Desde 1977, quando Donald Trump e sua esposa checa Ivana se casaram, Trump chamou a atenção dos serviços de segurança da então Tchecoslováquia (CSSR). Era prática comum desses serviços monitorar americanos influentes, ricos e poderosos, repassando informações para a União Soviética e outros países do bloco comunista. Esse tipo de informação, obtida para fins de chantagem, era chamado de kompromat. Durante a Guerra Fria, agências de inteligência soviéticas e seus aliados criavam dossiês detalhados sobre ocidentais para manipular indivíduos e influenciar eventos globais. Agências dos EUA também empregavam táticas similares, embora de forma menos agressiva e menos eficaz.
Com o colapso da União Soviética em 1991, os países autoritários, como a Rússia, mantiveram suas práticas brutais sob novos nomes, enquanto nações democráticas, como a República Tcheca, passaram por reformas. O que chama atenção nos arquivos da CSSR é a afirmação de que, desde 1977, Trump teria sido beneficiado por um acordo misterioso que o manteria “totalmente isento de impostos pelos próximos 30 anos”. Ainda segundo esses documentos, Trump estaria contratualmente obrigado a ter três filhos com Ivana — o que efetivamente ocorreu — e teria sido preparado para concorrer à presidência em 1988, o que quase aconteceu. Essas alegações nunca foram investigadas a fundo e permanecem sem respostas oficiais, mesmo após pedidos repetidos para divulgação das declarações fiscais de Trump.
Esse silêncio oficial, aliado ao fato de que Trump já esteve sob investigação de várias agências governamentais americanas, como o Departamento de Justiça e o Tesouro, sugere que informações relevantes podem existir, mas continuam inacessíveis ao público. Essa ausência de transparência revela a profundidade da influência que o poder econômico e político pode exercer para proteger interesses próprios, especialmente de figuras envolvidas com redes internacionais de corrupção e manipulação.
Nos anos finais da década de 1970, iniciou-se uma era na qual a elite econômica passou a pagar menos impostos, enquanto as classes populares enfrentavam mais dificuldades. Trump foi inserido nesse ambiente corrupto, desenvolvendo desde então as estratégias que usa para evitar responsabilização. Ele não foi apenas um produto da reestruturação econômica promovida por Reagan, que enfraqueceu sindicatos e reforçou políticas de “efeito cascata” (trickle-down economics). Trump pode ter sido parte de um pacto sem precedentes, possivelmente envolvendo atores criminosos e Estados estrangeiros hostis, para permanecer acima da lei — um pacto que ecoa em suas ações enquanto presidente.
Sua administração ficou marcada pela admiração e proximidade com criminosos e ditadores. Enquanto classificava Canadá, México e União Europeia como inimigos, Trump buscou alianças com autocratas como o príncipe saudita Muhammad bin Salman, o presidente israelense Benjamin Netanyahu, o ditador turco Recep Tayyip Erdoğan, o líder norte-coreano Kim Jong Un e Vladimir Putin. Também promoveu a reabilitação pública de criminosos domésticos através de perdões presidenciais, recompensando lealdade acima da justiça.
Essas conexões refletem um padrão antigo, remontando aos anos 1980, quando seu círculo social incluía figuras como o bilionário saudita traficante de armas Adnan Khashoggi. Trump adquiriu um “iate de vigilância” equipado com câmeras escondidas, comprado de Khashoggi, cujo sobrinho Jamal Khashoggi foi brutalmente assassinado anos depois, em um caso ligado à política saudita e que envolve também aliados próximos a Trump.
Durante sua campanha em 2016, Trump negou quaisquer vínculos com a Rússia, apesar de declarações públicas contrárias, como sua própria autobiografia de 1987, "A Arte do Acordo". No livro, ele descreve contatos com autoridades soviéticas e planos de construir um hotel de luxo em Moscou, em parceria com o governo soviético. Essas relações não eram ilegais em si, especialmente na era da glasnost, mas a natureza dos negócios e a continuidade dessas ligações indicam uma relação complexa entre Trump e interesses russos.
Enquanto outros visitantes ilustres, como o apresentador Mr. Rogers, fizeram viagens à União Soviética sem que isso gerasse controvérsias ou comprometesse sua integridade, Trump se envolveu em negócios que, além de lucrativos, alimentaram uma rede de influência e possível vulnerabilidade. Esses fatos sugerem que a compreensão do poder e das relações internacionais não pode ser dissociada da análise das conexões pessoais, financeiras e políticas entre líderes e regimes autoritários.
É fundamental entender que a existência do kompromat e as redes de influência entre políticos, agentes de inteligência e criminosos não são fenômenos isolados, mas componentes de um sistema maior de manipulação global. As práticas de chantagem, a ocultação de informações financeiras e o uso do poder político para favorecer interesses próprios são parte de uma continuidade histórica que ultrapassa fronteiras e gera graves consequências para a democracia e o Estado de Direito. Além disso, a proteção de figuras controversas dentro dos sistemas de poder indica como o sistema pode ser usado para perpetuar desigualdades e corrupção em níveis institucionais, dificultando a responsabilização e o acesso à verdade.
Como a manipulação da realidade moldou a percepção pública e fortaleceu o autoritarismo nos EUA
A manipulação da realidade não é um fenômeno novo, mas a sua articulação e amplificação na política americana recente adquirem contornos alarmantes. A era pós-11 de setembro revelou uma tensão profunda entre a necessidade de discernir fatos e a crescente incapacidade da sociedade e da imprensa de fazê-lo. O acontecimento trágico foi apropriado como ferramenta para legitimar agendas políticas, enquanto a memória coletiva foi esvaziada pelo desencanto com a ausência de responsabilização diante das guerras subsequentes e da corrupção sistêmica. Assim, o público tornou-se vulnerável a narrativas fabricadas que confundem a verdade com o que se deseja acreditar.
A admissão explícita da fabricação da “realidade” por parte de atores do poder, como revelada na declaração de Karl Rove em 2002, marca uma ruptura epistemológica: o mundo não funciona mais conforme a realidade discernível, mas conforme a vontade dos que detêm o controle dos meios e das narrativas. Este método não se restringe a um ocultamento discreto, mas a uma construção ativa e reiterada de múltiplas realidades, que se sobrepõem e confundem o entendimento público, paralisando a capacidade crítica da sociedade. A imprensa, fragilizada pela pressão política e pela própria dinâmica midiática, frequentemente se torna cúmplice involuntária dessa estratégia, aceitando com hesitação e medo os termos do jogo impostos por aqueles que criam as “realidades”.
Donald Trump é a expressão extrema dessa lógica, assumindo sem disfarces a manipulação da verdade como instrumento político. Sua autenticidade aparente repousa, na verdade, sobre a exploração do ceticismo pré-existente da sociedade frente a elites que já se mostraram manipuladoras. O que Hannah Arendt já apontava como característica fundamental do fascismo – a mentira mais plausível do que a realidade – encontra em Trump um modelo vivo: a mentira é estruturada para ser confortável, para satisfazer expectativas prévias e reafirmar preconceitos, ao passo que a realidade verdadeira permanece inesperada e desconcertante. A ascensão de Trump, portanto, é inseparável da evolução tecnológica e cultural que viabilizou a televisão de reality shows e o espetáculo midiático, onde a “realidade” é roteirizada e a vida pessoal do personagem político se confunde com a encenação.
Programas como The Apprentice funcionaram como uma ponte entre o universo do entretenimento e a esfera política, conferindo a Trump uma legitimidade paradoxal, oriunda da exposição midiática e da identificação do público com a persona construída. Esta persona não representava audácia, mas uma impunidade criminosa sustentada por uma rede de apoio político e legal que desmontou regulamentos, corroeu a responsabilidade institucional e criou um ambiente favorável à perpetuação do autoritarismo disfarçado de democracia. A liberalização econômica e o enfraquecimento das estruturas de fiscalização abriram caminho para o domínio corporativo sobre a política, conduzido por um partido que favoreceu o autoritarismo através do desmonte das instituições.
A compreensão desse fenômeno exige ir além da mera exposição das mentiras e manipulações evidentes. É necessário reconhecer como a cultura política e midiática, ao naturalizar o espetáculo e a desconfiança cínica, contribuiu para um ambiente onde a verdade é apenas uma entre muitas versões concorrentes, e a busca pelo conhecimento factual foi substituída pela adesão emocional e pela confirmação de preconceitos. A incapacidade coletiva de discernir fatos reais está profundamente ligada a um esgotamento da confiança social e política, fruto de décadas de manipulações, omissões e falsas promessas.
É fundamental para o leitor entender que o combate a esse processo não pode se limitar à denúncia dos atores específicos ou das mentiras pontuais. Deve incluir uma reflexão crítica sobre a maneira como a mídia, a política e a cultura de massa convergiram para produzir uma crise da verdade, cuja superação depende da reconstrução de instituições sólidas, do fortalecimento da imprensa independente e da educação para o pensamento crítico. A restauração da capacidade de discernir fatos e ameaças é, portanto, uma tarefa coletiva, vital para a preservação da democracia e para a resistência ao autoritarismo disfarçado de espetáculo.
Como os Estados Autoritários Usam a Internet para Silenciar com Barulho
As chamadas “revoluções coloridas” — nome derivado das flores usadas como símbolos de desobediência não violenta — resultaram em transformações políticas ambíguas. Na Ucrânia, reformas democráticas foram seguidas por retrocessos. No Quirguistão, um autocrata foi substituído por outro. No Uzbequistão, o levante terminou num massacre. Para Putin, essas revoluções representavam uma ameaça direta: "Vemos quais foram as trágicas consequências da onda das chamadas revoluções coloridas. Para nós, isso é uma lição e um aviso. Devemos fazer tudo o necessário para que nada semelhante aconteça na Rússia." O "nós" permanece indefinido, mas naquele momento sua rede já se estendia muito além das fronteiras da Rússia, alimentada por uma máfia que se expandia pela Europa e América do Norte, aproveitando brechas financeiras e instabilidade econômica.
O Ocidente tende a valorizar protestos apenas quando estes "vencem". O ditador deposto, os mártires, os prisioneiros que viram presidentes — essas são as imagens mais celebradas. Mas a realidade é que muitos protestos falham. E falham de forma silenciosa. Em regimes repressivos, protestos fracassados raramente deixam rastros. Após o massacre de Andijon, no Uzbequistão, circulava uma piada amarga: “Pode um uzbeque participar de uma manifestação? Sim, mas só uma vez.” O humor negro era uma forma perigosa de resistência — pois reconhecer a existência do massacre era, por si só, um ato subversivo. O Estado só pode manter sua autoridade apagando as vítimas e desumanizando os corpos. Até mesmo uma piada se torna um instrumento de memória, uma reivindicação de humanidade diante da brutalidade.
Este tipo de repressão se sofisticou na era digital. Em um momento em que é mais fácil do que nunca ser apagado — digital e fisicamente —, a documentação tornou-se uma arma de sobrevivência. No entanto, o ambiente acadêmico foi lento em reconhecer a importância política da internet. No final dos anos 2000, muitos antropólogos ainda evitavam estudar comunidades online, por considerá-las fora do “campo” etnográfico tradicional. Mas para muitos dissidentes — não apenas uzbeques, mas também ocidentais — o virtual e o real estavam interligados de maneira inseparável. O mundo digital sempre foi o mundo real.
Ainda assim, a internet nunca foi uma força naturalmente democratizante. Em regimes moldados por mentiras e teorias da conspiração, ela se mostrou um terreno fértil para a desconfiança. O anonimato, a possibilidade de reinventar-se sob múltiplas identidades, o ciclo infinito de debates ressuscitados — tudo isso amplificava a paranoia coletiva. A promessa de liberdade virtual era corrompida pelas próprias estruturas de vigilância e opressão que operavam nas sombras.
Durante os anos 2010, muitos teóricos celebraram a internet como uma utopia cívica global, um espaço onde injustiças poderiam ser expostas e superadas. Mas o entusiasmo era ingênuo. Corporações como Facebook e Google foram elogiadas por seu suposto papel em revoluções — como no Irã em 2009 (a “Revolução do Twitter”) ou na Primavera Árabe (a “Revolução do Facebook”). Os verdadeiros protagonistas, os manifestantes nas ruas, foram reduzidos a notas de rodapé. Enquanto isso, as mesmas corporações acumulavam dados, capital e poder, posicionando-se como aliadas da democracia, mas operando como impérios de vigilância.
Um exemplo emblemático foi a festa organizada pelo Google em 2012 em um caravançarai no Azerbaijão, em meio ao Fórum de Governança da Internet da ONU. Ali, um blogueiro pró-governo foi colocado para debater com um opositor. Parecia um gesto nobre — dar voz à dissidência num regime autoritário — mas revelava uma profunda incompreensão de como esses regimes manipulam a liberdade digital.
O conceito de “autoritarismo em rede”, cunhado por Rebecca MacKinnon, descreve com precisão essa nova forma de repressão: a internet é aberta apenas o suficiente para que possa ser usada contra seus usuários. Em vez de censura direta, o Estado utiliza o ruído — desinformação, ataques pessoais, conspirações — como forma de silenciamento. Em vez de calar, o regime grita mais alto. O público não é proibido de falar, mas é inundado por uma avalanche de narrativas falsas que neutralizam qualquer discurso legítimo.
No Azerbaijão, dissidentes eram autorizados a se expressar online — e imediatamente punidos por isso. Dois amigos foram presos por dois anos após publicarem um vídeo satírico: um deles vestia uma fantasia de burro para ironizar as mentiras do governo sobre comércio agrícola. Uma jornalista amiga foi vítima de uma tentativa de chantagem sexual após uma agência estatal divulgar um vídeo íntimo, tentando arruiná-la publicamente. Os dois foram transformados em símbolos da punição que esperava qualquer um que ousasse usar a internet como ferramenta de resistência.
Na Rússia, a tática era semelhante. Em 2010, o jornalista Alexey Koval

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