até 1845, permitia que cada estado determinasse sua própria data para as eleições. A unificação da data de votação começou com a assinatura do ato de 1845, estabelecendo que as eleições seriam realizadas na primeira terça-feira após o primeiro domingo de novembro.

O conceito original da escolha dessa data, proposto por um Congresso de 1845, era baseado em suposições sobre a rotina dos eleitores da época, que eram, em sua maioria, agricultores. Eles precisavam de tempo para completar a colheita e transportá-la aos mercados locais, além de não poderem viajar durante o domingo, dia de descanso religioso. No entanto, essas premissas não são mais aplicáveis à sociedade moderna, e é hora de considerar a eleição como um feriado nacional para que mais eleitores tenham a oportunidade de votar.

Um avanço considerável seria a implementação do voto por correio. Este método oferece uma solução prática para aqueles que, por diversos motivos, não podem comparecer aos locais de votação. O voto por correio tem sido amplamente testado nos Estados Unidos e já é adotado em 22 estados para certas eleições. O funcionamento do processo é simples: todos os eleitores registrados recebem a cédula em sua casa, marcam seu voto, colocam a cédula em um envelope de sigilo e em seguida a retornam por correio ou a entregam em um ponto de coleta. Esse modelo remonta ao sistema eleitoral original dos Estados Unidos, antes de 1844, quando as eleições duravam cerca de um mês.

Estados como Oregon, Colorado e Washington distribuem todas as suas cédulas por correio, embora a entrega física ainda seja uma opção preferida por muitos eleitores, que buscam a segurança de levar o voto pessoalmente a um ponto de coleta. A pesquisa do MIT Election Data + Science Lab revelou que, nesses estados, uma porcentagem significativa de eleitores retorna suas cédulas a um local físico, como uma caixa de coleta ou escritório eleitoral, em vez de confiar no serviço postal. Esse comportamento demonstra a vontade de manter algum nível de controle sobre o processo, além de refletir a confiança na segurança do voto.

O voto por correio tem mostrado resultados positivos, especialmente em termos de aumento da participação eleitoral, tanto em áreas urbanas quanto rurais. No condado de Garden, Nebraska, por exemplo, a participação nas primárias de 2018 foi de 58,7%, mais que o dobro da média estadual. Em Anchorage, no Alasca, a participação nas eleições municipais de 2018 aumentou significativamente com a introdução do voto por correio. Esses exemplos demonstram o impacto positivo desse método, permitindo que mais cidadãos possam exercer seu direito ao voto sem as barreiras físicas e logísticas das urnas tradicionais.

Além de aumentar a participação eleitoral, o voto por correio elimina a necessidade de voto ausente, já que todos os eleitores têm a oportunidade de votar de maneira remota. Contudo, existem desafios a serem superados, como a falta de uniformidade na entrega de correspondências e dificuldades enfrentadas por comunidades indígenas em reservas, onde muitos não possuem endereços fixos. A solução para esses problemas pode passar pelo financiamento estatal para os custos postais, como já ocorre em estados como Oregon, Washington e Califórnia, onde os eleitores recebem cédulas com franqueamento pré-pago.

Apesar de seus benefícios, o voto por correio não é uma panaceia e precisa ser acompanhado de outras iniciativas que facilitem o processo eleitoral, como a criação de centros de votação acessíveis, que já são utilizados em cidades como Denver e estados como a Califórnia. Além disso, é essencial oferecer assistência aos eleitores com deficiência e que falam línguas estrangeiras, garantindo que todos, independentemente de sua condição social, física ou linguística, possam participar plenamente do processo democrático.

Como a Supressão do Voto Impacta a Democracia e o Papel das Mulheres na Política

A supressão do voto é uma prática histórica que, ao longo do tempo, tem sido um obstáculo significativo à democracia, especialmente para grupos marginalizados, como as mulheres. A luta pelo direito de votar não é apenas uma questão de participação política; é um reflexo profundo da batalha por igualdade e justiça social. No contexto americano, essa luta tem raízes profundas, que remontam ao período pós-Revolução, quando diversas estratégias foram criadas para limitar o acesso ao voto, muitas vezes com o intuito de manter o status quo político e social.

As barreiras à votação, como requisitos de identificação rigorosos, purga de eleitores e mudanças nas leis eleitorais, afetam desproporcionalmente as comunidades de minorias e as mulheres, que já enfrentam múltiplas formas de discriminação. As mulheres, em particular, tiveram um papel central em várias das principais transformações políticas, desde o movimento sufragista até a atuação nos movimentos modernos que buscam garantir a plena participação de todos na vida política.

Essas práticas de supressão são um reflexo das tensões que existem entre a democracia idealizada e as forças que buscam restringir o poder do povo. Não se trata apenas de negar um direito fundamental, mas de moldar o sistema político de maneira a proteger certos interesses. Historicamente, as mulheres enfrentaram inúmeros obstáculos para acessar as urnas. A luta pela emancipação feminina está entrelaçada com as batalhas contra a discriminação racial e de classe, pois a supremacia branca e a misoginia se cruzam em formas complexas que dificultam a conquista de direitos plenos para as mulheres.

Um aspecto frequentemente negligenciado da supressão do voto é o impacto psicológico e emocional sobre os indivíduos que enfrentam esses obstáculos. Para muitas mulheres, especialmente as de comunidades marginalizadas, o ato de votar se torna um símbolo de resistência e afirmação de sua dignidade e direito à igualdade. No entanto, as estratégias para dificultar o acesso ao voto têm um efeito devastador, criando desconfiança e desengajamento no processo político.

Além disso, a mobilização para o direito de voto das mulheres não se limitou ao movimento sufragista do início do século XX. As décadas seguintes testemunharam novas formas de ativismo que visavam garantir que as mulheres tivessem não apenas o direito de votar, mas também a igualdade no processo eleitoral. O movimento pelos direitos civis e as campanhas contemporâneas em favor do voto das mulheres afro-americanas, latinas e indígenas são exemplos de como o acesso ao voto permanece uma questão de grande relevância, principalmente em um cenário de crescente polarização política e conservadorismo.

A supressão do voto não é apenas um problema das urnas, mas também do sistema político em si. Uma democracia verdadeira não se limita ao direito de votar; ela exige a participação plena e a representação de todos os grupos, sem exceção. A crise do voto nos Estados Unidos, assim como em outras democracias, revela falhas estruturais que podem ser corrigidas apenas por meio de uma renovada busca por um sistema eleitoral mais justo e transparente. A criação de leis mais inclusivas, a eliminação de barreiras raciais e de gênero e o fortalecimento da educação cívica são passos essenciais para a construção de um futuro onde o voto seja verdadeiramente universal.

Porém, é importante compreender que a supressão do voto vai além das ações legislativas ou dos obstáculos diretos. Trata-se de uma questão cultural, de valores enraizados na sociedade, que legitima a exclusão política de grupos historicamente oprimidos. Para que a democracia seja revitalizada, é necessário que a sociedade repense suas ideias sobre poder e representação, reconhecendo que todos devem ter voz, não apenas aqueles que tradicionalmente têm o privilégio de acesso.

Além disso, o debate sobre o voto não pode ser separado das discussões sobre a educação e a conscientização política. É preciso garantir que as futuras gerações compreendam a importância do voto e o impacto profundo que ele tem em suas vidas. A educação cívica deve ser vista não apenas como um ensino sobre o funcionamento das instituições, mas também como uma ferramenta de empoderamento. Ao criar um ambiente onde todos os cidadãos, independentemente de gênero, raça ou classe social, tenham acesso pleno ao processo eleitoral, será possível fortalecer as bases da democracia e avançar na construção de uma sociedade mais justa e equitativa.