A relação entre os Estados Unidos e o México é marcada por uma série de paradoxos que se tornaram mais evidentes durante a presidência de Donald Trump. A polarização política que culminou nas suas vitórias eleitorais de 2016 e nas suas políticas de imigração e comércio continua a impactar profundamente a dinâmica entre os dois países. Este fenômeno é essencialmente uma contradição: enquanto Trump defendia uma retórica nacionalista e de endurecimento da política de imigração, ele também dependia das relações comerciais e dos fluxos migratórios para manter setores chave da economia norte-americana funcionando. Assim, o paradoxo de Trump pode ser compreendido no contexto da interação entre imigração, comércio e as tensões raciais que permeiam a política dos EUA.

O que torna essa relação particularmente complexa são as consequências de uma política externa que, de um lado, rejeita e criminaliza os migrantes mexicanos, enquanto, de outro, necessita dessa mão-de-obra para sustentar indústrias essenciais, como a agricultura e a construção civil. A narrativa de que os migrantes são uma ameaça à segurança nacional é, ao mesmo tempo, desmentida pelos dados econômicos que mostram a dependência dos EUA dos trabalhadores imigrantes, muitos dos quais são originários do México. Isso cria uma situação onde, enquanto as políticas do governo Trump visavam barrar a imigração, o comércio entre os dois países seguia sendo vital para a economia americana.

A militarização da fronteira, um dos pilares da administração Trump, representa outro aspecto paradoxal dessa relação. O aumento do orçamento para a patrulha de fronteira e a construção de muros visavam reduzir a migração indesejada, mas isso teve o efeito colateral de aumentar o tráfico de drogas e a violência nas áreas de fronteira. Além disso, a retórica agressiva e a implementação de políticas que visavam isolar o México acabaram por agravar as tensões sociais e políticas, tanto dentro dos EUA quanto entre os dois países. O que deveria ser uma estratégia de segurança se transformou em um foco de instabilidade, com grandes implicações para as comunidades locais e para a percepção pública da imigração.

Esse cenário é intensificado por questões raciais. A ascensão de um discurso de supremacia branca e nativismo, alimentado por Trump, exacerbou as divisões raciais e gerou um ambiente hostil para os latinos, especialmente os imigrantes mexicanos. O uso da imigração como um vetor de medo e ódio foi eficaz na mobilização de uma base eleitoral, mas também gerou uma reação em massa entre os eleitores latinos e outros grupos marginalizados. Esta reação não só se manifestou nas urnas, mas também nas ruas, com protestos e movimentos em defesa dos direitos dos imigrantes e contra a criminalização dos mexicanos.

Além disso, a relação entre migração e comércio entre os dois países é intrinsecamente ligada à evolução do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), que, embora tenha aumentado o comércio, também trouxe desafios para muitas indústrias mexicanas, forçando uma migração maior de trabalhadores para os EUA. Embora Trump tenha buscado renegociar o NAFTA, com o intuito de favorecer os EUA, os efeitos da integração econômica entre os dois países continuam a ser um ponto de debate sobre a viabilidade de uma estratégia isolacionista em um mundo globalizado. As tensões entre os benefícios econômicos de uma maior integração e a retórica de exclusão social continuam a alimentar esse paradoxo.

Esse complexo entrelaçamento de migração, comércio e política racial é, portanto, o coração do paradoxo de Trump. As políticas de Trump em relação ao México refletem uma profunda contradição: ao mesmo tempo que ele buscava se distanciar dos benefícios da integração com o país vizinho, ele era também forçado a manter os laços econômicos que sustentam a economia dos EUA. No entanto, é preciso perceber que, além das ações políticas e retóricas de Trump, as bases dessa relação estão fundadas em dinâmicas mais profundas e estruturais que envolvem a história de exploração e desigualdade que molda a interação entre os EUA e o México.

A compreensão desse paradoxo requer uma análise não apenas das políticas implementadas, mas também das suas implicações sociais e econômicas de longo prazo. O impacto nas comunidades migrantes, a segmentação do mercado de trabalho e as repercussões nas relações raciais dentro dos EUA exigem uma abordagem mais abrangente e inclusiva para tratar das questões migratórias e comerciais entre os dois países. A resolução desses paradoxos não passará apenas por uma mudança nas políticas de imigração, mas por uma reavaliação profunda dos interesses econômicos e sociais que sustentam essa relação, bem como da forma como a política racial é moldada dentro do contexto das relações internacionais.

O Paradoxo de Trump: Imigração, Comércio e a Ascensão de um Narrativo Falso

Nas eleições de 2016, a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos foi marcada por um forte discurso contra a imigração, especialmente a imigração mexicana, e pelo ceticismo em relação ao comércio internacional, particularmente com o México. Contudo, ao analisar as distribuições geográficas do apoio a Trump, não se pode ignorar que o padrão de votação não se alinha de forma simples às áreas com maior presença de imigrantes mexicanos ou com altos volumes de comércio com o México.

Ao observarmos os condados dos Estados Unidos, como ilustrado na figura 1.1, vemos que o apoio a Trump foi mais significativo em regiões com menor concentração de imigrantes mexicanos. Áreas como o Meio-Oeste e o Norte dos Estados Unidos, que historicamente tinham uma base republicana sólida, viram um aumento considerável no apoio a Trump. No entanto, essas mesmas regiões, como demonstrado pela figura 1.1b, apresentam baixas porcentagens de imigrantes mexicanos. O fato de essas regiões se afastarem do Partido Democrata e se inclinarem para o Partido Republicano sugere que o apelo de Trump não estava diretamente relacionado com a presença de imigração mexicana, mas sim com um certo tipo de narrativa construída sobre a imigração e o comércio.

Por outro lado, as áreas com maior presença de imigrantes mexicanos, como a Califórnia e o Texas, ou regiões com intensas trocas comerciais com o México, como na costa do Pacífico, tenderam a votar de forma mais favorável aos candidatos democratas. Essas regiões, que se beneficiam economicamente de uma maior integração comercial com o México, apresentaram uma queda no apoio ao Partido Republicano em comparação com as eleições de 2012. Esse contraste entre as áreas com forte comércio e imigração e as que apoiaram Trump nos leva a questionar as verdadeiras motivações por trás de seu apoio.

Os dados estatísticos demonstram que, mesmo em condados com altos níveis de importação de produtos mexicanos, o apoio a Trump não aumentou substancialmente, contrariando a ideia de que o comércio com o México prejudicaria as economias locais. De fato, o comércio e a imigração parecem ter efeitos positivos sobre as economias locais, desafiando a narrativa de Trump de que os trabalhadores americanos estariam sendo prejudicados por esses fatores.

O ponto central dessa análise é que o apoio a Trump parece ser mais bem explicado por atitudes políticas e culturais, como o medo da imigração e a oposição ao comércio, do que por fatores econômicos diretos. A narrativa de Trump, que alimenta o medo de que os Estados Unidos estão sendo prejudicados pela imigração mexicana e pelo comércio, parece ressoar mais fortemente em áreas que, na verdade, não experimentam diretamente essas questões. Em outras palavras, é a retórica anti-imigração e anti-comércio que encontrou eco, e não a realidade econômica das regiões que mais o apoiaram.

Além disso, a análise dos eleitores individuais, com foco nos brancos não hispânicos, confirma essa tendência. Votantes com menor nível de escolaridade e menor renda familiar eram mais propensos a apoiar Trump, sugerindo que o apelo de sua candidatura estava mais ligado ao seu discurso populista voltado para os trabalhadores "esquecidos" da América, especialmente aqueles no setor de manufatura. Embora a retórica de Trump tenha sido voltada contra a imigração e o comércio, as políticas que ele propôs não se alinharam com os interesses econômicos reais dessas populações.

Importante ressaltar que os eleitores que apoiaram Trump não necessariamente foram impactados diretamente pela imigração ou pelo comércio com o México, mas sim por uma visão distorcida da realidade, alimentada pela retórica de medo e ressentimento. Isso revela um paradoxo fundamental: a ascensão de Trump não foi causada por uma crise real de imigração ou comércio, mas por uma crise percebida e manipulada.

Essa dinâmica sugere que, embora a imigração e o comércio sejam questões importantes, elas não explicam completamente o fenômeno Trump. Em vez disso, devemos olhar para questões mais profundas, como o sentimento de insegurança econômica e cultural que permeia grande parte do eleitorado, especialmente entre os trabalhadores brancos de classe média baixa, que sentem que suas vidas e identidades estão sendo ameaçadas por mudanças demográficas e econômicas rápidas.

Em suma, os dados mostram que o apoio a Trump não está necessariamente relacionado ao impacto real da imigração ou do comércio, mas sim à forma como esses temas foram representados e interpretados pelo eleitorado. O discurso de Trump, que explorava o medo e a frustração, conseguiu gerar um apoio significativo em áreas que, em termos econômicos e demográficos, não eram diretamente afetadas pelos fatores que ele apontava como culpados pela perda de empregos e pela "ameaça" à identidade americana.