O Super-Homem, conforme concebido por Nietzsche, não é simplesmente uma figura heróica ou um ideal claramente definido, mas uma ideia complexa e poética que desafia a forma e o conteúdo convencionais. Para Nietzsche, o homem comum é uma massa informe, uma rocha bruta que clama por um escultor, alguém que, através da vontade criadora, possa moldar valores elevados e restaurar um poder perdido ao longo de milênios de civilização europeia. Contudo, essa criação não se dá a partir da compaixão ou piedade, virtudes que ele via como enfraquecedoras da humanidade moderna. Ao contrário, o Super-Homem emerge da negação dessas qualidades, sendo marcado pela exaltação da guerra, da arte e da força criativa — uma personalidade aristocrática que sorri diante do trágico e rejeita a fraqueza.

Nietzsche tenta, através de Zarathustra, expressar uma vontade criadora que transcenda o amor e a compaixão, conduzindo o homem a uma condição superior. Porém, essa tentativa de unir elementos aparentemente incompatíveis — a paixão pela guerra e pela arte, a crueldade e a criação, a ausência de compaixão e uma misteriosa humanidade, a percepção trágica e a insensibilidade — resulta numa imagem que permanece essencialmente poética e nunca se materializa em um modelo concreto. O Super-Homem não surge como uma entidade com virtudes positivas claras, mas como uma soma de qualidades negativas: cruel, insensível, guerreiro, mas desprovido da verdadeira força criativa ou daquela humanidade enigmática que o elevaria de forma plena.

A fragmentação dessa figura revela um paradoxo fundamental: as pequenas lascas que se desprendem da rocha — os indivíduos comuns, frágeis e imperfeitos — têm um valor incomparavelmente maior que o próprio Super-Homem em sua forma aritmética e inacabada. O fascínio que Nietzsche exerceu sobre seus seguidores deve-se justamente ao caráter poético dessa ideia, que seduz intelectuais românticos e idealistas na busca por um "novo homem". Entretanto, a realização concreta dessa utopia aristocrática mostra-se inviável, pois a própria natureza da vida e da arte impõe limites rigorosos à tradução dessas ideias em realidade.

Além disso, Nietzsche avança para uma reflexão social mais sóbria: a criação do Super-Homem dependeria da transformação radical das condições sociais, incluindo a submissão das massas, a formação de castas e o governo militar — um projeto que não é idealizado, mas construtivo e realista em seus fragmentos, sem perder a racionalidade mesmo diante da deterioração mental do próprio filósofo.

O homem, segundo Nietzsche, deve ser reduzido a um papel funcional, a uma máquina capaz de suportar sofrimento e encontrar algum tipo de recompensa superior na angústia. Essa existência mecânica, vista como nobre e elevada, seria a base necessária para o surgimento de uma cultura grandiosa, erguida sobre a mediocridade pujante. A civilização burguesa, por sua vez, concretizou esse processo de degradação humana, conferindo ao homem virtudes mecânicas e complacência rampante — um homem alimentado e entretido, porém passivo e desprovido de vida interior.

Não obstante o fracasso em gerar um herói vivo, a filosofia de Nietzsche mantém sua grandeza. O fracasso é da civilização que, apesar de seguir suas ideias para degradar o homem, não consegue dar origem ao Super-Homem. Essa noção de "degradar o homem" sinaliza a transição de Nietzsche de um poeta romântico para um pensador social rigoroso, espelhando uma transformação cultural da Europa ocidental que buscava, por meio do abismo da decadência, a possibilidade de grandes paixões e indivíduos excepcionais.

A inspiração de Nietzsche em Stendhal evidencia esse anseio por grandes paixões e figuras trágicas, mas também expõe a distância entre o ideal e sua realização. Enquanto Stendhal capturou com profundidade a emoção trágica do mundo e viveu a crise de sua época, Nietzsche, embora original e visionário, não alcançou a integridade e a grandeza pessoal que sua própria ideia exigia. Assim, o desejo por grandes indivíduos degenerou numa vontade de rebaixar o homem — uma contradição dolorosa que marca a trajetória intelectual e existencial de Nietzsche.

É importante compreender que o conceito do Super-Homem não deve ser interpretado como um modelo fixo ou como uma meta a ser simplesmente alcançada. Trata-se de uma ideia que desafia o leitor a confrontar a natureza trágica da existência humana, a tensão entre criação e destruição, e o preço da elevação cultural e espiritual. O Super-Homem é um símbolo da luta entre forças opostas dentro do ser humano e da civilização, revelando que a verdadeira grandeza pode estar mais na complexidade dessas tensões do que na concretização de um ideal absoluto.

Além disso, a reflexão de Nietzsche sobre a redução do homem a um ser funcional e a necessidade de suportar o sofrimento para alcançar uma existência superior convida a um exame profundo sobre o papel da dor e da disciplina na formação do caráter. Essa perspectiva contrasta fortemente com a valorização contemporânea do conforto e da proteção emocional, indicando que o caminho para a cultura elevada pode exigir uma confrontação rigorosa com as próprias limitações e fragilidades.

O Significado Espiritual do Artesanato: Entre a Arte e a Morte

A contemplação solitária à luz de uma lanterna levou-me a refletir longamente sobre a espiritualidade do artesanato. Em exposições de antigas armas, como nas coleções do Hermitage, a grandiosidade do trabalho dos armeiros muitas vezes não provoca a elevação esperada. À frente de vitrines exuberantes, onde pistolas repousam delicadamente sobre veludo amarelo, é impossível não perceber: não se pode justificar ou exaltar a morte sob uma ótica estética. O artesanato dos armeiros carece de alma. No entanto, a ausência de alma não é, necessariamente, uma condição intrínseca aos objetos de valor artístico que têm a morte como função. De fato, é um perigo menor, pois a intenção é evidente. As mãos que criam essas armas não tentam enganar, mas apenas exploram o tema do não-ser. O tipo mais perigoso de artesanato sem alma é aquele em que as mãos dissimulam. Um exemplo clássico é o do artesão Encke, que, em sua oficina de Tallinn, passava seus dias criando réplicas de objetos históricos do passado, enquanto à noite tocava violino. Ele sentia que as mesmas mãos não poderiam mentir e, ao mesmo tempo, servir à verdade. Quando esta contradição o consumia, ele quebrava o violino.

Encke, em sua devoção ao artesanato moral e espiritualmente significativo, dedicava-se com paixão a lanternas. Ele as deixava como herança em cafés de jovens, hotéis, Casas de Cultura e até em casas de crianças, transmitindo um sentido de luminosidade que buscava revelar a magnificência do mundo ao redor. Para ele, as lanternas não eram simples objetos de decoração, mas símbolos da luta interna para iluminar a escuridão, para mostrar o que o mundo tem de melhor, e ao mesmo tempo, sofrer por não conseguir fazer isso de forma plena. Essa inclinação por lanternas poderia ter uma motivação mais mundana, pois Encke havia trabalhado durante décadas na fábrica de iluminação Teras, onde sua habilidade em criar luminárias para cafés, universidades e aeroportos se destacava. Sua esposa comentou que, por mais de 25 anos, Encke provavelmente nunca tirou uma verdadeira férias; ele sempre se dedicava ao trabalho com uma satisfação pessoal inabalável.

Essa devoção ao trabalho não era vista apenas na sua função como operário, mas também na sua qualidade artística. Para Encke, criar não era apenas uma questão de cumprimento de um pedido; ele investia em cada peça sua imaginação criativa, elevando-a para além da utilidade. Ele se distanciava da simples produção de itens em série, buscando sempre inventar algo que nunca tivesse sido feito antes. Esse esforço de encontrar a "novidade", de se distanciar da repetição, o alinhava com o legado dos verdadeiros artistas, que, como os mestres do Renascimento Italiano, criavam sem se contentar com o já estabelecido, buscando uma perfeição sempre distante.

Na fábrica, o trabalho de Encke era considerado único, não apenas pela ausência de repetição, mas pela profundidade artística que ele infundia em cada peça. Esse tipo de trabalho é o que distingue o verdadeiro artesão, o "trabalhador-artista", de um simples trabalhador manual. Assim como os construtores das catedrais góticas, que não viam seus trabalhos como mera construção, mas como uma expressão espiritual e artística de sua época, Encke estava moldando a realidade com suas mãos, não apenas com ferramentas e matérias-primas, mas com um propósito que transcendia a função utilitária de seus produtos.

O "trabalhador-artista" carrega consigo a herança de um valor inestimável. Ele não cria apenas para o consumo imediato, mas como um testemunho do seu tempo, um reflexo da sua visão de mundo. Em sua casa, no entanto, no final de um domingo típico, com a música de órgão ao fundo, Encke parecia distante, imerso em um mundo interior que era tão vasto e profundo quanto o espaço físico ao seu redor. O contraste entre sua figura de artesão robusto, com mãos grandes e deformadas pelo trabalho, e sua figura refinada, cheia de sensibilidade e criatividade, é o que traz a profundidade de sua personalidade. A serenidade e a concentração que ele demonstrava ao ouvir música ou ao desenhar em sua mesa não eram apenas posturas externas, mas expressões de um homem que buscava, em cada ato, uma forma de conexão espiritual com o mundo. Quando ele dizia "não gosto disso", referindo-se a uma lanterna inacabada, não estava apenas falando sobre um objeto, mas sobre um processo íntimo de autocrítica e a busca constante pela perfeição.

É possível que Encke, ao longo de sua vida, tenha encontrado um equilíbrio entre a obsessão pela criação e a necessidade de desconectar-se dessa mesma criação, um equilíbrio que só é possível para quem entende que a arte e o trabalho nunca estão completamente separados. Sua dedicação ao artesanato, mais do que um esforço de produzir, era uma busca por transcendência, pela capacidade de transformar a matéria bruta em algo que tocasse a alma humana de maneira profunda e significativa. Sua obra, portanto, não é apenas um reflexo do seu tempo ou uma técnica apurada, mas um testemunho da luta constante do ser humano para encontrar sentido e beleza naquilo que é criado com as mãos.

Qual o Papel da Arte e da Criatividade na Visão de Nietzsche?

A relação entre arte, criatividade e a realidade humana, como explorada por Nietzsche, revela uma profunda frustração com a contemporaneidade e a desconexão com valores e forças espirituais mais elevados. Esse distanciamento encontra-se particularmente evidente em sua crítica à arte, que ele via, paradoxalmente, como uma busca pela imortalidade e pela renovação, mas, ao mesmo tempo, como algo que poderia ser trivializado quando colocado acima da realidade humana. Ao olhar para a arte da antiguidade, Nietzsche não via apenas uma expressão estética, mas um campo de ressurreição e batalha pela imortalidade, uma luta que, segundo ele, havia sido extinta no mundo moderno.

Quando se observa a atitude de Hamlet para com os atores e a arte no palco, há uma linha interessante de comparação com as ideias de Nietzsche sobre a tragédia. No caso de Hamlet, a arte do teatro não se limita à mera expressão emocional ou abstração filosófica, mas se torna um meio concreto de ação moral. Hamlet, ao ver a atuação do ator que chora pela antiga Hecuba, não é tomado por um sentimento irracional, mas por um impulso claro: vingar a morte de seu pai. A arte, nesse sentido, pode ser vista como um agente de ação concreta, capaz de agir diretamente sobre o mal do mundo. Isso contrasta profundamente com a visão de Nietzsche, que não só desconsiderava essa ideia de arte com poder moral, mas via a arte como algo infinitamente mais real que a própria vida. Para Nietzsche, a emoção despertada pelo ator em cena era irrelevante; o que importava era a abstração pura, o exercício da criatividade como expressão de um poder superior que se desvinculava de qualquer laço com a realidade material ou emocional.

Nietzsche, em sua busca incessante por uma cultura mais elevada, se via desconectado da humanidade, incapaz de encontrar na arte algo que realmente o satisfizesse. Ele via a cultura burguesa, que ainda dominava o século XIX, como um sistema decadente, cujo foco no humanismo e no espiritualismo já estava em declínio. A arte moderna não atendia a suas expectativas de algo verdadeiramente imortal, pois estava, segundo ele, cada vez mais subordinada ao efêmero e ao banal. A busca pela criação, seja na arte, no amor ou na ciência, era, para Nietzsche, uma luta pela imortalidade, mas uma luta sem valor real se não houvesse algo a ser ressurreto, algo digno de ser recriado. Para Nietzsche, a arte da antiguidade era a única verdadeira forma de ressurreição, pois ela possuía a força de se afirmar como uma realidade tangível, algo concreto e não apenas abstrato.

Além disso, a ideia de um novo tipo de ser humano — o super-homem — que Nietzsche delineia em suas obras, surge como uma tentativa de superar a fragilidade humana e sua incapacidade de criar algo verdadeiramente grandioso. Porém, o filósofo não reconhece o potencial criativo no homem contemporâneo. A criação verdadeira, a arte genuína, a ciência revolucionária, tudo isso, segundo Nietzsche, estava se tornando cada vez mais um campo dominado pela incapacidade de dar à humanidade algo novo e grandioso. Esse vazio criativo estava, na visão de Nietzsche, ligado ao declínio de uma cultura que não mais se baseava em valores superiores ou espirituais.

A relação de Nietzsche com a arte e a criatividade também é marcada por sua desconexão com as forças de transformação e renovação que o século XIX parecia prometer. A crítica à cultura ocidental e sua aversão à mediocridade do mundo moderno eram evidentes em seu desprezo pelo que ele via como uma decadência moral e intelectual. Para Nietzsche, a arte moderna não era capaz de refletir essa grandeza ancestral, esse poder imortal, que ele procurava desesperadamente. Ao longo de suas obras, ele desenvolve um sentimento de que, se o homem e Deus estavam mortos, então a própria criatividade estava condenada a desaparecer.

Nietzsche, ao convocar o conceito do "super-homem", criava uma figura mítica que deveria ressuscitar o que a civilização ocidental havia perdido, mas, paradoxalmente, ele também sugeria que a verdadeira criação seria uma destruição — uma destruição do antigo, do Deus, do homem, da arte e da moralidade. Isso acaba se manifestando no que ele chama de "distorções" da civilização tecnológica moderna, que, segundo ele, falhou em manter a busca pela verdade e pela grandeza. Esse conceito de destruição criativa seria, em última instância, uma tentativa de restaurar a força vital, mas ele também levava à aniquilação do que poderia ser considerado uma arte genuína, comprometida com a transformação real.

Não podemos ignorar o fato de que Nietzsche teve uma enorme influência na geração de pensadores, mas, ao mesmo tempo, seu legado gerou interpretações distorcidas que culminaram em manifestações extremas, como o fascismo. A relação entre Nietzsche e o totalitarismo nazista é, sem dúvida, uma das mais debatidas, com muitos tentando dissociar o filósofo de tais ideologias. Contudo, a aceitação de sua obra por parte de regimes autoritários como o de Hitler e Goebbels destaca uma ambiguidade cruel: a exploração da ideia de uma "raça superior" e a glorificação da destruição não são tão distantes da visão de Nietzsche sobre a arte e a moral.

No entanto, é importante observar que a arte não pode ser dissociada da realidade humana e que a criatividade genuína sempre deve estar em contato com a vida, com os seres humanos, com os valores que os tornam humanos. Nietzsche, ao tentar exaltar a arte como um meio para a eternidade, também nos adverte sobre os perigos de se afastar da realidade. Quando a arte se desvia do seu propósito moral e se torna uma abstração vazia, ela perde o seu poder transformador. A verdadeira criatividade nasce do sofrimento humano, da experiência real e não da abstração ou da idolatria de algo superior que não tem base no mundo em que vivemos.