O filósofo afirmou que ao nos movermos, estamos constantemente caindo. Se uma perna esquerda falta, a pessoa cairia para um lado; se a perna direita faltasse, cairia para o outro. É apenas devido ao movimento alternado entre os dois lados que conseguimos seguir em frente. Essa metáfora, que pode parecer simples e até cômica, esconde uma reflexão profunda sobre a interação entre forças opostas que, embora aparentemente contraditórias, são essenciais para o progresso. Este paradoxo reflete a complexa relação entre o artista e o político, onde, muitas vezes, o conflito entre ambos é um motor para a criação e transformação da sociedade.

Marietta Shaginyan, em seu trabalho sobre as relações entre Lenin e Gorky, apresenta uma visão do político como alguém que se fortalece e se agudiza em suas ideias a partir do confronto com o artista. Ela sugere que, se Gorky tivesse sido diferente, se não tivesse cometido erros ao longo de sua jornada, Lenin talvez não tivesse desenvolvido a profunda afeição que tinha por ele. Porém, esse ponto de vista ignora um aspecto crucial: o político não precisa do artista para apenas "agudizar" suas ideias, mas, antes, como um aliado irremplazável na causa da revolução e na construção do socialismo.

O político e o artista são figuras que, embora em alguns momentos errantes, estão unidos por um mesmo objetivo maior. O artista pode, sim, cometer erros, pode se confundir ou se desviar, mas é justamente através desses desvios que surge a necessidade de um embate, um esforço por parte do político para entender e, se necessário, corrigir as falhas do artista. O que se vê, então, não é uma luta pela supremacia de uma das partes, mas um esforço contínuo para alcançar a harmonia, uma harmonia que surge do constante embate entre essas duas forças contraditórias, como a alternância de peso entre a perna direita e a esquerda que permite o movimento.

É interessante notar que a luta entre o político e o artista, na visão de Shaginyan, não é algo problemático, mas sim um processo que manifesta a "disharmonia" da harmonia. Porém, essa visão falha ao enxergar a verdadeira essência dessa relação. De fato, os erros de Gorky não o aproximaram de Lenin; pelo contrário, eles criaram um afastamento. Lenin teve de travar uma batalha prolongada para lidar com esses erros, e essa luta não foi só um reflexo da disputa ideológica, mas uma contribuição significativa para o desenvolvimento da inteligência criativa do Partido. O político precisa, então, não apenas do artista, mas da luta e do embate que essa relação envolve.

No entanto, entender essa relação não é tarefa fácil. A simplicidade de algumas interpretações, que tentam reduzir a complexidade dessa interação para uma mera oposição entre um político flexível e um artista que se opõe constantemente, não dá conta das realidades dessa luta. De fato, a verdadeira relação entre Lenin e Gorky vai muito além dessa dicotomia simplificada. O político não se vê como alguém que simplesmente tolera a oposição do artista, mas como alguém que busca moldar e orientar a produção artística para servir aos objetivos da revolução e do estado socialista. Lenin sempre esteve ciente da importância de guiar artisticamente as forças criativas dentro da revolução. Para ele, a arte não deveria ser um campo de liberdade absoluta sem amarras ideológicas, mas uma força alinhada aos interesses do Partido e à construção do socialismo.

O conceito de orientação da atividade artística se espalha por diversas dimensões, envolvendo desde a forma como o Partido lidava com as diferentes correntes artísticas até as políticas culturais que eram implementadas para consolidar uma arte que fosse fiel aos valores revolucionários. A luta contra as tendências não realistas na arte, que eram vistas como decadentes e distantes das necessidades do povo, era uma questão fundamental nesse processo. Lenin rejeitava as formas de arte que, embora modernas e "avançadas", estavam desconectadas da realidade do proletariado. O modernismo, o futurismo, o cubismo, e outras formas de arte "ismos" eram vistos com desconfiança. Em suas palavras, "não entendo essas formas de arte", evidenciando uma clara rejeição àquilo que não fosse verdadeiramente compreendido e acessível à massa popular.

Lenin, ao contrário dos defensores do modernismo que tentavam associá-lo a uma suposta tolerância para com todas as formas de arte, sempre se mostrou claro em sua posição. Para ele, a arte devia ser uma ferramenta para a revolução, um veículo que deveria servir para educar e inspirar as massas, não se perder nas "modas" artísticas do Ocidente. Sua crítica às tendências vanguardistas da época reflete sua visão pragmática de que a arte deve ser entendida não como uma forma de expressão individual desconectada da realidade social, mas como uma manifestação cultural vinculada aos princípios da revolução.

Com isso, a luta entre o político e o artista não é apenas uma questão de divergências estéticas ou ideológicas. Ela reflete a busca por uma arte que seja capaz de servir aos interesses da transformação social, uma arte que não se perca em experimentações que afastem as massas de sua verdadeira necessidade. Esta luta, portanto, é não só necessária, mas fundamental para a construção de uma sociedade socialista, onde arte e política se entrelaçam para criar um novo mundo.

A Arte e a Política: A Relação Intrínseca no Mundo Contemporâneo

A arte sempre esteve imersa nas questões sociais e políticas do seu tempo. Desde os tempos antigos, com obras como o Rigveda e o Mahabharata, até as sátiras de Kshemendra no século XI ou as contribuições de Bhartendu no século XIX, a arte refletiu as tensões e os conflitos do contexto político e social. Inerente à natureza da arte, estão seus laços com a vida social, as ideias de cada era e os conflitos políticos que a moldam. No entanto, em tempos atuais, a relação entre a arte e a política assume uma relevância ainda mais premente, uma vez que as dinâmicas sociais modernas intensificaram o confronto de ideias, especialmente entre as forças da reação e o progresso, a guerra e a paz, o velho e o novo.

Vatsyayan, ao discutir essa questão, ressaltou que, atualmente, o vínculo entre arte e política se tornou uma das questões centrais da estética contemporânea. Ele observou que, embora haja relutância entre alguns artistas em associar sua prática à política, a lógica do desenvolvimento social moderno exige que o artista se posicione e tome partido. A frase de Maxim Gorky, "De que lado você está, artista?", permanece pertinente, ainda mais no contexto atual, em que a arte é constantemente chamada a tomar uma posição clara diante dos acontecimentos.

O mundo moderno é dominado por duas culturas em conflito. Uma dessas culturas defende os altos ideais de liberdade, paz e o florescimento da personalidade humana, sendo por natureza profundamente criativa. A outra, por sua vez, é uma cultura distorcida, enraizada na filosofia da burguesia, uma arte que propaga as ideias mais reacionárias e desumanas da época. A oligarquia imperialista precisa de uma arte que ajude a manter as fundações da sociedade capitalista, que sufoca os anseios de liberdade do homem, alimentando o anti-humanismo e a desconfiança nos ideais mais elevados.

Neste cenário, a arte tem sido manipulada de forma a trabalhar contra os ideais progressistas. A mídia, o cinema, a televisão e a literatura popular frequentemente nos apresentam um mundo repleto de violência, misantropia e uma agressiva propaganda anti-comunista. Esses produtos artísticos apelam aos instintos mais baixos do ser humano, criando uma atmosfera de crueldade universal, como bem exemplificado pelos thrillers contemporâneos. Leo Gurko, em sua crítica à literatura popular americana, observa como, em muitos desses relatos, os policiais se tornam tão cruéis quanto os criminosos que perseguem, diluindo as linhas entre civilização e barbárie.

A ascensão dessa "arte" reacionária não é uma coincidência. Ela está apoiada por grandes corporações, cujo interesse não é o desenvolvimento estético ou a elevação da moral humana, mas sim a promoção de uma cultura que favoreça os interesses da classe dominante. As corporações se veem como os Medici contemporâneos, financiando uma "arte" que sirva à manutenção do status quo. No entanto, a relação entre os negócios e a arte não se limita a uma mera questão de lucro. Ela é também um instrumento ideológico, projetado para moldar a personalidade de acordo com as exigências da produção capitalista e a consolidação do poder da burguesia.

O conceito de "indústria cultural", como mencionado por alguns teóricos, ilustra essa aliança entre arte e capital. A massificação da cultura não ocorre apenas para gerar lucro, mas também para alcançar efeitos ideológicos claros. As tendências políticas presentes em muitos produtos culturais são frequentemente disfarçadas de apoliticidade, mas, na realidade, buscam promover um alinhamento com os valores burgueses. Nos últimos anos, o foco de muitos produtos culturais tem sido a propaganda militarista e anti-comunista, refletindo uma tentativa clara de manipulação das massas. Os filmes de espionagem, como os protagonizados por James Bond, representam essa fusão da arte reacionária com uma ideologia explícita, enquanto o cinema de Hollywood se alinha frequentemente aos interesses do Pentágono, como mostrado nos estudos de V. Golovanov.

Dessa forma, a arte, longe de ser neutra, é uma ferramenta poderosa nas mãos das classes dominantes, usada para promover uma visão de mundo que serve aos interesses imperialistas e capitalistas. A relação entre arte e política, longe de ser uma questão abstrata, reflete diretamente as forças sociais e econômicas em jogo. O desafio para os artistas e para os cidadãos conscientes é perceber essa manipulação e resistir a ela, buscando formas de arte que realmente promovam os ideais de liberdade, humanidade e justiça social.

Como a História da Literatura é Desmontada pelos Formalistas

A tradição que permeia a leitura dos textos literários, a forma como a literatura é analisada e como sua história é construída, tem sido tema de debate entre diferentes escolas teóricas. Na tradição do formalismo russo, uma crítica notável direcionada ao formalismo e suas abordagens apareceu nas observações de Lotman, que desafiou a separação rígida entre a forma e o conteúdo da obra literária, frequentemente defendida pelos formalistas, como Eichenbaum. Essa crítica destaca um ponto essencial: ao isolar a obra de seu contexto histórico, os formalistas cometem uma falha fundamental, que é a negação da dinâmica histórica e do contexto social que molda a literatura.

Lotman afirmou que ao abordar uma obra de arte, especialmente na análise dos dispositivos artísticos, o formalismo tende a desconsiderar o papel crucial da história na formação da obra. Ele argumenta que a visão formalista, que separa a forma do conteúdo e trata a obra como um dispositivo atemporal, perde de vista o entendimento de que a obra é antes de tudo um produto de um determinado contexto histórico e social. Ao analisar a literatura como um fenômeno estagnado, descontextualizado e desconectado da sua evolução histórica, o formalismo comete um erro de simplificação.

Por exemplo, o estudo de Gogol por Eichenbaum em sua análise de "O Casaco" é revelador. Para Eichenbaum, o foco está apenas nos dispositivos estilísticos, como a técnica de narração do "skaz" e a "jogada com a realidade". Sua análise se concentra em como o narrador manipula a forma, como uma jogada estética que visa, em última instância, criar um efeito humorístico e grotesco. No entanto, ao ignorar qualquer potencial subtexto moral ou social — como a miséria espiritual de Akaky Akakievich — ele empobrece a complexidade da obra. A crítica social e as emoções humanas que Gogol desperta em seus leitores são desconsideradas, pois o formalista se detém apenas no jogo da linguagem e da forma.

O formalismo propõe que a literatura deve ser entendida como um processo contínuo e autossuficiente, movido por mudanças internas que ocorrem dentro do próprio campo literário. A constante substituição de formas literárias "automáticas" por novas formas "perceptíveis" (como os formalistas chamam) é, segundo essa perspectiva, o verdadeiro motor da evolução da literatura. Contudo, essa abordagem tende a minimizar a importância dos contextos históricos e sociais que moldam a literatura e sua capacidade de refletir sobre a realidade em um sentido mais amplo.

Essa "automação" ou automatização da forma literária, conforme defendida pelos formalistas, é o que determina a mudança e a inovação na literatura, mas essa visão é limitada. A literatura não surge de uma simples ruptura de formas, como sugere o formalismo. Ela é também o reflexo das tensões sociais, políticas e culturais em um dado momento histórico. Por exemplo, o caso de "Dom Quixote" de Cervantes, que é desconstruído na obra de Shklovsky, mostra como a literatura não é apenas a invenção de novos modos de expressão artística, mas também um campo de interação com as condições históricas, ideológicas e sociais.

O problema central que Lotman identifica é a subestimação da história dentro do formalismo. A literatura, quando analisada apenas em termos de suas técnicas e dispositivos, perde sua profundidade histórica. O fato de que uma obra de arte tem suas origens em uma série de eventos históricos e ideológicos não pode ser ignorado, pois é justamente isso que confere à obra seu significado pleno.

É preciso, portanto, que o estudo literário vá além do formalismo e considere a obra literária não apenas como um fenômeno estético fechado em si mesmo, mas como algo que se insere em um fluxo contínuo de acontecimentos históricos. A literatura, como arte, é um reflexo não apenas das possibilidades formais, mas também das necessidades e realidades históricas. Isso deve ser entendido não como uma limitação da análise estética, mas como uma ampliação de seu alcance e profundidade.

No entanto, o que ainda falta em muitas análises formais é uma reflexão mais aprofundada sobre o papel da literatura na sociedade e como ela é moldada pela ideologia, pela cultura e pelas condições políticas. A literatura não é apenas um espaço de expressão artística, mas também um campo de batalha ideológico, onde as forças sociais e políticas se confrontam. Esse é um aspecto crucial para se entender a complexidade de qualquer obra literária e sua relevância para o momento histórico em que foi produzida.

A Inter-relação entre as Séries Literárias e a História: Um Olhar sobre a Teoria Formalista e suas Limitações

A teoria da literatura sempre foi marcada por uma tensão entre a busca pela pureza da estrutura literária e a necessidade de inseri-la em um contexto histórico e social mais amplo. Esse dilema foi um ponto central nas discussões de teóricos como Tynyanov, Eichenbaum e outros membros da escola formalista russa, que, ao buscarem entender a literatura como um sistema autônomo e imutável, acabaram se distanciando das influências externas que moldam essa arte. Tynyanov, ao tratar da "inter-relação constante" das séries literárias com outras séries, focava principalmente na série literária mais próxima – a vida literária. Para ele, a literatura deveria ser compreendida não apenas como um conjunto de elementos estéticos, mas como algo que se desenvolve dentro de um campo específico de práticas profissionais e sociais.

Eichenbaum, ao aplicar essa teoria, introduziu a noção de "vida literária", um conceito que tentava incorporar a literatura ao contexto do seu ambiente profissional, como círculos literários, salões, revistas e editoras. Contudo, essa abordagem, embora reveladora, ainda se limitava a aspectos puramente immanentes da literatura e não conseguia estabelecer uma conexão satisfatória entre a literatura e os movimentos sociais ou históricos mais amplos. A tentativa de formalizar o estudo da literatura, sem levar em conta sua origem e transformação histórica, gerava uma leitura estreita e imprecisa do fenômeno literário.

Os formalistas não conseguiram ultrapassar esse limite porque suas premissas fundamentais – como o foco na estrutura interna da obra e na análise sincrônica dos textos – estavam em desacordo com uma abordagem histórica mais profunda. O impasse entre sincronia e diacronia, entre a análise de séries literárias e a história, tornou-se um obstáculo metodológico que a teoria formalista não conseguiu superar. Assim, a literatura continuou a ser vista, em muitos casos, como uma série de formas fechadas, separadas de seu contexto histórico, social e político.

Esse fenômeno não é exclusivo da escola formalista, mas permeia o debate teórico mais amplo sobre o estruturalismo e suas relações com a história. A tentativa de conciliar a estrutura fechada de uma obra literária com as mudanças históricas e sociais acabou por colocar o estruturalismo diante de um grande dilema. Ao considerarem as obras literárias como sistemas autossuficientes, os estruturalistas acabaram por ignorar os fatores externos que influenciam a produção literária, como os eventos históricos, os contextos culturais e as transformações sociais. Esse isolamento da literatura das suas condições reais de produção resulta em uma análise que muitas vezes parece desconectada da realidade histórica.

Roland Barthes, por exemplo, rejeita totalmente a história literária, uma posição que reflete uma das críticas mais profundas ao estruturalismo. Para ele, se a obra de arte é tratada como uma estrutura fechada e isolada, as relações lógicas entre essa estrutura e o significado da obra são rompidas, fazendo com que a literatura perca sua conexão com a história e com o seu contexto social. Como resultado, a literatura pode se tornar uma "montanha de fragmentos desconexos", uma coleção de peças dispersas que não possuem uma ligação clara com os eventos que as originaram.

A crise do formalismo e o impasse do estruturalismo evidenciam uma das questões mais profundas da teoria literária: é possível manter uma análise rigorosa da estrutura literária sem perder de vista as forças históricas e sociais que moldam essa estrutura? A resposta parece ser complexa, e as tentativas de "melhorar" o estruturalismo e aproximá-lo da história enfrentam uma série de desafios.

Foucault, outro pensador central da tradição estruturalista, foi um dos grandes críticos da noção de "homem" como centro da filosofia e da literatura. Em seu livro Les Mots et les Choses, Foucault questiona a ideia de um sujeito unificado e autoconsciente, essencial no pensamento existencialista, e argumenta que essa concepção de "homem" é uma construção histórica que não responde às exigências do presente. Foucault, ao atacar a ideia de "homem", lança uma crítica ao humanismo e à visão de mundo que coloca o indivíduo como medida de todas as coisas. Essa crítica não é apenas uma reação ao pensamento existencialista, mas também uma tentativa de apontar para uma nova compreensão da história e da sociedade, onde as estruturas objetivas e as forças históricas têm um papel central na constituição do sujeito.

A transição do existencialismo para o estruturalismo em França, em meio ao declínio da filosofia existencialista após a Segunda Guerra Mundial, reflete um movimento mais amplo de revisão das abordagens filosóficas e sociais. O existencialismo, que havia se tornado uma filosofia de resistência e afirmação do indivíduo durante o período de ocupação nazista, foi gradualmente substituído por uma nova forma de pensamento que se opunha ao subjetivismo excessivo e à visão romântica do homem. O estruturalismo, com sua ênfase nas estruturas sociais e culturais que moldam a experiência humana, ofereceu uma alternativa que tentava superar as limitações do existencialismo e da filosofia do sujeito.

A tensão entre estruturalismo e existencialismo, entre a busca por uma compreensão objetiva das estruturas sociais e a afirmação subjetiva do indivíduo, continua a ser um tema central no debate filosófico e literário. Para os marxistas, essa polemica traz à tona uma questão fundamental: como conciliar a análise estrutural das condições objetivas de produção com uma visão que leve em consideração as lutas sociais e históricas que moldam a literatura e o pensamento humano?