O reposicionamento de medicamentos, também conhecido como repotenciamento, é o processo de encontrar novas aplicações farmacológicas para medicamentos que já foram licenciados e estão sendo vendidos para tratar outras doenças. Essa abordagem tem se mostrado especialmente vantajosa em contextos onde o tratamento urgente é necessário, pois aproveita os dados farmacocinéticos e toxicológicos provenientes de ensaios clínicos pré-clínicos e pós-clínicos desses medicamentos. Além disso, é uma estratégia valiosa quando os métodos tradicionais de desenvolvimento de medicamentos, com a criação de fármacos totalmente novos, não são financeiramente viáveis.

Atualmente, muitas empresas farmacêuticas estão investindo em pesquisas sobre o reposicionamento de medicamentos para o tratamento de diversos tipos de câncer. Dada a alta carga global de câncer e os custos elevados dos tratamentos, os medicamentos repotenciados oferecem uma alternativa custo-efetiva, potencialmente melhorando o acesso ao cuidado oncológico e reduzindo a necessidade de desenvolver novos fármacos. O processo tradicional de descoberta e desenvolvimento de medicamentos pode levar de 10 a 17 anos, abrangendo pesquisa, testes pré-clínicos, ensaios clínicos e aprovação regulatória. Em contraste, o reposicionamento de medicamentos pode reduzir significativamente esse tempo, permitindo que o medicamento entre diretamente na fase I dos ensaios clínicos, economizando até 7 anos de pesquisa inicial, como ilustrado na figura 1.

Medicamentos originalmente desenvolvidos para cânceres específicos ou direcionados a certos órgãos também estão sendo reposicionados para tratar outros tipos de tumores, pois muitos cânceres compartilham vias moleculares, receptores ou mecanismos de sinalização semelhantes. Exemplos incluem o imatinibe, inicialmente desenvolvido para leucemia mieloide crônica, mas que foi reposicionado para tumores estromais gastrointestinais. O everolimus, aprovado inicialmente para o câncer renal, agora é utilizado no tratamento de câncer pancreático, enquanto o docetaxel e o paclitaxel, aprovados originalmente para câncer de próstata e ovário, têm sido repotenciados para o tratamento de câncer de mama.

O reposicionamento de medicamentos pode ser realizado por meio de três abordagens principais: centrada no fármaco, centrada na doença e centrada no alvo.

Na abordagem centrada no fármaco, o foco está em encontrar novas indicações para um medicamento aprovado, que pode tratar diferentes grupos de pacientes ou condições médicas além da sua indicação original. Também pode incluir medicamentos que foram retirados do mercado devido a problemas de segurança ou questões pós-mercado, desde que mantenham eficácia para aplicações alternativas. Um exemplo disso é o ácido valpróico, tradicionalmente usado para tratar crises epilépticas e distúrbios bipolares, mas que também tem interações com proteínas envolvidas em diversos tipos de câncer, levando ao seu reposicionamento para a terapia oncológica, devido à sua capacidade de inibir o crescimento celular cancerígeno.

A abordagem centrada na doença, por outro lado, vincula medicamentos aprovados ou não-sucedidos com doenças raras que não têm tratamento disponível ou possuem terapias parcialmente eficazes. Por exemplo, o nilotinibe, um inibidor de quinase originalmente destinado ao tratamento da leucemia mieloide crônica positiva para o cromossomo Filadélfia, está sendo repotenciado para tratar tumores estromais gastrointestinais (GIST). O nilotinibe age inibindo a atividade da tirosina quinase do receptor de fator de crescimento derivado de plaquetas alfa (PDGFRα), interrompendo a via de sinalização oncogênica e o crescimento tumoral. Além disso, abordagens de triagem in-silico, incluindo inteligência artificial e redes de caminhos genômicos, têm sido usadas para reconstruir rotas específicas de doenças a partir de dados proteômicos, genômicos e genéticos, como no caso do metformina, que foi avaliada como uma terapia para a doença de Alzheimer.

A abordagem centrada no alvo foca na identificação de alvos moleculares específicos envolvidos na fisiopatologia de doenças e no uso de medicamentos existentes que afetam esses alvos novos. Um exemplo disso é o celecoxibe, um anti-inflamatório não esteroide (AINE), inicialmente aprovado para tratar artrite reumatoide e osteoartrite, mas que foi repotenciado para o tratamento do câncer. Como inibidor do COX-2, o celecoxibe tem mostrado potencial para reduzir a possibilidade de metástases em pacientes com câncer, especialmente em um contexto pré-operatório. Outro exemplo seria a clorpromazina, um antipsicótico típico que interage com o receptor de serotonina 2A (HTR2A) humano, afetando tanto as ações antieméticas quanto tranquilizantes, com implicações no tratamento de cânceres.

Por meio da combinação de abordagens bioinformáticas e ferramentas de quimioinformática, é possível realizar uma avaliação aprofundada das estruturas químicas, redes de interação fármaco-alvo, e dados provenientes de ensaios clínicos. Essas ferramentas, como a técnica de docking molecular, têm possibilitado a identificação de novos usos para medicamentos, como o remdesivir, que, após ser identificado como um potencial inibidor da Nsp12 (proteína não estrutural no gene do coronavírus), recebeu aprovação emergencial da FDA para o tratamento de infecção por COVID-19.

O reposicionamento de medicamentos também representa uma janela de oportunidade para o tratamento do câncer, uma doença globalmente prevalente e mortal, com projeções de 29,4 milhões de novos casos até 2024 e 9,9 milhões de óbitos em 2020. À medida que a pesquisa nessa área avança, torna-se evidente que a aplicação de medicamentos já aprovados, mas com novos alvos terapêuticos, tem o potencial de não apenas revolucionar o tratamento de cânceres diversos, mas também de acelerar o acesso a terapias eficazes e mais acessíveis.

Repurposing de Medicamentos Anticâncer para o Tratamento de Infecções Bacterianas: Avanços e Perspectivas

O reposicionamento de medicamentos, ou seja, a utilização de fármacos já aprovados para outras condições clínicas, tem se mostrado uma estratégia promissora no combate a infecções bacterianas, especialmente em um contexto de crescente resistência antimicrobiana. Muitos medicamentos originalmente desenvolvidos para o tratamento de câncer têm demonstrado potencial no combate a infecções bacterianas, incluindo aquelas causadas por patógenos multirresistentes. O uso de compostos anticâncer, como o nitrato de gálio, exemplifica um dos caminhos mais investigados para repor medicinas em novas áreas terapêuticas.

O nitrato de gálio, por exemplo, foi inicialmente desenvolvido para o tratamento de hipercalcemia associada ao câncer, mas seus efeitos antimicrobianos começaram a ser explorados em infecções respiratórias, especialmente em pacientes com fibrose cística. Em ensaios clínicos de fase I e II, observou-se que o tratamento com nitrato de gálio ajudou a melhorar a função pulmonar em pacientes infectados por Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria comumente associada à fibrose cística. Esse efeito foi associado à capacidade do nitrato de gálio de interferir no metabolismo do ferro das bactérias, um elemento essencial para seu crescimento e sobrevivência. De fato, uma das propriedades mais interessantes do nitrato de gálio é sua ação como análogo do ferro, o que permite que ele iniba a proliferação bacteriana ao reduzir a disponibilidade desse metal essencial.

Além disso, formas inalatórias do composto, como o AR-501 (citrato de gálio), têm sido avaliadas em estudos clínicos, demonstrando boa tolerabilidade em pacientes com fibrose cística, sem efeitos adversos significativos. O tratamento com essas formulações não apenas estabilizou a condição pulmonar, mas também foi eficaz contra infecções crônicas causadas por Pseudomonas aeruginosa. Esses achados ressaltam o potencial de drogas anticâncer como agentes antibacterianos, especialmente quando combinadas com outros antibióticos ou usados em terapias combinadas.

Apesar dos resultados promissores em estágios pré-clínicos e clínicos iniciais, o reposicionamento de medicamentos anticâncer para infecções bacterianas ainda está em estágios iniciais de desenvolvimento. Embora alguns compostos, como o nitrato de gálio, mostrem eficácia em modelos experimentais e em estudos clínicos iniciais, muitos ainda não avançaram para fases mais amplas de testes. É fundamental que mais ensaios clínicos sejam realizados para confirmar a eficácia e a segurança desses tratamentos em uma variedade maior de pacientes e para diferentes tipos de infecções bacterianas.

É importante destacar que, embora o reposicionamento de medicamentos ofereça uma solução potencialmente rápida para a crise da resistência antimicrobiana, ele também apresenta desafios significativos. As diferenças entre as doenças para as quais os medicamentos foram originalmente desenvolvidos e as infecções bacterianas requerem um entendimento profundo dos mecanismos de ação desses compostos e de como eles interagem com os sistemas biológicos envolvidos nas infecções. Além disso, a falta de regulamentação clara sobre o reposicionamento de medicamentos e a escassez de incentivos financeiros para tais pesquisas dificultam a continuidade dos estudos necessários para garantir sua aprovação definitiva.

Nos últimos anos, tem havido um número crescente de estudos sobre o reposicionamento de fármacos anticâncer para o tratamento de doenças infecciosas. Além de nitrato de gálio, outros compostos como mitomicina C, cisplatina e tamoxifeno têm sido investigados quanto à sua eficácia contra patógenos resistentes a múltiplos medicamentos. A mitomicina C, por exemplo, mostrou atividade contra Acinetobacter baumannii, um dos principais causadores de infecções hospitalares, enquanto o cisplatina tem mostrado ser eficaz na erradicação das células persister, um subgrupo de bactérias que resistem à ação dos antibióticos convencionais.

Entender a versatilidade dessas drogas é fundamental, pois elas podem atuar de maneiras inesperadas. Enquanto medicamentos como o cisplatina, que atua formando ligações cruzadas no DNA, podem ser eficazes contra células bacterianas de difícil erradicação, o tamoxifeno, com sua ação moduladora sobre o sistema imunológico, pode potencializar a resposta de células do sistema imunológico, como os neutrófilos, em sua luta contra infecções bacterianas. Com isso, esses fármacos podem não apenas agir diretamente sobre as bactérias, mas também fortalecer a defesa imunológica do hospedeiro.

Os resultados iniciais são animadores, mas é imperativo que o progresso seja sustentado por mais pesquisas rigorosas e ensaios clínicos bem desenhados. O uso de fármacos anticâncer no tratamento de infecções bacterianas é um campo emergente e, como tal, está sujeito a uma série de desafios técnicos e científicos que precisam ser abordados para que o reposicionamento de medicamentos se torne uma abordagem terapêutica amplamente aplicável.

Além disso, a interação entre diferentes fármacos e seus efeitos colaterais deve ser cuidadosamente monitorada. Embora as terapias de reposicionamento de medicamentos possam oferecer uma solução rápida para alguns dos problemas enfrentados pela medicina moderna, como a resistência antimicrobiana, elas não substituem a necessidade de desenvolvimento de novas classes de antibióticos.

Quais são os limites e os desafios atuais no tratamento das helmintíases causadas por platelmintos?

As helmintíases provocadas por platelmintos parasitas, em especial as esquistossomíases, teníases, cisticercoses e equinococoses, continuam a representar um grave desafio para a saúde pública em diversas regiões tropicais e subtropicais do mundo. Apesar dos avanços na quimioterapia antiparasitária ao longo das últimas décadas, a eficácia dos tratamentos atuais enfrenta barreiras substanciais, seja pela natureza biológica dos parasitas, seja pelo uso prolongado e muitas vezes exclusivo de um número reduzido de fármacos.

No caso das esquistossomíases, infecções causadas por trematódeos do gênero Schistosoma, o principal fármaco utilizado é o praziquantel, introduzido há mais de cinquenta anos. Sua eficácia ampla contra todas as espécies conhecidas do parasita consolidou-o como a espinha dorsal dos programas de controle da doença. Ainda assim, sua ação limitada apenas aos vermes adultos representa uma vulnerabilidade importante, uma vez que as formas imaturas do parasita permanecem não afetadas, possibilitando reinfecções frequentes e comprometedores insucessos terapêuticos em regiões endêmicas. Além disso, o uso intensivo e prolongado do praziquantel tem levantado preocupações crescentes sobre o risco de desenvolvimento de resistência ou tolerância por parte dos parasitas.

Fármacos alternativos, como oxamniquina e metrifonato, têm eficácia limitada a espécies específicas — S. mansoni e S. haematobium, respectivamente — e mecanismos de ação distintos. A oxamniquina atua por meio da geração de um intermediário que alquila macromoléculas essenciais como o DNA do parasita, enquanto o metrifonato exerce efeito inibitório sobre a acetilcolinesterase dos músculos do helminto, induzindo paralisia irreversível. Apesar disso, ambos os medicamentos também enfrentam limitações clínicas e relatos documentados de resistência.

As teníases e cisticercoses humanas, provocadas por cestódeos do gênero Taenia, em especial Taenia solium, trazem desafios distintos. A teníase, geralmente benigna, é tratada com albendazol, praziquantel ou niclosamida. Este último atua inibindo a fosforilação oxidativa e prejudicando a captação de glicose pelo parasita, levando-o à morte por exaustão energética. Em contrapartida, as cisticercoses, notadamente a neurocisticercose, são formas mais graves, resultado da ingestão de ovos do parasita que evoluem para larvas capazes de formar cistos em tecidos diversos, inclusive no sistema nervoso central.

O tratamento dessas formas císticas apresenta uma complexidade terapêutica elevada. A presença de cistos em locais como o cérebro ou os olhos impõe riscos inaceitáveis à remoção cirúrgica, tornando a quimioterapia a principal abordagem. Entretanto, o sucesso do tratamento depende de diversos fatores: localização, número, tamanho e estágio de desenvolvimento dos cisticercos. Cistos imaturos são notoriamente menos responsivos, exigindo doses elevadas e regimes prolongados com albendazol ou praziquantel. Essa abordagem acarreta efeitos adversos significativos, como toxicidade hepática e supressão medular. A destruição dos cistos pode ainda desencadear respostas inflamatórias intensas, exigindo suporte com corticosteroides e, frequentemente, anticonvulsivantes.

As equinococoses, ou doenças hidáticas, provocadas por cestódeos do gênero Echinococcus, apresentam-se em duas formas principais: a equinococose cística, causada por E. granulosus sensu lato, e a alveolar, provocada por E. multilocularis. Ambas implicam a formação de cistos larvários nos órgãos hospedeiros, predominantemente fígado e pulmões, e se distinguem pela sua morfologia — unilocular na cística, multilocular na alveolar — e comportamento clínico. A progressão insidiosa, com longos períodos assintomáticos, dificulta o diagnóstico precoce e compromete a eficácia do tratamento.

A cirurgia, embora ideal para remoção dos metacestódios, é muitas vezes inviável ou arriscada devido à localização dos cistos ou à extensão da lesão. Assim, o tratamento quimioterápico, baseado principalmente no uso de albendazol, torna-se a opção de escolha. Tal como nas cisticercoses, a natureza encapsulada dos cistos representa uma barreira à penetração eficaz dos fármacos, exigindo tratamentos prolongados e com possibilidade de recidivas. O tratamento medicamentoso raramente é curativo e, em muitos casos, assume caráter paliativo.

Além das limitações farmacodinâmicas e farmacocinéticas dos tratamentos atuais, há uma crescente preocupação com a emergência de resistência medicamentosa em todas essas doenças. O uso repetido e massivo de um número restrito de antiparasitários favorece pressões seletivas sobre os parasitas, promovendo a seleção de linhagens menos sensíveis ou francamente resistentes. Este cenário reforça a urgência de estratégias que incorporem o reposicionamento de fármacos existentes e o desenvolvimento de novas moléculas com mecanismos de ação inéditos.

Importa ainda compreender que o controle eficaz dessas parasitoses não pode repousar exclusivamente sobre a farmacoterapia. A prevenção das infecções primárias — por meio do saneamento básico, da educação em saúde, do controle de hospedeiros intermediários e da vigilância epidemiológica — é fundamental. A complexidade do ciclo de vida dos helmintos, suas interações com os ecossistemas locais e as condições socioeconômicas das populações afetadas exigem uma abordagem integrada, sustentada e interdisciplinar. Ignorar essas dimensões é perpetuar a dependência de estratégias terapêuticas que, isoladas, já demonstram sinais de esgotamento.