A imagem de Donald Trump como um outsider político, uma figura que invadiu o establishment vindo de fora com promessas de renovação e rebelião contra as elites, é uma construção tão conveniente quanto falsa. Trump não apenas tentou se inserir na política desde a década de 1980, como também manteve relações estreitas, obscuras e de longa data com círculos de poder internacionais — especialmente com a elite soviética e, posteriormente, russa.

Em 1987, Trump viajou a Moscou com Ivana, hospedando-se na suíte de Lênin, a poucos metros do Kremlin — um gesto simbólico cuidadosamente coreografado pelo governo soviético. A suíte em questão, segundo jornalistas como Luke Harding, estava sob vigilância do KGB. Ninguém sabe ao certo quais foram os termos ou intenções das conversas de Trump com o Politburo, mas ao retornar aos EUA, ele já demonstrava entusiasmo incomum por uma aliança com a URSS. Ainda naquele ano, expressou sua visão geopolítica em uma entrevista: queria colaborar com a Rússia para usar armas nucleares como instrumento de coerção internacional, tendo como alvos países como Paquistão e França.

Essa aliança ideológica com a força, o autoritarismo e o desprezo pelo sistema político norte-americano estabelecido se revelaria em outras ações. Em setembro de 1987, Trump publicou anúncios em jornais criticando duramente a política externa dos EUA e afirmando que “o mundo está rindo dos políticos americanos”. Em outubro, num comício, declarou os Estados Unidos uma “falência”, abrindo caminho para sua ambição mais ousada: tornar-se presidente.

Mas Trump nunca esteve disposto a se submeter aos riscos normais do jogo democrático. Conforme relatado por amigos e observadores próximos à época, ele só consideraria concorrer caso sua vitória estivesse garantida. Não é alguém que aposta — é alguém que exige retorno assegurado. Mesmo nos anos 2000 e 2010, quando sua imagem foi reciclada como a de um magnata excêntrico e celebridade, ele continuou tentando alcançar o poder executivo, seja em 2000, 2012 ou, finalmente, em 2016. Roger Stone, figura-chave do movimento republicano, esteve ao lado de Trump em todas essas tentativas, desde o comício organizado por Michael Dunbar em 1987 até a campanha presidencial vitoriosa em 2016.

As conexões russas, por sua vez, não desapareceram. Vitaly Churkin, diplomata russo de longa carreira, encontrou-se com Trump em diversas ocasiões. Em 2016, Churkin o defendia com veemência nas Nações Unidas — sem provocação alguma, um comportamento que deixou diplomatas e jornalistas perplexos. Quando Churkin morreu de forma súbita, um mês após a posse de Trump, o Departamento de Estado dos EUA e o governo russo bloquearam qualquer divulgação sobre a causa da morte. Não houve investigação oficial nem explicações. Churkin foi o quinto diplomata russo a morrer de forma inexplicada após a eleição de Trump.

Esse padrão de ausência de transparência, acobertamento e negação ativa da verdade sempre esteve presente no universo de Trump. Ele criou uma realidade paralela, onde a imagem prevalece sobre o conteúdo, e onde os fatos só existem se forem úteis ao seu script. Sua carreira foi sustentada por advogados que amedrontavam críticos, contratos com cláusulas de sigilo e uma bolha de relações composta por familiares e asseclas. Trump não é apenas um empresário — ele é um produto midiático, cuidadosamente fabricado para manter sua persona intacta, blindada contra qualquer vulnerabilidade real. Ele exige atenção, mas foge do escrutínio.

Essa blindagem o acompanhou por décadas. Já nos anos 1980, revistas como Spy investigavam suas transações suspeitas, os abusos em seus casamentos, os esquemas financeiros e o círculo de aliados internacionais. Apesar do tom satírico da revista, seu impacto era profundo. Pessoas comuns, como a mãe da autora, que assiduamente lia Spy, sabiam quem era Trump muito antes de sua ascensão política. Para essas pessoas, Trump sempre simbolizou o lado podre da América: ganância, crueldade, futilidade, ostentação.

A mídia tradicional, sobretudo em Nova York, manteve por muito tempo uma visão indulgente de Trump. Acompanhava seus escândalos como se fossem apenas capítulos de uma novela. E, nesse processo, contribuiu para a transformação de seus crimes em espetáculo, e do espetáculo em banalidade. Com o tempo, o que deveria ser repulsa virou tolerância; e da tolerância nasceu o autoritarismo. O crime, cometido em público, perdeu sua gravidade e passou a ser parte do entretenimento nacional.

Esse ciclo de normalização não surgiu com Trump, mas ele o levou ao extremo. Sua trajetória demonstra como figuras que aparentam ser “antissistema” muitas vezes são apenas representantes de um sistema ainda mais antigo, oculto e resistente: aquele das elites que operam nas sombras, entre favores, ameaças e silêncios comprados.

O leitor precisa compreender que Trump não representa uma ruptura com o sistema político americano, mas sim sua continuidade pervertida. Ele não surgiu do nada em 2016. Sua construção pública foi um projeto de décadas, alimentado por interesses internacionais, manipulações midiáticas e um país disposto a transformar um narcisista amoral em símbolo de sucesso. O verdadeiro perigo de Trump não é o que ele diz ou promete — é o que ele normaliza. Ele transformou o abuso de poder em performance, o crime em marketing e o fracasso moral em capital político.

Como a Ascensão de Trump Revela o Perigo das Redes Transnacionais de Poder e Corrupção

Donald Trump não surgiu como um simples fenômeno político isolado, mas como o produto final de uma série de forças sombrias e interligadas que minam a democracia americana. Durante sua campanha de 2016, a retórica de Trump transformou o racismo em populismo, recrutando figuras extremistas da direita e da ala mais radical do Partido Republicano. Ele não escondia sua intenção de desmantelar a democracia; pelo contrário, fazia isso de maneira explícita, sabendo que a crença na excepcionalidade americana – a ideia de que o país é imune a autocracias – funcionava como uma blindagem para sua ascensão.

Ao contrário da percepção comum, Trump não parecia um político estúpido, mas sim um manipulador astuto, capaz de explorar o sofrimento latente da população que havia sido ignorada ou negligenciada pelas elites. A dor social e econômica que permeava o país era terreno fértil para um líder que prometia romper com o sistema. Mais do que um fenômeno local, Trump era o culminar de um ciclo político marcado por práticas autoritárias e conexões internacionais obscuras.

O envolvimento de figuras como Paul Manafort, que atuava há décadas no lobby de ditadores brutais e oligarcas da antiga União Soviética, revelou uma rede que ultrapassa fronteiras nacionais. O termo “oligarca”, geralmente associado à Rússia, define empresários colossais que se entrelaçam com regimes corruptos para proteger seus interesses, formando uma simbiose que promove o crime corporativo e o autoritarismo. O paralelo americano são os plutocratas, milionários e bilionários que influenciam a política para enfraquecer a democracia.

A admiração pública de Trump por Vladimir Putin não era mero capricho, mas reflexo de uma afinidade profunda por regimes autoritários e corrupção sistêmica. Desde os anos 1980, Trump mantinha laços com mafiosos russos e oligarcas, cuja influência penetrava na economia e política americana através de instituições como o Deutsche Bank, conhecido por facilitar lavagem de dinheiro russo. Esses vínculos, embora muitas vezes ocultos, configuram uma ameaça real à segurança nacional dos EUA.

Durante a campanha, apesar das evidências crescentes de interferência russa, a resposta das instituições americanas foi tímida e ineficaz. O então líder da minoria no Senado, Harry Reid, alertou sobre a gravidade da situação, pedindo transparência ao FBI, mas foi ignorado. O clima político tornou-se um campo minado, onde notícias falsas, teorias conspiratórias e um ataque sistemático à imprensa livre minaram a confiança pública e normalizaram o discurso extremista.

Trump soube usar sua influência para silenciar críticos e controlar narrativas, ampliando o papel da mídia sensacionalista que valoriza o espetáculo sobre a verdade. A radicalização política que emergiu com sua eleição é um lembrete doloroso de que o autoritarismo pode se infiltrar e se consolidar em democracias consideradas sólidas.

Uma vez no poder, um autocrata dificilmente respeita limites de mandato ou mecanismos de controle, purgando instituições que garantem a responsabilização e alterando leis para se proteger. Eles destroem liberdades e diluem estruturas democráticas antes que a maioria perceba a dimensão dos danos causados. A rede transnacional que apoia tais regimes, como a que envolve Trump, amplia o perigo, pois sua ambição por poder e riqueza transcende fronteiras e sistemas legais.

A compreensão desse fenômeno exige que se vá além da mera análise da interferência russa ou da personalidade de Trump. É necessário reconhecer o impacto devastador das conexões entre oligarcas, plutocratas e organizações criminosas transnacionais que se infiltram na política nacional. É essencial compreender que o enfraquecimento da democracia não é um acidente, mas resultado de forças estruturais globais que combinam poder econômico, manipulação política e estratégias autoritárias. A vigilância constante e a ação precoce são cruciais para impedir que esses sistemas corroam os pilares democráticos, garantindo que as liberdades e direitos conquistados não sejam irreversivelmente destruídos.

Como a Desigualdade Geográfica e Econômica Redefiniu os Estados Unidos no Século XXI

St. Louis, cidade com uma rica história e marcada por períodos de decadência, parecia ser o lugar ideal para criar uma família quando me mudei para lá, atraído pelas suas qualidades de cidade acessível e cheia de comodidades gratuitas. Seus anos difíceis, quando a cidade era mais conhecida por seu colapso econômico nas décadas de 1980 e 1990, haviam sido deixados para trás, e St. Louis experimentava breves momentos de glória cultural, especialmente com rappers locais como Nelly dominando as paradas de sucesso e o time de futebol americano Rams ganhando o Super Bowl. Embora a cidade estivesse em ruínas, ainda oferecia preços acessíveis, tornando-a uma opção atraente para quem pensava em construir uma vida e formar uma família. Como eu, muitos migraram para lá em busca de um futuro mais estável, mas a transformação da cidade e de toda a região do meio-oeste foi uma história muito mais complexa e dolorosa do que parecia à primeira vista.

Ao comparar St. Louis com a cidade de onde vim, Meriden, Connecticut, uma cidade de porte médio e pós-industrial, percebi uma semelhança que transcendia o simples fato de ambas estarem marcadas por uma decadência visível. Meriden, como St. Louis, estava em declínio há muito tempo antes de eu nascer. Meus avós falavam sobre os dias de glória da cidade, uma glória que nunca presenciei. Para mim, o que restava era a realidade simples e desconfortável: shoppings e fast foods, e o movimento das pessoas no cotidiano desolador de uma cidade marcada pela pobreza, sem recursos culturais ou institucionais. Não havia museus, cafés ou espaços culturais, mas eu não sabia o que estava faltando. Cresci em uma cidade em dificuldades e vi beleza nas coisas mais simples, como a farmácia local ou o Burger King com seu salão de jogos. A violência nas ruas era uma presença constante, mas também uma parte do pano de fundo da vida cotidiana, que, de certa forma, se tornava natural para mim. Mais tarde, ao perceber o que estava acontecendo ao meu redor, fui corrigido pelos outros, mas já era tarde demais: minha forma de ver o mundo estava moldada pela dureza e pela beleza crua dos lugares em que vivi.

Essa realidade também ajudou a moldar minha visão crítica sobre a divisão percebida entre as costas e o interior dos Estados Unidos. O verdadeiro fosso existia entre as poucas cidades exorbitantemente ricas e o resto do país, entre os indivíduos poderosos e o restante da população. Quando nasci, no final dos anos 1970, St. Louis e Nova York tinham salários semelhantes e um custo de vida comparável, o que tornava a vida nas duas cidades igualmente acessível. A situação de Nova York era tão decadente quanto a de St. Louis, mas isso mudou drasticamente com a chegada da era Reagan e o apetite voraz de Wall Street. O que antes era uma realidade compartilhada de queda econômica, agora se transformou em um abismo entre as cidades que sobreviveram aos ventos de mudança e as que foram sacrificadas.

Nos anos 1980, a ascensão de personagens como o magnata corporativo Carl Icahn e a destruição de empresas icônicas como a Trans World Airlines (TWA) representaram um golpe devastador para a economia de St. Louis, onde, até então, as empresas ainda desempenhavam um papel essencial na vida da cidade. Icahn comprou a TWA com o único objetivo de liquidá-la, arrancando dela o que restava de recursos, uma ação que deixou os cidadãos de St. Louis perplexos e desolados. Nova York, por sua vez, passou a se reerguer à custa das cidades do meio-oeste, que se tornaram vistas como descartáveis para os interesses corporativos. Esse processo foi o prelúdio para o que viria a ser uma transformação econômica muito mais ampla, que afetaria não só o meio-oeste, mas o país inteiro, moldando a cultura e os meios de comunicação por décadas.

Com o tempo, as cidades do meio-oeste, uma vez prósperas, passaram a ser vistas como símbolos de declínio, da "Cinturão da Ferrugem", como ficou conhecida a região. A partir dos anos 2000, as representações do meio-oeste desapareceram quase completamente da cultura pop americana. Nos anos 1980 e 1990, o meio-oeste ainda se fazia presente, com artistas como Prince, Michael Jackson e Madonna, e programas de televisão como "Family Ties" e "Roseanne" ambientados em estados como Ohio e Illinois. Contudo, com a perda de relevância cultural e poder econômico, o meio-oeste se tornou uma região negligenciada e até alvo de desprezo. O sofrimento dessa região não era apenas econômico, mas também representava um lamento profundo pelas promessas quebradas de um futuro mais próspero.

A divisão de "América vermelha" e "América azul", popularizada nas eleições de 2000, simplificou um conjunto de diferenças complexas e desconectou ainda mais a região central do país. A formação de um imaginário de divisão política não refletia apenas uma diferença ideológica, mas também uma disparidade geográfica e econômica que começou a tomar proporções cada vez mais desiguais. A transformação política, acompanhada de uma infiltração de "dinheiro escuro" nas campanhas eleitorais, intensificou ainda mais essa desigualdade. Nos anos seguintes, mudanças como a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 2010, em favor do caso Citizens United, abriram portas para que grandes doadores, tanto nacionais quanto internacionais, pudessem exercer uma influência desmesurada no processo político. Missouri, o estado onde tudo isso começou, foi uma espécie de laboratório para o que viria a ser uma crise nacional, onde a democracia representativa e as leis de ética e financiamento de campanha foram enfraquecidas e corrompidas por interesses poderosos.

Neste contexto, é fundamental compreender que as profundas divisões sociais e econômicas entre as regiões do país não são apenas questões de ideologia ou geografia, mas sim reflexos de um processo muito mais complexo de mudança econômica, corrupção e negligência política. O sofrimento das regiões esquecidas dos Estados Unidos deve ser visto não apenas como um sintoma de um sistema falido, mas como um lembrete de que, quando as disparidades se tornam tão vastas, as soluções exigem mais do que simples reformas políticas ou econômicas – elas demandam uma mudança na forma como entendemos o valor e o potencial das comunidades que vivem à margem do "sonho americano".