O conceito de introdução deliberada de falhas no ambiente de produção, como exemplificado pelo "Chaos Monkey" da Netflix, tem ganhado cada vez mais popularidade no desenvolvimento de software, em especial no universo do DevOps. O Chaos Monkey é uma ferramenta que simula falhas em sistemas para testar a resiliência de aplicações e infraestrutura. Contudo, o que inicialmente poderia parecer uma abordagem radical, tem se mostrado um método eficaz para criar sistemas robustos e menos suscetíveis a falhas inesperadas.

O "Simian Army", conjunto de ferramentas desenvolvido pela Netflix, vai além do Chaos Monkey, simulando problemas mais complexos e abrangentes, como a queda de zonas inteiras de disponibilidade na infraestrutura da Amazon. A ideia central dessa abordagem é permitir que falhas ocorram, mas dentro de um controle rigoroso que só permite que tais falhas aconteçam durante o expediente, quando há desenvolvedores e gerentes de plantão para responder rapidamente aos incidentes. Esse processo visa não apenas testar a capacidade de resposta da equipe, mas também preparar o sistema para lidar com falhas de forma eficiente e autônoma.

O impacto dessa filosofia no desenvolvimento de software é profundo. No ambiente de produção da Netflix, os desenvolvedores não apenas escrevem código, mas vivem em um ecossistema de instabilidade constante, onde a falha é inevitável. Isso os força a criar sistemas que são modulares, testáveis e resilientes, capazes de suportar falhas inesperadas de backend desde a sua concepção. Em outras palavras, o processo de desenvolvimento em si é ajustado para otimizar a qualidade do código ao criar uma cultura em que a falha é tratada como uma oportunidade de aprendizado, em vez de uma calamidade a ser evitada.

Além disso, o uso do Chaos Monkey e do Simian Army reflete uma visão mais ampla sobre a liberdade e a responsabilidade no processo de desenvolvimento. Como o próprio Tony Bradley descreve, o uso dessas ferramentas na Netflix não apenas facilita a criação de sistemas mais resilientes, mas também coloca nas mãos dos desenvolvedores e das equipes a responsabilidade por resolver problemas rapidamente, sem perder o controle sobre a operação como um todo. A liberdade de testar falhas e a responsabilidade de corrigir as falhas rapidamente se complementam, formando a base de uma cultura sólida de DevOps.

Embora a escala do que a Netflix faz seja difícil de emular por outras empresas, a ideia de introduzir falhas em ambientes de produção tem sido adotada em menor escala por outras organizações. Um exemplo interessante é o "Failure Friday" da PagerDuty, uma prática onde falhas são introduzidas propositadamente para testar a resiliência do sistema, assim como a eficácia do monitoramento, dos logs e dos processos internos. Essas práticas ajudam as empresas a se prepararem para falhas reais, promovendo um ambiente onde o erro é visto não como uma falha do sistema, mas como uma oportunidade de fortalecimento.

Entretanto, a introdução de falhas controladas não se limita a ferramentas como o Chaos Monkey. Há também a incorporação de inteligência artificial para melhorar o processo de testes e otimização de sistemas. Um exemplo disso é a empresa King, responsável pelo famoso jogo Candy Crush Saga. Ao integrar inteligência artificial no processo de testagem, a empresa desenvolveu um bot que emula a jogabilidade estratégica de um usuário real, validando novos níveis do jogo de forma mais eficiente do que os testes tradicionais. O bot é capaz de fornecer feedback instantâneo sobre o desempenho do jogo e sugerir ajustes antes que a atualização seja liberada para o público, permitindo uma experiência de usuário mais refinada e menos dependente de testes manuais.

O uso de IA nesse contexto não se limita à validação de novos níveis. A tecnologia também é usada para otimizar níveis existentes, garantindo que a experiência do jogador seja sempre ajustada com base em dados reais. Esse tipo de automação não apenas acelera o processo de desenvolvimento, mas também torna a equipe de desenvolvedores mais eficiente ao remover tarefas repetitivas e demoradas. Como resultado, a King consegue garantir que a dificuldade dos jogos seja ajustada de forma dinâmica e mais precisa, com base no comportamento real dos usuários.

Ao combinar ferramentas como o Chaos Monkey e o Simian Army com abordagens baseadas em inteligência artificial, as empresas estão criando novos padrões de qualidade e resiliência no desenvolvimento de software. A constante introdução de falhas e a automação dos testes permitem não apenas a criação de sistemas mais robustos, mas também um ambiente de desenvolvimento mais ágil, onde a qualidade é constantemente aprimorada, e onde falhas não são temidas, mas esperadas e tratadas de maneira construtiva.

Adotar essa filosofia significa aceitar que a falha é parte do processo e deve ser encarada com responsabilidade e preparação. As empresas que integram essas práticas no seu cotidiano de desenvolvimento não só aumentam a qualidade do software, mas também promovem uma cultura onde a inovação e a adaptação constante são o caminho para o sucesso a longo prazo.

Como Desenvolver uma Estratégia de Testes Eficaz em Equipes Multifuncionais

É comum pensar que o testador especializado é a única pessoa em uma equipe multifuncional capaz de definir uma estratégia de testes, já que este é o campo de sua habilidade. Contudo, o método pelo qual essa estratégia é decidida e compartilhada é crucial. Um testador que não esclarece para sua equipe como chegou às decisões estratégicas está assumindo um alto nível de risco ao tomar posse de escolhas que podem não ser suas para fazer. Durante o processo de testes, um testador especializado faz escolhas conscientes que podem alterar a estratégia de testes da equipe. Eles estão constantemente ponderando sobre os trade-offs entre adotar uma prática em vez de outra, as implicações para a cobertura de testes e o impacto na qualidade geral do produto. No entanto, muitas vezes essas decisões são tomadas de forma individual, sem que a estratégia seja compartilhada com a equipe.

Em uma equipe ágil, pode-se considerar que os testes estão abertos a todos, mas o pensamento estratégico sobre os testes nem sempre é compartilhado. Isso pode resultar em pessoas realizando testes sem entender o porquê de suas escolhas, o que compromete o alinhamento do time. Para resolver esse problema, a realização de uma retrospectiva da estratégia de testes é uma excelente ferramenta, pois ajuda a equipe a entender a estratégia de testes que está sendo aplicada e as decisões que a fundamentam.

A retrospectiva da estratégia de testes tem como objetivo envolver todos os membros da equipe, incluindo aqueles que não são testadores, para que reflitam sobre os tipos de testes que estão ocorrendo e os motivos por trás dessas escolhas. Esse processo deve durar cerca de uma hora e deve ser facilitado pelo testador especializado, que deve se abster de criar a visualização da estratégia para evitar que a opinião do facilitador domine o processo. Ao invés disso, todos devem ter a oportunidade de contribuir. Para conduzir a retrospectiva, é necessário um espaço onde todos os membros da equipe possam estar presentes, como uma sala de reuniões com uma mesa grande ou uma parede vazia, onde possam ser colocados post-its de cores diferentes.

O primeiro passo para a visualização é deixar claro o objetivo da atividade: criar uma representação da estratégia de testes, de modo que todos na equipe tenham uma compreensão compartilhada sobre o que está sendo testado e por quê. Colocam-se dois post-its, um rotulado “IDEIA” e o outro “PRODUÇÃO”, nos cantos superiores esquerdo e direito da superfície, criando uma linha do tempo que reflete o processo de desenvolvimento de software, desde a concepção da ideia até o produto final. Os post-its coloridos terão os seguintes significados: roxo – está em nossa estratégia de testes e está sendo feito, rosa – está em nossa estratégia de testes, mas não está sendo feito, amarelo – não está na nossa estratégia de testes, mas deveria estar. Cada membro da equipe deve então posicionar seus post-its na linha do tempo, no ponto que acredita ser o adequado para a realização de uma determinada atividade de teste. Ao final de alguns minutos, haverá uma disposição aleatória de post-its, que a equipe deve organizar para agrupar atividades de teste com o mesmo nome, acordando a colocação dessas atividades na linha do tempo. Quando a equipe estiver satisfeita com a visualização, ou quando a conversa começar a se repetir, o facilitador pode encerrar a atividade.

Após a visualização, a discussão sobre a estratégia de testes deve ser conduzida, utilizando algumas perguntas direcionadoras. Entre elas, destacam-se: Existem agrupamentos de post-its com cores diferentes? Por que isso ocorre? Algumas pessoas utilizaram terminologias diferentes para se referir a atividades de teste semelhantes? Quais atividades da estratégia de testes não estão sendo implementadas? Por que? Existem atividades faltando na estratégia? A equipe deseja incluí-las? Essas questões podem revelar mal-entendidos sobre o estado atual dos testes, além de destacar as decisões que moldaram a estratégia atual. A visualização é um produto coletivo, o que faz com que a equipe se sinta mais investida no processo.

Quando apliquei essa técnica em uma equipe, uma discussão interessante surgiu. O teste end-to-end apareceu em todos os três tipos de post-its: alguns acreditavam que estava na estratégia de testes e sendo feito, outros pensavam que estava na estratégia, mas não estava sendo realizado, e outros ainda consideravam que não fazia parte da estratégia. A equipe trabalhava em uma arquitetura complexa que envolvia vários sistemas internos e de terceiros. As diferentes cores dos post-its indicaram discordâncias sobre o que exatamente significava “teste end-to-end” em seu ambiente.

Outra situação reveladora aconteceu com termos como “teste manual”, “teste exploratório” e “teste de aceitação”. Quando questionados, a equipe percebeu que estavam usando esses termos de forma intercambiável, o que estava criando confusão. Decidiram, então, estabelecer um termo único: “teste exploratório”. Também foi observado que, embora a maioria dos membros acreditasse que os testes unitários estavam sendo realizados, alguns discordavam disso, inclusive desenvolvedores. A retrospectiva revelou que uma parte da arquitetura não era adequada para testes unitários, algo que a equipe de negócios e os testadores não sabiam.

Além dessa abordagem, existe uma variação no processo, que foi desenvolvida por Sean Cresswell. Ele sugeriu que cada membro escrevesse post-its com atividades de teste, e a cor de cada post-it representava o papel do responsável pela atividade: testador, desenvolvedor ou outros. Esses post-its seriam então colocados em uma matriz, mostrando a frequência atual das atividades de teste comparada à frequência ideal. Essa abordagem pode gerar discussões diferentes, pois compara os testes atuais com o ideal, ao invés de comparar com uma estratégia previamente estabelecida. Foca-se mais em quem realiza as atividades, o que pode, por um lado, reduzir a propriedade coletiva sobre o processo de testes, mas, por outro, pode ser uma oportunidade para reconhecer as contribuições interdisciplinares, como ocorreu com Gary Miller. Ele se surpreendeu ao ver uma grande quantidade de post-its na cor que representava a contribuição dos desenvolvedores, algo que ele não tinha percebido antes. Isso destacou a importância de valorizar as contribuições dos desenvolvedores nos testes, o que pode passar despercebido sem uma análise mais aprofundada.

Num ambiente de equipe multifuncional onde qualquer pessoa pode realizar testes, é essencial que todos compartilhem uma compreensão não apenas das práticas de teste, mas também da estratégia de testes subjacente. Acordo sobre as atividades de teste garante que qualquer membro da equipe que realize uma tarefa de teste compreenda o contexto mais amplo em que está operando, facilitando a definição dos limites de sua tarefa: o que deve ser testado e o que pertence a outra atividade.