Em 2011, Robert Mueller, então diretor do FBI, alertou sobre uma ameaça crescente e sem precedentes que colocava em risco a democracia dos Estados Unidos e ameaçava a estabilidade global. Ele a chamou de "A Ameaça Evolutiva da Criminalidade Organizada", identificando uma mudança significativa no cenário das organizações criminosas: não mais famílias locais com uma estrutura hierárquica clara, mas redes globais, anônimas e sofisticadas, com operações transnacionais que envolvem fraudes multimilionárias, tráfico de seres humanos, violação de propriedade intelectual, e até mesmo a manipulação dos mercados de energia e metais preciosos. Em seus prognósticos, Mueller traçou um cenário onde esses criminosos, muitas vezes ex-membros de governos ou forças militares, não só se infiltram no mundo corporativo, mas também nos mais altos escalões do governo.

Esta criminalidade organizada não se limita mais à figura estereotipada do mafioso local, como no caso de "Os Sopranos", mas ganhou um caráter global, mais sofisticado e perigoso, com impactos profundos na economia mundial. Desde 2008, os Estados Unidos enfrentaram uma devastação econômica causada em grande parte por esquemas criminosos interligados que abalaram tanto as estruturas políticas quanto as financeiras do país. Em um contexto mais amplo, a corrupção desenfreada e a aliança entre grupos criminosos e políticos são partes integrantes desse novo cenário, onde a fronteira entre atividades legítimas e ilícitas desaparece com a mesma facilidade com que os criminosos transitam entre elas.

No entanto, a promessa de Mueller de que o FBI enfrentaria essa ameaça não se concretizou. Pelo contrário, a administração que se seguiu a ele, sob a liderança de James Comey, tomou decisões controversas, como a remoção de Semion Mogilevich, líder da máfia russa, da lista dos mais procurados do FBI, sem uma explicação plausível. Este movimento provocou sérias dúvidas sobre o comprometimento das autoridades em combater a criminalidade organizada em sua forma mais danosa.

O envolvimento da organização criminosa de Semion Mogilevich com o império imobiliário de Donald Trump desde os anos 1980 coloca a relação entre negócios, máfias e corrupção estatal sob uma nova luz. O presidente dos Estados Unidos, por mais que tenha se beneficiado de um sistema financeiro opaco, conseguiu construir sua base de poder por meio de alianças que mesclavam a criminalidade branca, o tráfico internacional e uma estrutura de negócios em sintonia com as necessidades de um sistema capitalista global cada vez mais propenso a abrir espaço para atividades ilícitas.

Esse fenômeno foi amplamente documentado por jornalistas investigativos, muitos dos quais sofreram censura ou até ameaças em sua busca por expor as transações obscuras de Trump. A cobertura midiática de seu passado financeiro e suas ligações com a máfia e com o Kremlin foi, em grande parte, negligenciada, em favor de narrativas simplistas ou desinformadas, como as investigações sobre os e-mails de Hillary Clinton. Esse jogo de propaganda e manipulação de informações lembra a distorção da história orquestrada por regimes totalitários, como o soviético, e traz à tona um ponto crucial: o papel das instituições de mídia na fabricação de uma história que favorece os interesses dos poderosos, enquanto desconsidera a verdade.

Ademais, o que se vê nos Estados Unidos desde os anos 1980 não é uma simples ascensão de um empresário excêntrico à presidência, mas sim um complexo entrelaçamento de corrupção, manipulação financeira e poder político que levou uma parte significativa do eleitorado a apoiar uma figura como Trump, sem compreender totalmente os custos dessa aliança com os interesses criminosos globais. Este ciclo vicioso de corrupção institucionalizada é, em última instância, uma ameaça não só à segurança nacional, mas ao próprio funcionamento da democracia.

Esses esquemas transcendem a economia de mercado, afetando diretamente a vida cotidiana dos cidadãos. O aumento de preços, as dificuldades no acesso a serviços de saúde, educação e moradia, e até mesmo os desafios econômicos globais que afetam as pequenas economias são apenas algumas das repercussões tangíveis. O que se pode perceber é que, ao contrário das pequenas infrações de antes, o crime organizado contemporâneo lida com um poder que vai além das fronteiras, envolvendo governos, empresas e entidades internacionais. O impacto dessas atividades vai desde a manipulação de mercados até a violação de direitos humanos em uma escala global, algo que, muitas vezes, o cidadão comum não percebe imediatamente, mas que está presente em cada produto que consome ou serviço que utiliza.

Para entender a verdadeira dimensão desse problema, é necessário não apenas observar a política e os negócios de uma forma isolada, mas reconhecer como o crime organizado interage com todos os setores da sociedade, e como a impunidade e a corrupção permitem que essas redes prosperem.

O Colapso das Expectativas: Como a TV Realidade e a Crise Econômica Moldaram o Início do Século XXI

Nos anos 2000, a paisagem cultural dos Estados Unidos sofreu transformações profundas, com a ascensão da TV realidade e o colapso econômico que marcaria o início de uma nova era. A série Survivor, estreada em 2000, tornou-se o protótipo da TV realidade. Não apenas divertia, mas refletia um novo ethos: a competição selvagem e impiedosa entre estranhos, prontos para se destruir mutuamente por uma chance de vencer. Esse modelo de televisão, criado por Mark Burnett, trouxe à tona a fascinante e ao mesmo tempo perturbadora dinâmica de um entretenimento baseado na manipulação humana, no qual os indivíduos eram reduzidos a peças de um jogo de sobrevivência. As implicações dessa programação transcenderam as telas, afetando a política e a sociedade de maneiras inesperadas, levando a uma busca incessante por novos heróis e vilões no palco global.

Na esteira de Survivor, Burnett tentou criar outro projeto audacioso: um programa de realidade estrelado por Vladimir Putin. O ideal de Burnett era apresentar o líder russo ao público americano sob uma luz favorável, desvinculando-o de sua imagem como autocrata e oferecendo ao espectador uma visão mais amigável e humanizada de Putin. Embora o programa nunca tenha sido realizado, o esforço de Burnett se tornou uma metáfora do período: a mídia, as figuras públicas e até mesmo os líderes mundiais foram, de alguma forma, absorvidos pela lógica de "show", na qual a construção da imagem e o espetáculo prevalecem sobre a substância política. Nos Estados Unidos, isso culminou em outro projeto de Burnett, o The Apprentice, que catapultou Donald Trump para a fama e, eventualmente, para a presidência. Através desse programa, Burnett não apenas ajudou a criar a imagem de Trump como um magnata de sucesso, mas também contribuiu para um processo mais amplo de manipulação da percepção pública, onde os limites entre realidade e ficção se tornaram perigosamente tênues.

Em 2000, eu comecei minha carreira no jornalismo com uma mistura de otimismo e inexperiência, entrando em um cenário econômico que, à primeira vista, parecia próspero. Tendo recém-completado meu diploma de artes liberais, fui contratado por um dos maiores jornais dos Estados Unidos, o New York Daily News, em um cargo que parecia um sonho para um jovem na casa dos vinte anos. Com um salário de US$ 40.000, seguro de saúde e benefícios, consegui me sustentar em Nova York com uma qualidade de vida que hoje parece inimaginável. Naquele momento, a economia parecia estar no auge, mas, rapidamente, essa sensação de prosperidade se desfez. O que na época parecia uma oportunidade promissora revelou-se um vislumbre passageiro do sonho americano, que desapareceu à medida que a crise econômica começou a se intensificar.

A recessão de 2001, seguida pela crise financeira de 2008, marcou uma virada irreversível. O jornalismo, em particular, foi um dos primeiros setores a sofrer os impactos da transformação econômica. O que antes era uma carreira promissora se tornou um campo de batalhas incertas, com a substituição de empregos fixos por contratos temporários, e a crescente prevalência de estágios não remunerados, exigindo que os profissionais pagassem por sua qualificação de maneiras cada vez mais onerosas. No setor da mídia, a queda dos salários foi brutal: artigos que pagavam US$ 1.000 no final dos anos 90 passaram a ser remunerados com menos de US$ 200, e, eventualmente, com “exposição”, uma tentativa insustentável de atrair jovens jornalistas para um trabalho que os deixava à mercê da crise econômica.

O impacto dessas transformações foi generalizado. Profissionais de diversas áreas, do direito ao varejo, passaram a enfrentar um mercado de trabalho onde a educação e a experiência muitas vezes não eram mais suficientes para garantir uma carreira sólida. O fenômeno da "credentialism" (credenciamento excessivo) ganhou força, levando à necessidade de diplomas cada vez mais avançados para cargos que anteriormente exigiam qualificações mais simples. No entanto, mesmo com essa mudança, as portas continuaram a se fechar, com elites ricas garantindo empregos para seus filhos em áreas onde, teoricamente, a meritocracia deveria prevalecer.

O verdadeiro impacto desse cenário não foi percebido imediatamente, mas, à medida que as décadas avançaram, ficou claro que as promessas feitas às gerações mais jovens se tornaram vazias. O futuro que nos venderam nunca chegou, substituído por um presente de dívidas crescentes, incertezas econômicas e expectativas frustradas. Esse processo de desilusão foi particularmente evidente nas cidades grandes, como Nova York, onde os custos de vida dispararam, tornando impensável o estilo de vida que foi possível na virada do milênio. Em 2010, os salários não só estagnaram, mas os profissionais eram forçados a pagar por oportunidades que antes eram conquistadas com esforço e dedicação.

Além disso, a década de 2000 viu uma mudança fundamental na maneira como os cidadãos americanos passavam a perceber o sistema político. O início do milênio foi marcado pela crise eleitoral de 2000, quando a disputa presidencial entre Al Gore e George W. Bush foi decidida de maneira controversa, levando muitos a perderem a fé no processo democrático. A sensação de insegurança também se espalhou após os ataques de 11 de setembro de 2001, que minaram a confiança do público na segurança nacional e abriram caminho para políticas externas cada vez mais polarizadas. A crise econômica de 2008 foi o catalisador que culminou em uma revolução na maneira de se ver tanto a política quanto a mídia, com a ascensão de figuras públicas como Donald Trump e o advento de um novo tipo de celebridade política, cujos valores e estratégias muitas vezes se confundiam com os dos reality shows. O colapso de uma era econômica que parecia promissora foi, portanto, apenas o reflexo de uma sociedade que havia se afastado das bases sólidas de trabalho, responsabilidade e justiça social, substituindo-os por uma busca incessante por reconhecimento, imagem e espetáculo.

Como a desinformação, o medo e a impunidade moldaram uma nova realidade política nos EUA?

A entrada de Paul Manafort na campanha presidencial de Donald Trump, em 2016, foi imediatamente alarmante para alguns que conheciam seu histórico — entre eles, as irmãs Chalupa, americanas de origem ucraniana. Manafort, figura sombria e influente nos bastidores da política global, já havia deixado sua marca no caos político da Ucrânia e era conhecido por atuar a serviço de regimes autoritários em troca de dinheiro sujo. Alexandra Chalupa, então pesquisadora associada ao Comitê Nacional Democrata, alertou tanto seu partido quanto o FBI sobre a ameaça que representava a presença de Manafort na campanha, especialmente considerando as suspeitas de que agia em nome da Rússia.

Esses alertas se mostraram fundados com a publicação, no verão de 2016, de mais de vinte mil e-mails roubados do DNC pelo WikiLeaks, um ataque cibernético que seria posteriormente confirmado pelo Relatório Mueller e resultaria em múltiplas acusações criminais contra Manafort. A extensão dos crimes de Manafort era tamanha que ele enfrentava, inicialmente, a possibilidade de mais de trezentos anos de prisão. No entanto, o sistema mostrou-se vulnerável: o juiz responsável pelo caso, T. S. Ellis, foi ameaçado a ponto de precisar de proteção dos US Marshals. O júri também foi alvo de intimidações, o que levou Ellis a manter seus nomes em sigilo por temer por suas vidas. Ainda assim, o julgamento levou à condenação de Manafort — que rapidamente tentou negociar um acordo com o promotor especial Robert Mueller, apenas para violá-lo pouco depois.

No momento da sentença, Ellis causou indignação nacional ao descrever Manafort como alguém que levara uma “vida irrepreensível”, reduzindo sua pena de forma substancial e abaixo das diretrizes recomendadas. A resposta institucional a essa leniência foi inexpressiva: as investigações éticas subsequentes foram arquivadas, e ninguém foi responsabilizado pelas ameaças à integridade do processo judicial. Esse padrão — o abandono de quem tenta confrontar o poder — se repetiria com outras figuras.

Alexandra Chalupa foi uma das primeiras americanas a sofrer represálias por investigar as conexões ilícitas entre a campanha de Trump e operadores ligados ao Kremlin. Ao longo de 2016, sua vida foi marcada por invasões à sua casa e ao seu carro, perseguições, telefonemas ameaçadores e atos contínuos de intimidação, numa tentativa evidente de silenciá-la. Com a acusação formal de Manafort em 2017, a equipe de Trump tentou inverter a narrativa, acusando Chalupa de ser a verdadeira ameaça por suas investigações independentes sobre as conexões ucranianas de Manafort — um esforço que ela havia iniciado com o intuito de proteger a segurança nacional dos Estados Unidos.

Entre os que se voltaram contra Chalupa estavam figuras centrais do trumpismo e do aparato midiático conservador, como Rudy Giuliani, Sean Hannity, o Kremlin e até Matthew Whitaker, que viria a ser procurador-geral interino e que, segundo relatos, foi instruído por Manafort a alvejá-la mesmo após este já estar sob investigação do FBI. Mesmo da prisão, Manafort teria continuado a agir contra Chalupa, o que se torna crível diante das acusações adicionais que enfrentou por crimes cometidos enquanto encarcerado — tendo mantido acesso à internet de forma inexplicável.

Andrea Chalupa, irmã de Alexandra, também passou a ser alvo de ataques coordenados. Como parceira em um podcast e ativista, ela enfrentou ameaças de morte contínuas. Ao longo dos anos, esses ataques variaram em intensidade, obrigando-a a contratar segurança privada para eventos públicos, ainda que sem condições de manter essa proteção no cotidiano. A intimidação tornou-se parte da vida — um preço pago por denunciar as engrenagens autoritárias disfarçadas de normalidade institucional.

A percepção mais brutal, nesse processo de degradação democrática, é a de que, uma vez capturado o governo por operadores corruptos, não há a quem recorrer. O sistema, comprometido por dentro, torna-se impermeável à justiça. As motivações variam — poder, legado, dinheiro, segurança — mas o resultado é o mesmo: abandono do interesse público. Em novembro de 2016, o FBI passou a adotar um comportamento estranho, promovendo elogios ao pai de Trump, Fred Trump, enquanto liberava arquivos comprometedores sobre os Clinton. Ao mesmo tempo, vozes como a de Steve Pieczenik, ex-oficial do Departamento de Estado, proclamavam abertamente que um golpe havia ocorrido com ajuda do FBI, e que Obama havia "se rendido".

Essas alegações, mesmo quando emitidas por figuras vistas como radicais ou delirantes, não podem ser descartadas como irrelevantes. Em regimes autoritários, a desinformação cumpre funções estratégicas: aterrorizar opositores e galvanizar seguidores. O desprezo por esses discursos ignora sua eficácia como ferramenta política. Trump, conspiracionista por natureza, construiu seu poder cercado de outros conspiracionistas, e suas estratégias tornaram-se centrais para o funcionamento do novo regime.

No século XXI, o estilo paranoico de política tornou-se altamente manipulável por elites que, desprovidas de autonomia moral, instrumentalizam os sentimentos mais instintivos da população. Como alertava Richard Hofstadter em 1964, uma minoria bem organizada, ativa e financiada pode criar um clima político no qual a racionalidade se torna impossível. Essa minoria infiltrou-se nas instituições ao longo de décadas, corrompendo-as por dentro até fundir-se a elas. Assim, as denúncias de corrupção passaram a ser vistas como delírios conspiratórios, enquanto o centro político ruía sob o peso de sua própria inércia.

Em 8 de novembro de 2016, quando Trump foi declarado vencedor e o Partido Republicano conquistou o Senado em margens que contradiziam as previsões, a suspeita tornou-se realidade. Ataques cibernéticos russos aos sistemas eleitorais foram confirmados em todos os cinquenta estados, e as provas mais contundentes vieram de uma jovem denunciante da NSA, Reality Winner. Ao entregar documentos ao site The Intercept, acabou sendo identificada e presa, vítima de um sistema mais preocupado em proteger os corruptores do que os que os expõem.

A verdade, quando enterrada sob o peso da desinformação, exige leitores que saibam decifrar o absurdo — e estes são os primeiros a serem desacreditados. Não há mais uma narrativa "normal". Há apenas fragmentos de uma realidade reconfigurada pelo medo, pela propaganda e pela impunidade. Quando a lucidez é tratada como loucura, e a verdade como conspiração, resta apenas resistir enquanto ainda é possível falar.

Como o Colapso da Verdade nas Redes Sociais Afeta a Democracia Global?

No contexto atual, as redes sociais desempenham um papel fundamental na formação de opiniões, disseminação de informações e, especialmente, na configuração de narrativas políticas. A propagação de notícias falsas, manipulação de informações e a luta pela supremacia digital tornaram-se fenômenos que transcendem fronteiras geográficas e ideológicas. A influência das plataformas de mídia social, alimentada pela constante evolução da tecnologia e das estratégias de controle de informação, está remodelando a estrutura de poder global. Um dos exemplos mais emblemáticos desse fenômeno foi a interferência russa nas eleições dos Estados Unidos em 2016, cujas ramificações continuam a ser sentidas até hoje.

Em um artigo de Jaron Lanier, intitulado "The Hazards of Nerd Supremacy: The Case of WikiLeaks", o autor discute como a busca pelo domínio do espaço digital não apenas cria uma desigualdade de poder, mas também distorce a verdade. WikiLeaks, como exemplo, tornou-se um símbolo da busca por um novo tipo de transparência, mas também da manipulação de informações para fins políticos. Lanier argumenta que os efeitos colaterais de tal supremacia digital são vastos, afetando não apenas a política, mas também as relações sociais e a confiança pública nas instituições. A informação, quando não é contextualizada ou manipulada de forma ética, deixa de ser uma ferramenta de conhecimento e passa a ser uma arma de influência e manipulação.

A guerra cibernética moderna, exemplificada pela atuação da Rússia, está longe de ser apenas uma questão de espionagem ou hacking. Ela envolve a criação de narrativas fictícias, a disseminação de memes e a manipulação de emoções através de plataformas como o Twitter e o Facebook. O uso de bots e algoritmos para amplificar divisões políticas e sociais não é mais uma teoria distante, mas uma realidade que afeta eleições, como vimos na manipulação das eleições dos EUA em 2016, e outros eventos geopolíticos ao redor do mundo. Sarah Kendzior, em sua análise da propaganda nas redes sociais russas, destaca que as estratégias de desinformação estão "ocultas à vista", espalhando-se de maneira insidiosa entre os usuários, que muitas vezes não reconhecem o que está em jogo. A falta de uma regulação eficaz sobre as plataformas digitais contribui para a perpetuação desse ciclo de desinformação.

A transformação das redes sociais em campos de batalha para as guerras ideológicas e políticas tem um impacto devastador sobre a confiança pública. A confiança nas instituições tradicionais, como o governo e a mídia, tem sido minada por um fluxo constante de informações contraditórias, falsas ou distorcidas. Em um artigo de Ivan Sigal, ele questiona o quanto de "verdade" realmente sabemos sobre eventos documentados, como a guerra na Síria, e como nossa compreensão dos fatos está cada vez mais fragmentada e polarizada. A ideia de "sabemos tudo, mas ao mesmo tempo sabemos muito pouco" reflete a complexidade do fenômeno da sobrecarga de informações e da manipulação digital. A informação, muitas vezes, não é mais um meio para formar uma visão clara da realidade, mas sim uma ferramenta que se presta a diversos objetivos, seja para gerar cliques, para manipular votos ou para espalhar ódio.

Além disso, a relação entre as redes sociais e a violência também merece atenção. A ascensão da violência como meme, como observado no caso do massacre em Christchurch, na Nova Zelândia, evidencia a convergência entre a radicalização online e as ações no mundo real. O que antes poderia ter sido uma ideologia marginal ou uma crença isolada se transforma, nas plataformas digitais, em um movimento organizado, com amplo alcance e, frequentemente, com consequências devastadoras. As manifestações de violência não são mais apenas um reflexo de tensões sociais pré-existentes, mas também o produto de narrativas criadas e espalhadas digitalmente, onde o anonimato e a ausência de responsabilização contribuem para a escalada do ódio.

Por outro lado, as redes sociais também têm sido palco para uma série de mobilizações e protestos, como os observados em Ferguson, nos Estados Unidos, durante os protestos contra a brutalidade policial. A visibilidade que as plataformas digitais proporcionam para questões sociais permite que aqueles que antes eram marginalizados tenham sua voz ouvida. No entanto, ao mesmo tempo, essa visibilidade também abre espaço para a vigilância, a manipulação e a repressão. A forma como o poder político e econômico utiliza a tecnologia para monitorar, dividir e controlar a opinião pública é um reflexo da complexidade e da dualidade do impacto das redes sociais.

A luta pela verdade nas redes sociais é uma batalha em constante evolução, onde os limites entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio são frequentemente confusos e imprecisos. A persistência de narrativas manipuladas, a capacidade das plataformas digitais de amplificar divisões e a constante tentativa de governos e corporações de controlar a informação são fenômenos que exigem um olhar atento e uma reflexão profunda sobre o futuro da democracia. O equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção contra a desinformação será um dos maiores desafios das próximas décadas, e a forma como a sociedade lidará com essa questão determinará o destino da própria democracia.

Como o Crime Organizado Transnacional Emerge no Cenário Político Global e o Impacto da Autocracia

O crime organizado transnacional tem evoluído de forma alarmante ao longo das últimas décadas, crescendo em complexidade e poder. Não se limita mais a atividades ilícitas típicas, como tráfico de drogas ou contrabando, mas se tornou uma rede de influência que permeia instituições políticas e econômicas de todo o mundo. Organizações criminosas de diversas origens, como a máfia italiana, a máfia russa e cartéis latino-americanos, se entrelaçam com figuras políticas de alta influência, estabelecendo vínculos que desestabilizam não só a segurança nacional, mas também as democracias globais.

A interseção do crime organizado com as políticas nacionais e internacionais não é um fenômeno novo, mas tem se intensificado com a ascensão de líderes autoritários e populistas que buscam manter o poder a qualquer custo. Um exemplo claro disso pode ser encontrado na administração de Donald Trump, cujas relações com figuras de negócios questionáveis e potenciais contatos com agentes russos resultaram em investigações que expuseram as práticas de corrupção e manipulação de poder. As figuras políticas, como Paul Manafort e outros associados de Trump, estão conectadas diretamente com oligarcas russos, conhecidos por sua influência nas transações políticas e econômicas internacionais. Esses laços não são apenas questões de corrupção individual, mas refletem uma rede muito maior de interesses que controlam decisões de grande escala.

O conceito de "triângulos de ferro", abordado por Robert Mueller em seu discurso sobre a evolução da ameaça do crime organizado, ilustra bem como esse tipo de crime se integra ao poder político. Em muitos países, governos e organizações criminosas não operam separadamente, mas em uma simbiose perigosa onde ambos se beneficiam da manutenção do status quo. A ampliação da corrupção, a manipulação da mídia e o financiamento de campanhas por meio de "dinheiro escuro" são apenas alguns dos mecanismos usados para fortalecer essas redes.

Além disso, o fenômeno do autoritarismo moderno está intrinsecamente ligado ao fortalecimento dessas redes criminosas. A ascensão de autocratas como Viktor Orbán e Recep Tayyip Erdoğan, bem como o envolvimento de autocratas sauditas e russos em questões internacionais, mostra como o crime organizado transnacional se torna um pilar fundamental para a estabilidade de regimes autoritários. A falta de fiscalização e a repressão a qualquer oposição criam um ambiente propício para que essas redes operem livremente, sem o risco de grandes repercussões.

Esses processos podem ser vistos claramente nas intervenções da Rússia nas eleições de 2016 nos Estados Unidos e na manipulação das mídias sociais para moldar a opinião pública, um exemplo claro da utilização de tecnologias de desinformação como ferramenta de controle político. A disseminação de teorias conspiratórias, como as associadas ao "QAnon" e "Pizzagate", reflete não apenas uma ameaça à verdade, mas também um ataque direto à coesão social e à confiança nas instituições democráticas. O impacto dessas estratégias pode ser devastador, criando uma narrativa alternativa que confunde a população e a afasta dos valores fundamentais da democracia.

Além disso, a reação do Ocidente frente ao crescente poder das oligarquias russas e à influência de potências autoritárias tem sido mista. Enquanto algumas lideranças, como as de Barack Obama, tentaram implementar medidas como a Lei Magnitsky, visando limitar o poder dessas redes criminosas, outros governos demonstraram um certo grau de complacência ou até apoio, seja por interesses econômicos ou por afinidades ideológicas com esses regimes.

A relação entre as oligarquias, os cartéis de drogas, as redes terroristas e as elites políticas está se tornando cada vez mais estreita. O conceito de "kleptocracia" — onde os líderes usam o poder político para enriquecer a si mesmos e seus aliados — está na base dessa dinâmica. O papel de figuras como Vladimir Putin, que utiliza sua rede de oligarcas para consolidar seu poder interno e influenciar a política internacional, exemplifica como o crime organizado pode se infiltrar na política de uma maneira que enfraquece a soberania dos estados e a confiança nas instituições democráticas.

Porém, a ameaça do crime organizado transnacional não se limita a um único regime ou região. A expansão desse fenômeno reflete um padrão global, onde a influência de organizações criminosas vai além das fronteiras nacionais, operando em redes complexas de corrupção e poder que transcendem os limites da lei e da ordem. Em muitos casos, a economia globalizada oferece a essas organizações a infraestrutura necessária para operar de forma eficaz, enquanto o enfraquecimento da governança internacional cria um vácuo de poder que é facilmente explorado.

Portanto, é crucial entender não só a interligação entre crime organizado e autoritarismo, mas também o impacto que isso tem na democracia, na liberdade e nos direitos humanos. As instituições que deveriam ser as defensoras da justiça estão frequentemente em parceria com esses grupos, seja por corrupção, seja por pressão política. As democracias precisam reavaliar suas políticas externas e internas para lidar com essas ameaças de forma eficaz, estabelecendo mecanismos de controle e transparência que possam combater as redes transnacionais de crime de forma sólida e sistemática.