Desde sua fundação, o Partido Republicano passou por uma profunda evolução em sua visão sobre a distribuição de poder entre o governo federal e os estados, assim como sobre as políticas de igualdade racial. Inicialmente, o partido destacou-se como um defensor da autoridade nacional, utilizando o governo federal para conter a expansão da escravidão e assegurar direitos civis básicos, reconhecendo, em termos políticos, a igualdade entre escravos e seus proprietários, no contexto da época.

Com o passar das décadas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, essa postura sofreu uma mudança radical: o partido foi progressivamente abandonando a ênfase na autoridade central em favor do fortalecimento dos direitos estaduais. A plataforma republicana, que antes privilegiava o uso do governo nacional para impor ordem e regular diversas áreas da vida pública, passou a defender a autonomia dos estados para supervisionar instituições domésticas, gerir suas próprias políticas de educação, assistência social e segurança pública. A partir de 1960, essa defesa dos direitos estaduais tornou-se a marca registrada do partido, culminando em propostas para transferir programas federais para as jurisdições locais, favorecer blocos de financiamento em detrimento de subsídios categóricos, e reduzir o controle do governo federal sobre a terra pública e regulamentações.

Essa transição representa não apenas uma mudança administrativa, mas uma mudança conceitual profunda, que reflete uma redefinição da relação entre indivíduo, estado e governo nacional. A defesa republicana do federalismo busca, assim, limitar o crescimento do governo central, valorizando a descentralização e a autonomia local como instrumentos para tornar a administração pública mais eficiente e menos intrusiva.

Contudo, essa guinada no federalismo acompanhou também uma mudança controversa nas políticas relacionadas à igualdade racial. Enquanto até meados do século XX as plataformas do partido manifestavam um compromisso explícito com a igualdade para não-brancos, a partir da década de 1960, especialmente em relação às medidas de dessegregação escolar como o "bussing" (transporte forçado de estudantes para promover a integração racial), o Partido Republicano assumiu posturas contrárias, manifestando-se contra políticas federais que buscavam impor a integração racial nas escolas públicas.

Assim, as plataformas republicanas passaram a refletir um ambivalente equilíbrio entre a defesa dos direitos estaduais e a oposição a determinadas políticas federais de igualdade racial, refletindo as tensões sociais e políticas daquele período. Enquanto se orgulhavam de seu legado como “o partido de Lincoln”, o partido também assumia posições que restringiam o papel do governo federal na promoção de direitos civis, enfatizando a soberania dos estados para decidir sobre essas questões.

Para compreender plenamente essa trajetória, é fundamental perceber que a evolução do Partido Republicano não se deu apenas em termos práticos, mas também em função de mudanças profundas no significado político do federalismo e da igualdade. O enfraquecimento do papel do governo nacional na garantia de direitos sociais reflete uma redefinição da ideia de igualdade, da política e do papel do Estado. Essa transformação é uma manifestação de uma mudança histórica maior, na qual o equilíbrio entre ordem e anarquia, e posteriormente entre indivíduo e Estado, passou a moldar as linhas mestras das políticas públicas e das disputas eleitorais.

Além disso, é crucial reconhecer que a transferência de poder para os estados, defendida como forma de melhorar a governança, também implica desafios complexos, como a variação significativa das políticas públicas entre diferentes jurisdições, a potencial desigualdade no acesso a serviços básicos, e a possibilidade de retrocessos em direitos civis, dependendo das orientações políticas locais.

Como a Política Eleitoral dos Republicanos Evoluiu no Século XX

Os republicanos, durante o período de 1860 a 1930, dominaram de forma incontestável a política americana, com seus presidentes sendo eleitos em quase dois terços das 36 sessões do Congresso. Durante esse tempo, os presidentes republicanos desfrutaram de maiorias nas duas casas do Congresso, sendo a única exceção a presidência de Rutherford Hayes, entre 1879 e 1881, quando ele se viu diante de um Congresso democrático. Até 1952, os republicanos mantiveram a presidência por mais de 70% das sessões do Congresso e controlaram a presidência e ambas as casas em metade dessas sessões.

Entretanto, a partir da vitória de Franklin Delano Roosevelt em 1932, os republicanos passaram a enfrentar uma série de derrotas eleitorais. Nos 20 anos seguintes, o partido não conseguiu eleger nenhum presidente, e o controle do Congresso foi retido apenas uma vez, em 1947-1949, durante a presidência de Harry Truman. Para os republicanos, acostumados à sua posição de poder desde a fundação do partido, esse período de perdas foi uma grande humilhação.

Nos anos 1940, a política americana parecia ter se virado contra o Partido Republicano, que, ao longo dos anos, viu suas raízes se enfraquecerem. Muitos republicanos de destaque viam os democratas como traidores, com suas políticas do “New Deal” dos anos 1930, que os republicanos consideravam socialistas e anti-americanas. Apesar de o partido contar com o apoio de cerca de 60% dos jornais do país, ainda assim não conseguiu se reerguer nas eleições presidenciais de 1940, 1944 e 1948. Em vez de seguir sua linha tradicional, o partido republicano decidiu, durante esses anos, lançar candidatos mais moderados, como Wendell Willkie e Thomas Dewey, ao invés de figuras mais conservadoras como o senador Robert Taft, representante da ala isolacionista e mais rígida do partido.

Foi apenas em 1952, com a candidatura de Dwight D. Eisenhower, um herói da Segunda Guerra Mundial e ex-general, que o Partido Republicano conseguiu finalmente se reerguer. Juntamente com Richard Nixon, sua vitória foi retumbante, e Eisenhower foi reeleito em 1956 com uma margem ainda maior. A vitória republicana nesse período representou uma mudança significativa, especialmente com a conquista de quatro estados do antigo sul confederado: Flórida, Louisiana, Texas e Virgínia.

Com a vitória de Eisenhower, muitos republicanos começaram a ver em Nixon a continuidade dessa linha de sucesso. Porém, o partido, que se encontrava em um momento de forte tensão interna, viu um divisor de águas nas eleições de 1960. A ascensão de Barry Goldwater, com sua retórica conservadora, representava uma tentativa de redefinir o partido, afastando-o das políticas moderadas que dominaram as últimas décadas. A presença de figuras como Goldwater, que defendia direitos estaduais, uma postura contrária aos direitos civis e à intervenção do governo federal, ajudava a caracterizar o Partido Republicano da época como cada vez mais conservador.

Outro aspecto importante foi o impacto das questões raciais. A década de 1960 trouxe à tona a crescente divergência entre o norte e o sul dos Estados Unidos. Enquanto os democratas adotavam posturas favoráveis aos direitos civis e aos movimentos de igualdade racial, muitos estados do sul continuaram a seguir uma política segregacionista, levando à chamada “Solid South”. Os republicanos, por outro lado, se viam em uma posição difícil, pois suas promessas de combater a violência racial, como o linchamento, poderiam alienar os eleitores do sul. Durante o período da presidência de Truman, em 1948, a introdução de uma plataforma de direitos civis dentro do Partido Democrata fez com que muitos sulistas se afastassem do Partido Democrata, criando uma janela para os republicanos tentarem conquistar esses eleitores.

Em 1877, um acordo político comprometeu a posição dos republicanos no sul, encerrando seu apoio à intervenção militar para manter a ordem nas ex-plantations. A partir desse ponto, o sul se tornou mais segregado e menos republicano, com os republicanos perdendo o controle sobre as questões raciais na região. Esse afastamento do sul, que continuaria por várias décadas, também contribuiu para a dificuldade do partido republicano em se estabelecer de forma sólida em toda a América.

O partido republicano, portanto, atravessou uma transformação significativa entre 1877 e as décadas seguintes. A política eleitoral no sul foi marcada por tensões, dificuldades de se conectar com a crescente diversidade do eleitorado e uma luta constante entre sua linha moderada e conservadora. Foi somente na segunda metade do século XX que o partido se reconstruiu, adaptando suas estratégias para ganhar apoio no sul e em outras partes do país, com uma ênfase crescente nas questões de direitos civis, governo federal e o papel do estado.

Como a Questão dos Direitos Civis Transformou o Partido Republicano no Sul dos EUA

Desde o fim da Guerra Civil, os delegados do sul ao Congresso Nacional Democrata conseguiram manter as palavras "direitos civis" fora da plataforma do Partido Democrata. Mais uma vez, em 1948, o rascunho da plataforma submetido à convenção não fazia referência ao tema. Hubert Humphrey, então jovem prefeito de Minneapolis, ignorou os conselhos contra lutar por uma inclusão dos direitos civis no evento. Para surpresa geral, ele venceu. A convenção de 1948 aprovou uma simples declaração que representou uma mudança monumental na política do Partido Democrata: "Reafirmamos nossa crença de que as minorias raciais e religiosas devem ter o direito de viver, o direito de trabalhar, o direito de votar, a plena e igual proteção das leis, em igualdade de condições com todos os cidadãos, conforme garantido pela Constituição." Embora essa declaração hoje possa parecer modesta, o biógrafo de Humphrey, Arnold Offner, relata que, após a reconvenção à noite, "Handy Ellis, presidente da delegação do Alabama, anunciou: ‘Dizemos adeus a vocês’, momento em que metade da sua delegação e toda a de Mississippi saíram da convenção, com a intenção de formar um novo partido". De fato, um Partido dos Direitos dos Estados foi formado para disputar as eleições de 1948. Nomeando o governador da Carolina do Sul, Strom Thurmond, como candidato presidencial, o partido obteve 39 votos eleitorais de quatro estados do sul: Carolina do Sul, Alabama, Louisiana e Mississippi. Contudo, todos esses estados retornaram ao Partido Democrata nas eleições de 1952, e todos, exceto a Louisiana, votaram no Democrata em 1956.

O presidente Eisenhower desencorajou os brancos do sul a votarem nos Republicanos após assinar a Lei de Direitos de Votação de 1957 e utilizar a Guarda Nacional do Arkansas para apoiar a integração das escolas de Little Rock. Durante a eleição de 1960, entre o republicano Richard Nixon e o democrata John Kennedy, um evento crucial alterou as preferências partidárias de muitos brancos no sul e dos negros em todo o país. Em outubro, o Dr. Martin Luther King Jr. foi preso na Geórgia por participar de um protesto e sentenciado a quatro meses de trabalhos forçados. Ambos os candidatos souberam da prisão de King enquanto faziam campanha. Nixon evitou se posicionar sobre sua prisão; Kennedy não o fez. No livro "The Making of the President 1960", Theodore White descreve o papel de Kennedy na libertação de King da prisão. A ação de Kennedy conquistou o apoio de Martin Luther King Sr., "que havia apoiado Nixon semanas antes por questões religiosas". Esse apoio ajudou Kennedy a vencer por uma margem apertada. A atitude de Kennedy ajudou os Democratas a ganhar o voto negro, enquanto a inação de Nixon ajudou os Republicanos a se reconectarem com o eleitorado branco do sul.

Após o assassinato de John F. Kennedy, o vice-presidente Lyndon Johnson, um Democrata do sul, assumiu a presidência e comprometeu-se a concluir a agenda de direitos civis de seu antecessor. Isso incluiu a aprovação da Lei de Direitos Civis de 1964, que terminou com a segregação nos locais públicos e proibiu a discriminação no emprego com base na raça, cor, religião, sexo ou origem nacional. Johnson compreendeu as consequências abrangentes dessa legislação e, após sancioná-la, teria dito: "Acho que acabamos de entregar o sul ao Partido Republicano por muito tempo". Duas semanas após a aprovação da lei, o Partido Republicano se reuniu para nomear seu candidato presidencial para 1964. O senador Barry Goldwater, que havia votado contra a Lei de Direitos Civis, venceu com facilidade a convenção republicana, obtendo 883 votos de 1.308 (67%). A convenção estava profundamente dividida, com outros sete candidatos menos conservadores dividindo o restante dos votos. A eleição de 1964 representou um ponto de inflexão para o Partido Republicano; foi um momento crucial no qual começou a emergir o que mais tarde seria conhecido como a "estratégia do sul" dos Republicanos.

A partir de então, a análise de Kevin Phillips sobre a ascensão da maioria republicana, especialmente no sul, começou a ganhar força. No livro "The Emerging Republican Majority", ele argumentava que o sul se tornaria uma base crucial para o Partido Republicano nas próximas eleições presidenciais. Phillips focou sua atenção no que ele descrevia como um novo bloco eleitoral: os brancos conservadores do sul. Apesar de críticas iniciais, como a de Warren Weaver, que qualificou o trabalho de Phillips de tendencioso e repleto de falhas, a análise de Phillips hoje parece quase premonitória. As divisões raciais, religiosas e regionais que ele descrevia, na verdade, se consolidaram de maneira ainda mais profunda no cenário político dos Estados Unidos.

Com a ascensão de Barry Goldwater, o Partido Republicano passou a adotar uma postura mais conservadora, com ênfase em uma política que favorecia o racismo e o sectarismo. Para muitos, especialmente os republicanos mais moderados, essa direção parecia profundamente equivocada e míope. Contudo, Goldwater e seus apoiadores estavam convencidos de que, ao apelar para o sul e ao abjurar da tentativa de conquistar o voto negro, poderiam vencer a eleição. A "estratégia do sul", como ficou conhecida, não surgiu de maneira súbita, mas foi gradual, com o início em "Operação Dixie" de Dwight Eisenhower após sua eleição em 1952, que visava fortalecer as organizações estaduais do partido.

O que é fundamental compreender é que, ao longo dessas décadas, a questão dos direitos civis se tornou não apenas um divisor de águas entre os partidos políticos, mas também um motor de reconfiguração das lealdades políticas no sul. A luta pela igualdade racial não apenas afetou diretamente a vida de milhões de afro-americanos, mas também moldou as preferências partidárias de brancos do sul e ajudou a redefinir o Partido Republicano.

Como a Cultura do Carnaval e a Masculinidade Militante Moldaram o Culto à Personalidade de Donald Trump

A força de Donald Trump na política americana pode ser compreendida pela análise de seu estilo comunicativo e da dinâmica cultural que ele personificou, especialmente entre os grupos que o apoiaram de forma fervorosa. Sua abordagem comunicativa, permeada por uma enxurrada diária de mensagens nas redes sociais, parecia desordenada e contraditória para sua equipe eleitoral, mas conquistava os “likes” e a devoção dos seus seguidores, que viam nessa espontaneidade uma autenticidade e uma ruptura com as normas estabelecidas pela elite política. Essa “liberdade” no discurso, marcada pela ausência de polidez e etiqueta, evocava o espírito do carnaval — um espaço simbólico onde as convenções sociais são temporariamente suspensas, e onde o “dizer como é” cria a ilusão de uma praça pública genuína em contraste com o mundo “mapeado” pelos poderosos.

A exaltação da virilidade e a ostentação das conquistas sexuais também se encaixavam perfeitamente nesse quadro carnavalesco. Sob uma perspectiva religiosa, especialmente para os cristãos evangélicos brancos, o apoio a Trump foi interpretado como um reflexo da adesão a uma masculinidade militante. Essa ideologia, que valoriza a autoridade patriarcal e a demonstração impiedosa de poder tanto no âmbito doméstico quanto no internacional, via em Trump a concretização ideal dessa figura. Para esses grupos, Trump era uma reencarnação de John Wayne — um símbolo de masculinidade forte e agressiva, que não hesita em usar a violência para restabelecer a ordem e que despreza a correção política e os limites tradicionais da democracia quando necessário.

A comparação com figuras autoritárias históricas é inevitável quando observamos o elevado percentual de seus seguidores que o consideravam um “líder forte” e um agente de mudanças fundamentais para o país. No entanto, a liderança forte não equivale à sabedoria, e o excesso de poder concentrado em um líder com pouca ou nenhuma restrição tende a resultar em decisões desastrosas, conforme demonstrado ao longo da história.

Trump construiu uma tribo política pessoal, que ultrapassou a mera base eleitoral para se transformar em um culto de personalidade. Em poucos anos, sua influência reconfigurou profundamente o Partido Republicano, desviando-o das ortodoxias tradicionais em temas como comércio e relações internacionais, e fazendo com que seus seguidores internalizassem uma devoção quase religiosa à sua figura. Esse culto foi reforçado pela manipulação emocional, pela alimentação constante de mensagens digitais e pela criação de um senso de pertencimento e lealdade incondicional, características típicas de movimentos cultistas.

A distinção entre conservadorismo e reacionarismo é crucial para compreender o posicionamento ideológico de Trump. Ao contrário do conservadorismo, que valoriza o aprendizado histórico para informar o presente e o futuro, o reacionarismo propõe um retorno idealizado e muitas vezes distorcido a um passado específico. Trump, ao se apoiar em uma nostalgia seletiva e emocionalmente carregada, mobilizou os anseios e medos de grupos sociais específicos, em especial brancos e evangélicos, que sentiram ameaçada sua antiga hegemonia política e cultural.

O fenômeno Trump não pode ser compreendido sem considerar o impacto da tecnologia digital, que permitiu a propagação e o controle ideológico sem precedentes, tornando desnecessária a presença física para a formação e manutenção de um culto. Essa nova realidade impõe um desafio significativo para a compreensão do poder e da influência política no século XXI, demonstrando que a manipulação emocional e informacional pode criar laços quase inquebráveis entre um líder e seus seguidores, mesmo na ausência de contato direto.

É importante entender que a construção do culto em torno de Trump foi um fenômeno complexo, que combinou fatores culturais, religiosos, históricos e tecnológicos, e que seu impacto transcende o âmbito estritamente político, influenciando a própria percepção de democracia, verdade e autoridade nos Estados Unidos contemporâneos. O leitor deve considerar que a adesão a líderes autoritários e o surgimento de cultos de personalidade são fenômenos recorrentes na história, cujas consequências podem ser profundas e duradouras, especialmente quando aliados a mudanças tecnológicas que facilitam a disseminação do controle ideológico.