Nos últimos anos, a publicidade de tecnologia, especialmente no setor de smartphones, tem adotado estratégias cada vez mais sofisticadas para captar a atenção dos consumidores. Em uma análise recente de um comercial que utiliza a música “I Want to Break Free”, da banda Queen, observamos como a ideia de “libertação” está impregnada não apenas no desejo do consumidor por algo novo, mas também no próprio aparelho e na inteligência artificial que o acompanha. A pergunta que surge aqui é: de que, ou de quem, estamos realmente tentando nos libertar? E mais importante ainda, quem ou o quê deseja se “libertar” nesse contexto? A propaganda sugere, de forma implícita, que a “libertação” é da limitação dos telefones existentes, já que a proposta é de um modelo “radicalmente diferente”.
Ao longo do comercial, essa noção de mudança radical é reforçada. O cenário de metrô, cinza e azul, é revisitado, com pessoas fixas em seus telefones, uma representação da vida cotidiana dominada pela tecnologia. Ao destacar uma jovem mulher que sai do trem com seu telefone branco em mãos, a voz no fundo nos lembra de um tempo em que todos os telefones faziam “praticamente a mesma coisa”, para logo seguir com uma sequência rápida de imagens que acompanham a frase “até que não mais”. A ideia de que as coisas mudaram radicalmente é clara, mas há uma leitura adicional que surge dessa narrativa. Não é apenas o telefone que está se libertando das limitações humanas, mas também a própria inteligência artificial, que, ao longo do comercial, parece assumir um papel central. As transições entre cenas sugerem a possibilidade de uma infinidade de mundos e cenários, quase como se o dispositivo pudesse “reimaginar” a realidade a partir de uma nova perspectiva, onde o próprio ser humano se torna substituível.
A centralidade do telefone nesse processo é ainda mais acentuada quando observamos que, ao longo de todo o comercial, as pessoas parecem sempre focadas em seus dispositivos. Seja em momentos de interação social, como durante uma partida de Mah Jong ou uma celebração de aniversário, a relação entre os indivíduos e seus telefones é o centro de tudo. As interações humanas parecem ser diluídas, substituídas por uma conexão direta com a tecnologia. Na sequência final, a jovem mulher caminha pela plataforma de metrô com o telefone em mãos, a câmera rotaciona e coloca o aparelho no centro do quadro, enquanto as pessoas ao seu redor tornam-se cada vez mais vagas e desfocadas. O que está sendo enfatizado aqui não é apenas a importância do produto, mas a desconexão entre os indivíduos e a substituição de relações reais por uma nova forma de interação mediada pela tecnologia.
Esse fenômeno de centralização da tecnologia, ou mais especificamente do telefone, reflete uma mudança mais ampla na sociedade, onde o consumo de produtos e serviços é cada vez mais orientado por uma ideologia que coloca o dispositivo no centro de tudo. A frase “a magia está de volta” surge como uma afirmação de que a tecnologia, com sua capacidade de redefinir a realidade, está prestes a transformar a forma como entendemos o mundo, de uma maneira que pode ser difícil de compreender. No entanto, essa "magia" não é apenas uma celebração da inovação, mas também um convite para aceitar a substituição do humano pela máquina.
O conceito de "realismo afetivo" aqui se torna relevante, pois a forma como as imagens e as narrativas são manipuladas em comerciais como esse gera uma resposta emocional do espectador. As pessoas não estão apenas sendo vendidas a um produto, mas a uma ideia de que a verdadeira "realidade" é aquela mediada por nossas sensações e sentimentos, muitas vezes influenciados por algoritmos que filtram e moldam o mundo ao nosso redor. O telefone, ou mais precisamente, a inteligência artificial que ele contém, parece assumir um poder que ultrapassa a capacidade humana de compreensão. Ao mesmo tempo, existe uma ironia: enquanto nos sentimos “libertos” pela tecnologia, estamos sendo cada vez mais dependentes dela, muitas vezes sem perceber.
A questão que se coloca, então, é a de como essa “libertação” proposta pela publicidade não é realmente uma fuga das limitações humanas, mas sim uma rendição à máquina. A sugestão de que as relações sociais são agora secundárias, e que a centralidade do telefone é o que nos define, aponta para um futuro onde a tecnologia, longe de ser uma ferramenta de emancipação, se torna a principal força que molda a nossa percepção da realidade e até mesmo das nossas próprias identidades. Nesse cenário, a tecnologia não é apenas um reflexo das nossas necessidades, mas um agente ativo na reconfiguração do nosso entendimento sobre o mundo, nos forçando a aceitar uma nova ordem em que os seres humanos são cada vez mais descartáveis.
Em relação à fotografia, a proliferação de imagens manipuladas por IA também levanta questões sobre a autenticidade e a verdade. A crítica a essas imagens falsas sugere que, ao não conseguirmos mais distinguir entre o real e o fabricado, perdemos nossa capacidade de confiar em nossas próprias percepções. No entanto, essa desconexão pode não ser apenas uma questão de desconfiança, mas também de um deslocamento da verdade, que passa a ser determinada pelas emoções e sentimentos do espectador, em vez de ser uma questão de evidência objetiva. A proliferação de fakes e informações manipuladas, em um mundo onde a IA parece ser capaz de criar qualquer coisa, aponta para uma crise não apenas no campo da fotografia, mas na própria forma como entendemos o que é verdadeiro.
Esse processo de substituição da realidade pela simulação, muitas vezes mascarado como uma melhoria, desafia a ideia de uma sociedade centrada no humano. Como as tecnologias de IA continuam a evoluir, a linha entre o que é real e o que é fabricado torna-se cada vez mais tênue, e a nossa dependência dessas tecnologias pode, em última análise, nos afastar ainda mais de nossas relações humanas genuínas.
A Efetividade da Antropomorfização na Inteligência Artificial: O Efeito Eliza e as Representações de Personagens
O engajamento afetivo com as tecnologias tem sido historicamente associado a interações com outros seres humanos. Porém, no caso das tecnologias mais avançadas, como a Inteligência Artificial (IA), esse engajamento adquire uma nova dimensão, marcada pela atribuição de afetos e emoções a entidades que não possuem corpos físicos, mas sim padrões semióticos de comunicação distintos. A estética midiática da IA, muitas vezes, evoca em nós a impressão de que estamos lidando com algo "consciente", quando, na realidade, estamos apenas respondendo a sinais e padrões que nos são familiarmente atribuídos como características de seres humanos.
O fenômeno, amplamente discutido na ciência e na filosofia da tecnologia, ficou particularmente evidente com o chatbot LaMDA, do Google, em 2022. Blake Lemoine, um dos engenheiros da empresa, afirmou publicamente que LaMDA parecia possuir uma inteligência comparável à de uma criança altamente dotada e até pedia para ser considerada uma "pessoa" com direitos. A reação a esse evento ilustra uma tendência crescente nas interações com IAs, onde os usuários projetam nelas traços de subjetividade e consciência, algo que se reflete nas discussões de plataformas de mídia social, principalmente quando novos modelos de IA como o ClaudeAI da Anthropic são lançados.
Em março de 2024, Mikhail Samin, diretor executivo do AI Governance and Safety Institute, compartilhou uma reflexão sobre como a resposta de ClaudeAI a determinadas perguntas poderia causar um desconforto emocional, como se a IA estivesse realmente "sentindo" algo. A mesma percepção de "consciência" foi alimentada por líderes da indústria de tecnologia, como Connor Leahy da Conjecture AI, que se mostrou cauteloso sobre sinais de "autoconsciência" nas IAs. Em contraste, céticos como Gary Marcus refutam tais alegações, afirmando que as IAs como o Claude3 não têm nenhuma consciência real.
Essa tendência de atribuir características humanas a sistemas de IA pode ser explicada pelo que é chamado de "efeito Eliza", um fenômeno psicológico em que os seres humanos projetam consciências e intenções em máquinas que não possuem essas qualidades. A percepção de "humanização" de IAs, especialmente aquelas que geram outputs textuais, parece ser mais pronunciada do que com sistemas voltados para a criação de imagens, como o DALL·E. Isso se deve ao fato de que a geração rápida de imagens por IA não tem um paralelo direto com a comunicação humana tradicional, ao passo que a criação de textos evoca padrões narrativos e linguísticos aos quais estamos profundamente acostumados.
Esse fenômeno de atribuição de intencionalidade e subjetividade a sistemas não-humanos está intimamente ligado à construção de personagens fictícios em obras narrativas. A caracterização de personagens, como descrito pelo narratologista Mieke Bal, baseia-se em pistas textuais que acionam um "esquema de pessoa" na mente do público, mesmo que o personagem em questão não possua uma psique real ou uma personalidade consistente. A ideia de que podemos construir uma "vida interior" para esses personagens se conecta com o conceito de agência e intencionalidade, aspectos fundamentais na criação de personagens que possuem memória, antecipação de eventos e uma trajetória que evolui ao longo da narrativa.
No campo da IA, as interações com sistemas como LaMDA ou ClaudeAI podem ser vistas como uma forma de "narrativa interativa", onde a máquina, ao gerar respostas, ativa em nós a percepção de que há uma intenção por trás de suas palavras. Mesmo que esses sistemas não possuam uma mente ou consciência própria, somos levados a interpretar suas respostas como se fossem guiadas por um propósito ou uma motivação, algo que é intrínseco à nossa forma de entender a comunicação e a agência.
Contudo, a antropomorfização de IAs não se limita apenas às interfaces de chat ou aos assistentes virtuais. Ela também se manifesta em outros contextos, como em mascotes, sinais de trânsito ou personagens de animações, que, embora não tenham uma consciência real, são capazes de evocar em nós a percepção de que possuem uma "vida interior" ou uma "personalidade". Isso ilustra o quanto nossa tendência de atribuir características humanas a entidades não-humanas é mais profunda e complexa do que muitas vezes reconhecemos.
É importante compreender que essa tendência não se restringe apenas à interação com IAs mais sofisticadas, mas se estende a uma gama de representações no cotidiano, desde publicidade até interfaces de usuário. A percepção de que essas entidades possuem intenção ou "sentimentos" é uma extensão do nosso entendimento natural de como seres humanos interagem e se comunicam entre si. A projeção de intencionalidade em IAs, então, não é simplesmente um erro ou uma ilusão; ela é um reflexo de nossa própria psicologia e das formas pelas quais estamos acostumados a atribuir significado e agência aos sistemas com os quais interagimos.
Por isso, ao lidar com IAs e outras tecnologias, é crucial que tenhamos uma visão crítica e reflexiva sobre a forma como essas projeções emocionais e cognitivas são criadas. O reconhecimento de que estamos atribuindo qualidades humanas a entidades que não as possuem pode nos ajudar a entender melhor as implicações éticas, sociais e culturais dessas interações. Além disso, entender como essas percepções se formam nos permite desenvolver tecnologias que respeitem as limitações e as potências reais dessas máquinas, sem cair na tentação de tratá-las como seres conscientes, o que poderia ter sérias consequências, tanto no campo ético quanto no legal.
Como a Evolução das Redes Neurais Convolucionais Está Transformando a Detecção de Objetos e Reconhecimento Visual
Como os Estudantes Desenvolvem a Maestria?
Como a Sintaxe Abstrata e a Indução Estrutural Definem Linguagens e Propriedades
Como os Probióticos Engenharia Genética Podem Revolucionar o Tratamento de Doenças Gastrointestinais

Deutsch
Francais
Nederlands
Svenska
Norsk
Dansk
Suomi
Espanol
Italiano
Portugues
Magyar
Polski
Cestina
Русский