Desde a fundação do governo dos Estados Unidos, a questão da arrecadação de receitas e do financiamento público esteve no centro das decisões políticas, e o Partido Republicano desempenhou um papel fundamental nesse processo. Embora hoje seja comum associar os republicanos à retórica contra impostos, historicamente foram eles os pioneiros na implementação de políticas fiscais e tarifárias que moldaram a economia americana.

Logo no primeiro Congresso em 1789, o Tariff Act foi uma das primeiras leis importantes aprovadas, estabelecendo tarifas sobre importações como principal fonte de receita para o governo. Sob os Artigos da Confederação, as tarifas respondiam por 80 a 90% dos fundos federais até a Guerra Civil, quando o imposto de renda foi introduzido temporariamente para reforçar as finanças. Mesmo após a revogação desse imposto em 1872, as tarifas continuaram a ser a principal fonte de recursos, financiando mais da metade dos gastos do governo entre 1875 e 1890, período em que os republicanos detinham controle governamental e mantinham tarifas elevadas para proteger a indústria doméstica.

O "tarifa protecionista" tornou-se uma pedra angular do Partido Republicano, simbolizando não apenas uma política econômica, mas também um discurso de nacionalismo e orgulho patriótico. Essa política contrastava com a oposição democrata, que via as tarifas elevadas como prejudiciais a consumidores e agricultores. Embora o termo “tarifa protecionista” tenha sido formalmente incluído nas plataformas republicanas apenas no final do século XIX, a defesa da proteção industrial já estava presente em seus discursos políticos, como ficou evidente nas plataformas de 1888 e 1912, que exaltavam os benefícios econômicos e sociais da proteção aos trabalhadores americanos contra a concorrência de mão de obra mais barata no exterior.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, o Partido Republicano passou por uma transformação ideológica em relação ao comércio internacional, abandonando gradualmente o protecionismo em favor do livre comércio. Em 1980, a plataforma republicana denunciou as tarifas protecionistas como prejudiciais ao bem-estar econômico dos Estados Unidos, adotando uma posição firme em prol do comércio livre e dos acordos recíprocos. Esse posicionamento se manteve por décadas, até que, em 2016, sob a influência de Donald Trump, o partido retornou a um discurso mais protecionista, enfatizando a prioridade dos interesses americanos em negociações comerciais e impondo tarifas para proteger indústrias domésticas.

Curiosamente, a origem do imposto de renda pessoal, frequentemente associado aos democratas, remonta a um presidente e Congresso republicanos, que introduziram o primeiro imposto de renda em 1861 para financiar a Guerra Civil. Embora temporariamente suspenso após a guerra, o imposto de renda foi revivido no final do século XIX, e a Emenda XVI à Constituição, proposta por republicanos em 1909, autorizou formalmente sua implementação. A partir de então, embora os democratas tenham promulgado a lei que estabeleceu o imposto nacional, a ideia e a prática tributária sobre a renda pessoal nasceram no seio do partido republicano.

Após 1960, a postura republicana em relação aos impostos mudou radicalmente, passando a defender consistentemente a redução da carga tributária como forma de estimular investimentos, poupança, criação de empregos e crescimento econômico. Desde a plataforma de Barry Goldwater em 1964 até as administrações de Reagan e Dole, o partido multiplicou propostas para cortar impostos, simplificar o sistema tributário e incentivar doações e investimentos privados. Essa virada em direção à diminuição da tributação reflete não apenas uma estratégia política para conquistar eleitores, mas uma concepção econômica que privilegia a liberdade individual e a menor interferência estatal na economia.

Por fim, embora os republicanos se posicionem contra déficits orçamentários e defendam a responsabilidade fiscal, suas práticas ao longo da história não foram isentas de contradições. O déficit orçamentário, frequentemente confundido com a dívida nacional, corresponde ao descompasso anual entre receitas e despesas públicas, e mesmo os governos republicanos, em alguns períodos, recorreram a déficits para financiar suas políticas.

É essencial compreender que a evolução das políticas fiscais e comerciais republicanas reflete uma complexa interação entre ideologia, interesses econômicos e contextos históricos específicos. O protecionismo e o livre comércio, a criação e a oposição aos impostos, a defesa da austeridade e a geração de déficits fazem parte de uma narrativa onde o pragmatismo muitas vezes se sobrepõe a princípios fixos. Além disso, a relação entre partido, eleitorado e economia é dinâmica, mostrando que as posições políticas não são imutáveis, mas respostas às demandas e desafios do tempo.

Para uma compreensão mais profunda, o leitor deve considerar também o impacto dessas políticas na sociedade americana em diferentes momentos: como a proteção tarifária favoreceu setores industriais emergentes e estabeleceu padrões de vida para trabalhadores; como a tributação da renda refletiu mudanças no papel do governo e na redistribuição de riqueza; e como a alternância entre protecionismo e livre comércio influenciou a posição dos EUA no cenário econômico global. A história fiscal e comercial dos republicanos é uma lente através da qual se pode analisar a complexidade da construção econômica e política americana, marcada por constantes negociações entre ordem e liberdade, nacionalismo e globalização.

Como líderes carismáticos conseguem fidelidade absoluta — até a morte?

Em 18 de novembro de 1978, mais de novecentas pessoas morreram em Jonestown, na Guiana, após beberem um ponche envenenado por ordem do reverendo Jim Jones. Não foi um simples suicídio coletivo. Foi a expressão extrema de lealdade cega a um líder carismático que soube manipular medos, esperanças e a linguagem da revolução. Jones, um homem branco com uma congregação multirracial, alimentava seus seguidores com discursos sobre ameaças do Ku Klux Klan e conspirações do governo dos EUA para exterminar os afro-americanos. A proposta de “suicídio revolucionário” que ele tomou emprestada de Huey Newton, dos Panteras Negras, tornou-se um ritual de sacrifício em nome da causa. No fundo, a causa era ele mesmo.

Décadas depois, nos Estados Unidos, o carisma de um líder voltaria a remodelar o comportamento político de milhões. Em 6 de janeiro de 2021, milhares de apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio dos EUA, desafiando mais de dois séculos de tradição democrática. O objetivo era interromper a certificação de uma eleição presidencial cuja legitimidade havia sido contestada, sem provas, por Trump e amplificada incessantemente por ele nas redes sociais. Assim como os seguidores de Jones, esses insurgentes estavam motivados por uma fé quase messiânica em seu líder. Enquanto alguns foram processados e condenados, muitos permaneceram firmemente leais a Trump.

A questão não é apenas a retórica de Trump, mas o modo como ela galvanizou e reconfigurou o Partido Republicano. Mesmo após a segunda acusação de impeachment por “incitação à insurreição”, lideranças republicanas se dividiram. O líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, votou contra a condenação, mas fez um discurso severo culpando Trump pela violência, afirmando que ele alimentou mentiras perigosas e cometeu uma “negligência vergonhosa do dever”.

Outros, como o líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, também condenaram Trump publicamente: “O presidente tem responsabilidade pelo ataque de quarta-feira ao Congresso por parte de uma turba violenta.” No entanto, semanas depois, McCarthy viajou à Flórida para se encontrar com Trump e declarou que ele apoiaria os esforços para eleger republicanos em 2022 — uma reviravolta que demonstrava o poder contínuo de Trump sobre o partido.

Liz Cheney, a terceira figura mais importante entre os republicanos na Câmara, votou a favor do impeachment e declarou que “nunca houve uma traição maior por parte de um presidente dos Estados Unidos ao seu cargo e ao seu juramento à Constituição”. Foi alvo de ataques internos e ameaças de destituição, mas venceu uma votação secreta que mostrou que ainda havia resistência à dominação trumpista dentro do partido.

Contudo, a realidade era ambígua. Na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), realizada entre 25 e 28 de fevereiro de 2021, Trump teve lugar de honra. Em seu discurso de noventa minutos, repetiu que a eleição de 2020 havia sido fraudada, enquanto a multidão gritava em uníssono: “Você venceu.” O senador Ted Cruz declarou: “Donald J. Trump não vai a lugar nenhum.” Um vendedor de produtos pró-Trump resumiu o sentimento do público: “Estamos tão desgostosos com os republicanos que, sinceramente, se Trump não concorrer, não nos importamos com quem vencerá.”

O culto à personalidade não se limita a regimes autoritários. Ele pode florescer em democracias, desde que um líder saiba explorar o ressentimento, a nostalgia e a identidade coletiva. A lealdade a Trump não se fundamenta exclusivamente em políticas públicas, mas em um vínculo emocional profundo, quase religioso. Para seus seguidores, ele representa não apenas um político, mas um símbolo de resistência contra o establishment, contra elites culturais e políticas, e contra a percepção de perda de controle sobre o próprio país.

O fenômeno que liga Jim Jones a Donald Trump é a criação de uma realidade paralela, alimentada por narrativas de ameaça existencial e por uma relação simbiótica entre líder e massa. Quando a identidade de um grupo se funde com a figura de um líder, qualquer crítica ao líder é percebida como um ataque pessoal. A política se torna um espaço de devoção, e não de debate.

O que é importante compreender é que a democracia não é apenas um conjunto de instituições, mas um delicado pacto cultural baseado na confiança, na alternância de poder e na disposição de aceitar derrotas. Quando a lealdade a indivíduos ultrapassa os limites das normas democráticas, o próprio sistema começa a corroer-se por dentro. O desafio, portanto, não é apenas político, mas psicológico e cultural: resistir ao apelo do carisma absoluto e cultivar uma cidadania que não se ajoelha diante de ídolos.