O impacto da chegada de Jesus no cenário humano não é apenas uma reviravolta na história, mas um convite a uma resposta radical, a participar de uma revolução divina. O mundo parece estar em uma constante mudança de curso, e Jesus convida seus seguidores a assumir um papel ativo nesse processo. A crise de decisão que ele propõe é profunda: devemos ou não nos colocar ao lado de Jesus? Ele nos desafia a repensar nossas posições, nossas relações com o poder e até mesmo o entendimento do que significa "salvação".

O amor divino que surge nos evangelhos não é uma convenção política nem uma sabedoria de Wall Street, mas um amor genuíno e inclusivo que se manifesta de maneira despretensiosa. A parábola da moeda perdida e da ovelha perdida revela o coração de Deus, um Deus que se alegra com a recuperação dos marginalizados, dos que nunca foram chamados ou escolhidos. Não é o banquete dos poderosos que Deus festeja, mas a acolhida dos excluídos, dos que estão à margem da sociedade. O banquete que Deus oferece é para aqueles que, por sua condição social, religiosa ou econômica, seriam os últimos a ser convidados.

Nas parábolas do bom samaritano e do rei que prepara uma grande festa sem que ninguém compareça, a mensagem de Jesus se torna ainda mais ousada. Ele sugere que a verdadeira bondade e o sentido do Reino de Deus não estão nos convencionais e respeitados membros da sociedade, mas em aqueles que, como o samaritano, não pertencem aos círculos de poder. E mais, se os justos se recusarem a entrar no banquete, Deus irá em busca dos perdidos e marginalizados, oferecendo-lhes um lugar à mesa. Esse banquete não é apenas uma festa, mas um símbolo do novo arranjo de Deus para a humanidade, onde o poder e a pureza religiosa não têm o controle.

A parábola do filho pródigo ilustra essa dinâmica de perdão e acolhimento, onde Deus, representado pelo pai, demonstra um amor incondicional que desafia a lógica humana. O filho mais velho, com sua sensação de direito e autojustificação, representa a reação de muitos diante da graça abundante que Deus oferece. O escândalo do amor de Deus é que ele não se baseia em méritos ou em nossa justiça, mas na misericórdia divina que é capaz de acolher até mesmo os que erraram profundamente.

Esse Deus, que desafia as normas sociais, desafia também as noções de justiça humana. Jesus, em suas curas, não apenas devolve a saúde física, mas destrói as barreiras sociais que colocam os doentes e marginalizados à parte. Ele cura leprosos, cegos, paralíticos, e, em cada ato de cura, subverte as ideias de pureza e impureza, colocando-se em contato com os considerados impuros pela sociedade religiosa de sua época. Quando Jesus cura a mulher hemorrágica ou os cegos, ele questiona a ideia de quem realmente pode ver e quem está cego para as necessidades do outro. A verdadeira cura que Jesus traz vai além do corpo, atingindo a alma e, por fim, o próprio tecido social.

A comida é outro aspecto importante da missão de Jesus. Ele intencionalmente escolhe comer com os excluídos, rompendo as barreiras sociais e religiosas que dividem as pessoas. Ele nos ensina que, no Reino de Deus, não há exclusões, e todos são convidados a partilhar da mesa divina. Quando Jesus transforma a água em vinho, em um casamento, ele nos dá uma visão do que está por vir: uma abundância que ultrapassa os limites do esperado e do necessário, um símbolo do Reino onde a generosidade divina é ilimitada.

Mas a história de Jesus não termina nas parábolas ou curas. A verdadeira virada acontece na morte e ressurreição de Jesus. Ele se coloca em risco por amor e justiça, oferecendo-se para a morte como um ato de identificação com a humanidade. A cruz é o ponto de encontro entre o sofrimento humano e a resposta redentora de Deus. Ao morrer, Jesus não apenas enfrenta a rejeição humana, mas transforma essa rejeição, absorvendo-a em si mesmo. A morte de Jesus é, portanto, uma resposta radical da parte de Deus à violência e ao mal que corrompem o mundo.

Na ressurreição, essa transformação é consumada: a morte não tem a última palavra. O Deus crucificado revela o amor e a esperança que superam a morte e, através de sua ressurreição, ele inaugura um novo caminho para a humanidade. A morte de Jesus, assim como sua vida, não é um evento isolado, mas a abertura de um novo espaço para a criação de uma nova humanidade, uma humanidade que, apesar das suas falhas, pode ser redimida pelo amor divino. Deus, ao identificar-se com o crucificado, revela sua solidariedade com o sofrimento humano e, ao mesmo tempo, oferece uma nova possibilidade de transformação e vida.

É importante compreender que a revolução proposta por Jesus não é uma mera mudança de poder ou de estruturas sociais. Ela vai além disso, atingindo o próprio cerne das relações humanas e das percepções sobre o que é possível e desejável na vida. A graça de Deus, a qual Jesus encarna, não é uma retribuição por méritos, mas um convite a todos, especialmente aos excluídos, a participar de algo novo, onde os valores do Reino de Deus são manifestados de maneira radical e inclusiva.

Como a Religião Organiza a Busca pelo Significado e a Questão da Esperança

Desde tempos imemoriais, os judeus reservam um lugar para Elias na mesa da Páscoa. Muitas vezes, sem dúvida, esse ato era realizado sem grande entusiasmo, mas era feito, pois a tradição exigia. Em muitos casos, a reflexão sobre o significado dessa prática não ia além do gesto, com a vaga lembrança de uma canção de boas-vindas a Elias, que anunciaria a chegada do Messias. O lugar vazio para Elias, por mais que fosse notado, se tornava uma sombra escatológica no meio da celebração – um lembrete, se quer, da promessa de um futuro ainda por vir. Idealmente, esse gesto deveria elevar o tom do jantar, mas o seu verdadeiro peso se encontrava naquilo que ele representava: a espera pela redenção e pela restauração final.

Por outro lado, os cristãos acreditam que o Messias já chegou. O Novo Testamento revela que o Deus da Êxodo e dos profetas hebreus se tornou uma presença humana exemplar na vida de Jesus, que distila a liberalidade divina na Terra. A questão que paira sobre este conceito é: esse Deus será convidado para o jantar? Será que as celebrações cristãs se transformarão em um evangelho social para todos? A resposta a essa pergunta é crucial para entender as implicações do cristianismo na sociedade contemporânea e o papel da religião na promoção de um mundo mais justo e igualitário.

Nos últimos tempos, a teologia da cruz, que antes era entendida como o preço a ser pago para apaziguar um Deus irado, foi substituída por uma visão mais radical e transformadora. A cruz, símbolo do sofrimento humano e da dor divina em favor da humanidade, contrasta diretamente com as filosofias de sucesso e triunfo mundanos. A mensagem cristã, quando vista sob essa ótica, oferece uma resposta poderosa às forças políticas e econômicas que ainda hoje dominam a sociedade, obstruindo o caminho para uma comunidade vivente em aliança com Deus.

James Cone, teólogo da libertação negra, explorou um aspecto da cruz que raramente é discutido. Em seu livro "A Cruz e a Árvore do Linchamento", Cone faz uma comparação entre a morte de Jesus na cruz e as execuções públicas de negros nos Estados Unidos, enforcados em árvores por causa do racismo sistêmico. A cruz e a árvore do linchamento se tornam símbolos profundamente emocionais para a comunidade afro-americana, e a junção dessas imagens cria uma ponte para a redenção e a libertação. Ao mesmo tempo, traz à tona a necessidade de arrependimento por parte dos brancos, que se veem confrontados com o peso de seus próprios pecados históricos. A cruz, então, deixa de ser uma simples metáfora religiosa para se tornar uma denúncia do racismo e da violência estrutural que ainda perpetuam a desigualdade social.

Dentro da tradição religiosa cristã, o conceito de peregrinação também ganha relevância. A religião, desde a antiguidade, tem sido o meio pelo qual as pessoas buscam, coletivamente, respostas para as questões existenciais mais profundas – perguntas sobre o significado da vida, o mistério da existência e a conexão com o divino. A religião organiza essa busca, dando-lhe forma e direção, mas também a complica, pois ao mesmo tempo que nos orienta em nossa busca por Deus, também nos desafia com suas próprias falhas humanas – dogmatismo, intolerância, hierarquia e até mesmo violência. Essa ambiguidade da religião é sentida especialmente no contexto da sociedade ocidental, onde, apesar do valor da busca espiritual, existe uma forte resistência à institucionalização da fé na esfera pública.

Os fundadores americanos, influenciados pela Ilustração do século XVIII, estavam cientes dos perigos do envolvimento da religião no espaço público, lembrando-se das guerras religiosas europeias que ocorreram após a Reforma Protestante. Contudo, ao longo do século XX, a interpretação da Constituição e o conceito de liberdade religiosa passaram a se inclinar mais para a liberdade de expressão religiosa, permitindo que vozes religiosas, junto com as seculares, tivessem espaço nas discussões públicas. A religião não deve ser excluída dos espaços públicos, mas, ao mesmo tempo, deve ser entendida como um recipiente imperfeito para a busca espiritual mais profunda. A metáfora do ouro derretido sendo derramado em vasos de ferro ilustra bem essa ideia – a busca por Deus, por mais sublime que seja, precisa de um "vaso" institucionalizado, mesmo que esse vaso nem sempre seja perfeito ou agradável ao paladar.

Além disso, o fenômeno da busca religiosa deve ser compreendido como um processo dinâmico. O que foi sentido na juventude nem sempre será suficiente para sustentar uma vida espiritual plena na maturidade. Como lembra o romancista católico Walker Percy, a busca por algo transcendente é fundamental para a experiência humana: "Não estar em busca é estar na desesperança." A religião, então, deve ser vivida como uma jornada, que exige reflexões e reavaliações constantes, como vimos nas obras de Bunyan e, mais recentemente, de Marcus Borg e Bill Moyers. A relação com o divino não é algo imutável, mas uma experiência que se transforma ao longo do tempo.

Por último, é importante refletir sobre a questão do ateísmo. Embora os ateus sejam frequentemente retratados como militantes, a posição ateísta também carrega consigo uma visão de mundo que desafia o status quo e as grandes narrativas religiosas. Muitos ateus, no entanto, cometem um erro ao tratar o "nada" como um novo grande relato, quando na verdade o "nada" é apenas mais uma forma de crença, outra narrativa que compete com as demais. A verdadeira busca espiritual não se limita a uma negação do divino, mas envolve a busca de significado e compreensão, seja dentro ou fora da religião.

A Fé e a Transformação Social: O Conflito Entre o Evangelho e o Capitalismo Americano

A questão da "dignidade" e do valor da humanidade nunca esteve tão distante da realidade cotidiana como nos tempos atuais. Em uma sociedade onde o capital e os interesses pessoais prevalecem sobre qualquer noção de justiça coletiva, a narrativa de um Deus libertador, que clama pela transformação do mundo e pela proteção dos oprimidos, é frequentemente rejeitada como irrealista, ou até mesmo inconveniente. A ideia de que a humanidade e o universo possam estar envolvidos em uma missão divina de transformação é, para muitos, uma noção ultrapassada, desconectada das exigências práticas da vida moderna.

Esta perspectiva, que insiste em uma visão de um Deus que liberta e reorganiza a sociedade, especialmente em favor dos pobres e dos marginalizados, é, no entanto, uma das mais antigas e centrais mensagens do cristianismo. As palavras de Moisés, "Eu vi a aflição do meu povo e desci para libertá-los" (Êxodo 3:7), evocam a ideia de um chamado divino para a justiça que não conhece hesitação. Contudo, para muitos, esse chamado é excessivo, difícil demais para ser implementado em uma sociedade que valoriza, acima de tudo, a autonomia individual e o sucesso material.

A rejeição do "Deus libertador", que demanda uma transformação radical da sociedade, se manifesta principalmente em duas formas. A primeira, no campo religioso, é a crença de que o cristianismo deve ser uma prática individualista, voltada para a santificação pessoal e a salvação da alma, sem qualquer compromisso profundo com questões sociais. Para essas pessoas, o evangelho é uma questão de virtude individual e relacionamento com Deus, e não de justiça social ou de transformar a vida dos pobres. Em muitos casos, a questão social é minimizada ou mesmo desconsiderada como algo periférico à fé cristã.

A segunda forma de rejeição se manifesta no contexto político e ideológico. O mito do capitalismo de livre mercado, com sua ênfase na luta individual e na acumulação de riquezas como sinal de eleição divina, substitui o evangelho da graça libertadora. Essa ideologia se reflete em uma visão de mundo que desconsidera a interdependência humana e a necessidade de solidariedade, propondo em seu lugar uma competição impiedosa pela sobrevivência do mais forte. O capitalismo, com seu foco no sucesso individual, se torna uma nova "religião" que mais se aproxima de uma teologia do mercado do que de um evangelho de justiça e igualdade.

Neste cenário, muitos cristãos veem, de fato, o "evangelho" como algo distante da realidade de suas vidas. A transformação radical que o cristianismo exige, aquela que vê a terra como capaz de refletir o céu, parece ser uma utopia. As comunidades monásticas, que um dia se dedicaram ao radicalismo da presença de Deus, perderam o ímpeto de transformação e se tornaram símbolos de uma religiosidade tranquila, pouco desafiadora. A vivência de um cristianismo que exige transformação e ação social torna-se, assim, um fardo, uma responsabilidade que muitos preferem evitar em favor de um cristianismo mais apático, que não exige sacrifício ou compromisso real com os outros.

Por outro lado, a crítica ao cristianismo está longe de ser uma crítica ao seu potencial transformador. Muitas correntes secularistas, em especial no movimento ambientalista e nas lutas por justiça social, reconhecem a relevância das mensagens bíblicas, particularmente quando se trata de considerar a natureza como sagrada e de buscar justiça para os oprimidos. Mesmo os críticos mais ferrenhos do cristianismo, como Michael Harrington em "The Politics at God's Funeral", chamam por uma aliança entre progressistas religiosos e seculares, como forma de promover uma visão mais inclusiva e transformadora para a sociedade. A diferença fundamental, no entanto, é que muitos cristãos preferem uma abordagem mais conservadora, que limita a fé à esfera pessoal e individual.

O conflito entre essas duas visões de cristianismo — uma que abraça a justiça social como parte integrante do evangelho e outra que a vê como uma ameaça à ordem social vigente — é o núcleo do dilema. Muitos cristãos, especialmente na América, rejeitam a ideia de que a fé deve se traduzir em um compromisso com os pobres ou com a transformação das estruturas sociais, considerando tais ideias uma ameaça ao "modo de vida americano". A mensagem do evangelho de Jesus, que defende a opção preferencial pelos pobres e marginalizados, é, para esses indivíduos, uma ideologia subversiva que enfraquece a ordem estabelecida.

Mas essa visão é contestada pela narrativa bíblica. A verdadeira natureza do cristianismo, como registrado nas Escrituras, não é sobre garantir a continuidade de um sistema de privilégio e poder, mas sobre subverter esse sistema em favor dos oprimidos. O chamado de Deus não é apenas uma questão de santidade pessoal, mas de compromisso com a justiça social. A transformação do mundo começa com a transformação dos corações e das mentes, levando à ação concreta que busca estabelecer o Reino de Deus aqui, na terra.

Em última análise, o cristianismo não é um convite à apatia ou ao conformismo. Ele é um convite à ação, ao compromisso radical com a justiça e à vivência de uma fé que desafia as normas estabelecidas. O Deus da Bíblia não é um Deus que se contenta com o status quo. Ele é o Deus da libertação, que clama pela transformação das estruturas injustas e pela dignidade de todos os seres humanos.