As representações midiáticas cuja forma estética enfatiza a lógica da opaca hipermedialidade, em oposição à lógica da imediata transparência, podem ser observadas em uma ampla gama de formas convencionais de mídia, incluindo textos literários (digitais e não digitais), quadrinhos, animação, fotografia, filmes, séries e jogos. Este fenômeno, mais do que uma simples tendência estética, reflete a evolução das práticas e dos meios, adaptando-se à ascensão das tecnologias digitais e suas implicações para a percepção visual.
Particularmente, o foco desta discussão recai sobre as estéticas pós-digitais proporcionadas pelos geradores de imagens com IA baseados em difusão, como o DALL·E, Midjourney ou Stable Diffusion. Esses sistemas não apenas produzem imagens com um conteúdo representacional específico – frequentemente descrito como o "assunto" da imagem – mas também geram uma forma estética definida por um estilo visual, caracterizado de maneira frequentemente flexível, conforme a necessidade do usuário. Esse estilo pode tanto evocar a história da arte clássica, como também pode se referir às qualidades estéticas de produtos da cultura popular ou até mesmo ao visual associado a gêneros específicos de mídia, como filmes de ficção científica ou ilustrações em quadrinhos.
Meyer observa que essa relação entre o "assunto" e o "estilo" é crucial para entender a lógica subjacente ao uso desses geradores de IA. Ele argumenta que a noção de estilo se expande radicalmente nesse contexto, ao ponto de eliminar as barreiras hierárquicas tradicionais entre estilos de épocas ou artistas canônicos. Em outras palavras, no universo das IAs geradoras de imagens, a ideia de "estilo" não é fixa, mas sim fluida, configurando-se por padrões visuais típicos que transcendem a codificação artística clássica.
De fato, pode-se compreender as imagens geradas por IA como o resultado de processos de remediação, no qual o conteúdo gerado é uma mistura de dados e algoritmos, sendo, ao mesmo tempo, uma reinterpretação do que já foi anteriormente produzido em termos visuais. A produção de imagens geradas por IA, como as do DALL·E 2, é descrita por Bolter como um "remix algorítmico" ou uma "remediação" que redefine a produção de imagens em um contexto tecnológico altamente sofisticado. Essa produção não segue mais o paradigma da transparência da fotografia, mas adota a lógica da hipermedialidade, que enfatiza a estrutura e os elementos de mídia, muitas vezes distantes daquilo que tradicionalmente seria considerado realista ou imediato.
As imagens geradas por IA não são simplesmente representações de um "mundo real", mas sim uma reconstrução digital filtrada por uma vasta rede de dados sociais e culturais. Salvaggio, por exemplo, sugere que toda imagem gerada por IA é, essencialmente, uma infografia sobre o banco de dados subjacente, revelando as camadas de codificação cultural e social que informam a IA. Isso implica que, ao criar essas imagens, os geradores de IA estão, na verdade, traduzindo um mundo de dados e estéticas amplamente influenciado pela cultura visual contemporânea.
Ao aplicar esse conceito aos geradores de IA como DALL·E, observa-se que a interação com esses sistemas, por meio de comandos textuais, remonta a uma lógica de "consulta de busca" no vasto espaço latente das possíveis imagens. Ou seja, cada comando inserido no sistema direciona o modelo a uma região específica dessa "realidade digital", onde uma representação visual é gerada com base nas instruções fornecidas. Isso nos faz perceber que, em certo sentido, cada imagem gerada por IA é uma tradução das preferências culturais e estéticas de uma sociedade interconectada, refletindo as tendências e representações mais prevalentes no mundo digital.
Porém, ao focarmos especificamente no uso de imagens geradas pelo DALL·E, por exemplo, é interessante notar como certas noções visuais, como a de um cavalo galopando, se estabilizam ao longo do tempo. Isso nos permite observar a variação na forma estética das imagens geradas, em vez de focar apenas nas diferenças no conteúdo representacional. O processo de experimentação com essas imagens ao longo do tempo revela nuances interessantes sobre como as IAs interpretam elementos culturais e visuais comuns, criando um espaço de possibilidade estética que antes era inimaginável nas formas de mídia tradicionais.
Ainda que a popularidade de determinados termos como "estilo" e "assunto" seja relevante, talvez seja mais prudente entender que a diferença entre o conteúdo representacional e a forma estética nas imagens geradas por IA não deve ser completamente confundida com a distinção entre o "assunto" e o "estilo" dessas imagens. Ambos os termos, quando usados isoladamente, podem ser limitantes e imprecisos. A complexidade da produção de imagens digitais envolve uma rede de significados, influências e referências que não são imediatamente evidentes, exigindo uma análise mais profunda da forma como a IA manipula essas camadas para gerar novos tipos de representação.
Nesse contexto, a obra de arte gerada por IA se torna não apenas um objeto visual, mas também um reflexo das complexas dinâmicas sociais, culturais e tecnológicas que permeiam o processo de sua criação. Essas imagens, ao serem filtradas através de algoritmos, revelam um panorama detalhado do que somos e do que acreditamos, traduzido em uma linguagem visual acessível a qualquer pessoa com o conhecimento adequado para interagir com essas ferramentas.
Ao considerar a estética pós-digital, é fundamental perceber que os geradores de imagens com IA não apenas replicam o mundo, mas também nos mostram como as representações visuais podem se transformar à medida que a tecnologia redefine o processo de criação e interpretação. Eles nos convidam a questionar nossa própria relação com a mídia e a estética, forçando-nos a reavaliar as fronteiras entre o real e o virtual, o tradicional e o inovador.
A Estética Pós-Digital e Imagens Geradas por IA: Como as Representações Visuais Desafiam a Percepção e a Imagem
A questão da "forma do conteúdo" das imagens geradas por inteligência artificial (IA) toca em um campo emergente que não apenas questiona os limites tradicionais da estética, mas também revela a complexidade subjacente das representações visuais no contexto digital. As imagens geradas por IA, como as criadas por plataformas como o DALL·E, não são simples reproduções de formas ou conteúdos preexistentes, mas entidades que trazem consigo um novo tipo de "gestalt", um formato perceptível da representação que se distancia das convenções estéticas estabelecidas.
Ao analisar a produção estética das IAs, não se trata apenas de examinar as imagens finais, mas também de considerar o contexto e os "paratextos" que envolvem a criação dessas imagens. Esses paratextos — uma ideia influenciada pelos estudos de cinema, televisão e jogos — englobam uma vasta gama de materiais, desde documentos técnicos e pesquisas até reflexões sobre como os "prompts" ou comandos dados à IA são formulados para produzir resultados desejados. A "engenharia de prompts" torna-se, portanto, um aspecto central no entendimento de como a IA manipula e organiza conteúdo visual, gerando imagens que muitas vezes desafiam nossa compreensão da autoria e da intenção.
Além disso, as imagens criadas por IA podem ser vistas como parte de um movimento estético mais amplo, o da "estética pós-digital", que explora a transição das formas digitais para as não-digitais. Embora, à primeira vista, essa estética possa parecer distante das imagens geradas por IA, há exemplos claros de como as formas digitais e suas representações podem ser transferidas para o mundo físico, como no caso de artistas que repintam imagens geradas por IA ou utilizam padrões digitais em arquitetura e moda. Esse movimento de transferência entre o digital e o não-digital não é apenas uma questão de adaptação estética, mas uma reinterpretação das formas de representação que englobam as tecnologias emergentes.
O conceito de "glitch" também desempenha um papel importante neste contexto, embora de forma diferenciada. Enquanto os erros ou falhas nos sistemas digitais podem ser vistos como rupturas na fluidez da informação, a estética pós-digital não se limita a esses erros. Ao contrário, ela incorpora a materialidade da mídia digital, como observado na arte de "pixel art" e nos sons 8-bit que ganharam popularidade em jogos contemporâneos. Essa estética não é meramente uma celebração da imperfeição, mas uma valorização da própria essência da forma digital, do que ela representa e como ela interage com o físico.
No que se refere à representação nas imagens geradas por IA, a discussão sobre a transparência e a opacidade é essencial. A relação entre esses dois elementos foi explorada extensivamente na filosofia estética e na semiótica, especialmente no que diz respeito à fotografia. Enquanto a fotografia tradicional busca uma forma de "imediata transparência" – a ideia de que a imagem é uma janela para a realidade –, as imagens geradas por IA frequentemente operam em uma zona de opacidade, onde o conteúdo não é imediatamente reconhecível ou compreendido. Elas apresentam um tipo de superfície que não se rende facilmente à leitura convencional da representação visual, exigindo uma nova abordagem para entender o que essas imagens realmente "significam".
Por fim, a rápida evolução das tecnologias de IA e a diversidade de geradores de imagens, como o DALL·E 2 e 3, Midjourney, Stable Diffusion, entre outros, abre um campo de pesquisa fascinante sobre como diferentes plataformas implementam práticas estéticas pós-digitais. Cada uma dessas plataformas apresenta suas particularidades, não apenas em termos de qualidade e precisão das imagens geradas, mas também na maneira como elas tratam a relação entre o digital e o físico, entre a abstração e a concretização. O estudo dessas variações não só nos ajuda a entender melhor o potencial das IAs em criar novas formas de expressão, mas também como essas formas podem interagir com outras esferas da arte e da cultura.
A compreensão do papel das IAs na criação de imagens estéticas deve ir além da simples observação do produto final. Deve-se refletir sobre os processos que antecedem a criação, a interação entre usuário e tecnologia, bem como a maneira como essas imagens podem ser contextualizadas dentro de um espectro maior da cultura digital contemporânea. Com isso, abre-se um campo de exploração que vai desde os limites da autoria e da intenção artística até as novas formas de representação que as IAs são capazes de produzir, e que, por sua vez, transformam as formas como percebemos a realidade visual no mundo digital.
Como as Concepções de "Mídia" e "Estética" Influenciam a Percepção das Imagens Geradas por IA?
O termo "estética dos meios" se expandiu de uma forma bastante interessante e multifacetada ao longo dos anos, especialmente no contexto das tecnologias digitais e da inteligência artificial (IA). Sua evolução reflete a ampliação das fronteiras da análise crítica e das abordagens teóricas no campo das ciências humanas, como a história da arte, a musicologia e os estudos literários, como ressaltado por Hausken (2013) e Mersch (2024). A partir dessa base, o termo se ramificou em diversas discussões sobre a forma como as mídias e as estéticas podem ser interpretadas, tanto de maneira restrita quanto mais abrangente, dentro do contexto das produções geradas por IA.
No campo da estética dos meios, as duas palavras-chave que compõem a expressão—"mídia" e "estética"—podem ser entendidas de maneiras tanto restritas quanto amplas. A primeira componente, "mídia", pode ser abordada de uma maneira funcional e focada. Nesse sentido mais estreito, um "meio" seria compreendido como uma ferramenta ou instrumento que surge de uma relação fim-meio e impõe-se sobre a realidade, processando-a e produzindo algo novo a partir disso (Mersch 2024). Essa concepção limita a função da mídia a um papel quase técnico, o que permite que teorias modernas da arte ou discursos sobre comunicação de massa compartilhem uma premissa comum: os meios são elementos mais ou menos determinados, que atuam como canais entre atores humanos e institucionais (Elleström 2021). Dentro desse modelo, seria possível explorar como as imagens geradas por IA podem ser empregadas em contextos específicos, como a substituição da fotografia ou da arte desenhada à mão em certos cenários, como por exemplo, em culturas de fãs ou campanhas de desinformação política.
Por outro lado, ao adotarmos uma visão mais ampla de "mídia", vemos que ela não é mais um fator predeterminado ou restrito, mas um elemento em constante jogo onde ocorre a construção da cultura. Nesse caso, os meios são vistos como um "dispositivo" que posiciona os sujeitos humanos dentro do mundo e, ao fazer isso, contribui para a formação de sua subjetividade. Essa abordagem mais ampla leva a uma concepção "ecológica" dos meios, como proposto por Mitchell e Hansen (2010), que considera os meios como um ambiente abrangente no qual a experiência humana e a interação acontecem, em vez de serem vistos como fatores determinantes dentro de uma causalidade simples (Hausken 2013).
Esse entendimento mais expansivo é particularmente relevante quando se trata da IA generativa, pois nos leva a questionar como a ideia de "realidade" é transformada à medida que a produção de conteúdos por IA se torna mais presente. A "textpocalypse" de Kirschenbaum (2023) alerta para o risco de um cenário no qual a maior parte dos textos na internet não é mais gerada por seres humanos, mas por algoritmos de IA, sem uma intenção comunicativa discernível. Esse fenômeno não se limita apenas à escrita, mas também se estende à música e às imagens, com "bandas" inteiras ou livros inteiros sendo produzidos exclusivamente por IA, como observado nas plataformas de streaming e nas lojas online.
Quando olhamos para as imagens geradas por IA, surgem questões sobre sua fidelidade à realidade, especialmente quando essas imagens se infiltram no cotidiano sem qualquer indicação de que foram criadas por uma máquina. Pesquisas recentes têm demonstrado como as imagens geradas por IA, que frequentemente apresentam conteúdos distantes da realidade, estão se tornando comuns nos resultados de pesquisa do Google e em postagens de redes sociais. Isso altera a percepção do que é "real" e "verdadeiro", confundindo a distinção entre o que foi gerado por seres humanos e o que foi criado por uma inteligência artificial.
Em termos de "estética", a palavra oscila entre uma filosofia da arte e uma filosofia da percepção. Em uma concepção restrita, muitas vezes normativa, a estética é entendida como algo relacionado à habilidade, julgamento e apreciação artística, como discute Coeckelbergh (2020). Aqui, a estética de um produto gerado por IA poderia ser analisada com base em critérios artísticos tradicionais, avaliando sua beleza ou a competência técnica envolvida na sua criação. No entanto, essa abordagem muitas vezes ignora a complexidade do papel que a IA desempenha em moldar não apenas o produto final, mas também o contexto cultural em que ele é recebido e interpretado.
Uma concepção mais ampla de "estética", no entanto, destaca o impacto da mídia (inclusive a gerada por IA) na percepção do mundo, na construção de significados culturais e na formação de subjetividades. A estética, neste caso, não se refere apenas à avaliação da obra em si, mas à maneira como a produção cultural—seja ela humana ou gerada por IA—molda nossas concepções de realidade, verdade e conhecimento. Esse enfoque também permite que discutamos como a IA contribui para uma nova "realidade midiática", onde a linha entre o produzido por humanos e o produzido por máquinas se torna cada vez mais tênue, alterando nossas reações, interpretações e a própria estrutura social.
Dessa forma, além de compreender o conceito de "mídia" e "estética", é crucial que o leitor reflita sobre a forma como as tecnologias de IA transformam não apenas os produtos culturais, mas a própria experiência humana de interação com a mídia. A IA está não apenas criando novas formas de arte, mas também redefinindo a própria natureza da comunicação, do significado e da verdade na era digital.
O Realismo Afetivo na Fotografia e a Manipulação da Memória Visual
A fotografia sempre teve um papel crucial na nossa compreensão da realidade, funcionando como um “certificado de presença” que valida a experiência vivida por meio de um registro visual. A famosa frase de Roland Barthes, de que uma fotografia é a “prova da presença” de algo ou alguém, ainda reverbera no imaginário coletivo como um sinal de autenticidade. No entanto, à medida que a tecnologia evolui, especialmente com a introdução da inteligência artificial, surge uma nova abordagem para entender o papel da fotografia: o realismo afetivo.
O conceito de realismo afetivo sugere que a autenticidade de uma imagem não reside mais na mera captura de uma realidade objetiva, mas sim na forma como ela evoca sentimentos e memórias individuais. Isso se distorce ainda mais quando se considera a manipulação digital das imagens, uma prática que, até certo ponto, remonta à fotografia criativa dos anos 2010. A fotógrafa Julieanne Kost, por exemplo, defendia que sua manipulação das imagens visava não apenas retratar a realidade, mas fazer o espectador sentir o que ela sentiu ao estar diante de um iceberg na Antártida. A intenção não era simplesmente mostrar uma cena, mas transmitir a sensação emocional do momento.
Esse tipo de manipulação, que vai além da realidade visual, é cada vez mais visto como um reflexo do “realismo afetivo”. Em vez de buscar uma representação fiel e objetiva de uma cena, o fotógrafo, ou o usuário de uma câmera equipada com IA, busca criar uma versão da realidade que está filtrada por suas próprias emoções e memórias. O que é capturado na imagem não é necessariamente o que estava fisicamente presente, mas o que a pessoa sentiu ou o que ela gostaria de ter sentido. Essa noção desafia a ideia de que a fotografia deve ser um reflexo neutro e imparcial do mundo, propondo uma nova forma de “verdade” baseada no sentimento pessoal.
A fotografia, portanto, deixa de ser um simples reflexo de eventos passados para se tornar uma construção do que poderia ter sido ou do que o fotógrafo deseja que tenha sido. Isso fica evidente nas inovações de dispositivos como o Google Pixel 9, que oferece recursos como o “Magic Editor”, permitindo aos usuários remover ou alterar elementos em suas fotos para criar a versão mais idealizada possível de um momento. No entanto, essa manipulação, longe de ser uma mera falha de memória ou imprecisão, é apresentada como um caminho para “autenticidade”. O conceito de autenticidade se desloca da objetividade do momento registrado para a subjetividade do que o usuário deseja que o momento tenha sido, ou como ele quer que os outros o percebam.
Essa ideia de manipulação da memória, uma vez acessível apenas a fotógrafos ou artistas, agora é democratizada pela tecnologia, tornando-se uma prática cotidiana. A promessa de uma imagem mais “real” não é mais a promessa de um reflexo preciso da realidade, mas a promessa de uma versão da realidade que se alinha mais com os desejos, memórias e emoções do indivíduo. O que se busca não é a representação fiel do que aconteceu, mas a construção de uma narrativa visual que ressoe com os sentimentos internos de quem a cria.
Esse fenômeno reflete um distúrbio nas relações éticas e políticas que envolvem a fotografia, como discutido por Ariella Azoulay, que apresenta a fotografia como um contrato civil entre o fotógrafo, o espectador e os sujeitos retratados. Em um contrato de fotografia documental, por exemplo, a obrigação é transmitir um momento verdadeiro, que aconteceu de fato. No contexto do realismo afetivo, o contrato se transforma: a obrigação agora é comunicar um sentimento ou uma memória, que pode não ter sido vivida de forma autêntica, mas que se encaixa em um ideal projetado pela pessoa que manipula a imagem.
A manipulação das imagens, portanto, não é mais apenas sobre alterar aspectos visuais ou corrigir falhas técnicas. Ela se torna uma ferramenta para manipular a memória e a percepção, criando uma nova realidade, uma que é mais emocionalmente coerente ou desejada do que factual. Em última instância, o realismo afetivo transforma a fotografia em um reflexo da mente e do coração do fotógrafo, não da realidade objetiva.
Além disso, o avanço das tecnologias de IA só potencializa essa tendência, permitindo que os usuários não apenas editem suas fotos, mas também modifiquem a percepção de momentos e sentimentos, criando novas versões de suas memórias. Isso não apenas altera a forma como vemos as imagens, mas também como nos relacionamos com elas. Em vez de olhar para uma foto e sentir que ela nos conecta com o passado, podemos começar a ver uma foto como uma projeção do que gostaríamos que o passado fosse — ou do que gostaríamos que os outros pensassem sobre nós.
É importante, portanto, que o leitor compreenda que, à medida que as tecnologias fotográficas avançam, o conceito de “realismo” se torna cada vez mais fluido. A verdade fotográfica não está mais ancorada em uma objetividade rígida, mas em uma negociação entre o fotógrafo, a tecnologia e o espectador. Isso redefine as expectativas sobre o que é “real” em uma imagem e desafia a tradicional associação da fotografia com a verdade factual. O que uma fotografia representa agora depende tanto da experiência subjetiva do fotógrafo quanto da resposta emocional que ele deseja evocar no espectador. Em um mundo saturado de imagens manipuladas, é crucial que o espectador desenvolva uma consciência crítica sobre as narrativas emocionais que essas imagens estão tentando construir.
Como a Estética da Inteligência Artificial Reflete Redes de Mídia e Percepção
A história da arquitetura, em termos amplos, pode ser vista como a história de como as coisas são feitas com as partes disponíveis. Em um contexto contemporâneo, as redes de dados e os modelos de inteligência artificial (IA) exemplificam essa dinâmica de construção e adaptação. Embora não tenhamos acesso completo a todos os conjuntos de dados utilizados por grandes modelos de IA, como o OpenAI, há uma quantidade considerável de informações disponíveis sobre outros modelos. Um bom exemplo disso é a reconstrução detalhada dos modelos Midjourney e Stable Diffusion realizada por Buschek e Thorp (2023). Ambos os modelos são baseados no dataset LAION-5B, que contém mais de 5,8 bilhões de pares de imagens e textos, filtrados pelo CLIP, e disponibilizado em 2022 por pesquisadores (Schuhmann et al. 2022). Embora esses datasets tenham sido criticados quanto ao uso em produtos industriais devido a questões éticas e de qualidade, eles revelam muito sobre a maneira como as IAs geram imagens e textos com base nas preferências estéticas presentes nesses grandes volumes de dados.
O LAION-5B, por exemplo, foi desenvolvido a partir de um conjunto de dados ainda maior, com mais de três bilhões de sites, provenientes de organizações sem fins lucrativos como o Common Crawl. Contudo, o que se destaca nesse processo de construção é a predominância de alguns domínios comerciais (como Pinterest, Shopify e SlidePlayer), que estão super-representados devido ao grande número de pares imagem-texto que hospedam. Ao focar na estética da IA, modelos como o Midjourney e o Stable Diffusion não utilizam o conjunto completo do LAION-5B, mas uma versão refinada chamada LAION-Aesthetics, que inclui apenas imagens especialmente avaliadas como "visualmente atraentes". Essas imagens são selecionadas a partir de parâmetros fornecidos por comunidades de usuários no Discord, que classificaram imagens geradas por IA baseadas em um conjunto de treinamento denominado "Simulacra Aesthetic Captions (SAC)", que envolve uma seleção cuidadosa dos elementos estéticos mais marcantes.
Esse fenômeno nos revela um aspecto intrigante da IA: apesar da ideia de "causística de caixa preta", na qual não conseguimos entender como um modelo chega a determinado resultado, há muito a se aprender sobre as preferências estéticas que moldam os outputs de IA. Podemos traçar essas preferências de volta a um grupo reduzido de usuários muito ativos, cujas escolhas estéticas dominam os datasets. Isso desafia a ideia de que as IAs funcionam como entidades totalmente autônomas ou imparciais, mostrando que as escolhas humanas desempenham um papel essencial na formação das produções estéticas das IAs.
Em termos conceituais, é importante considerar que a estética da IA não deve ser confundida com uma noção de arte tradicional, preocupada apenas com julgamentos estéticos baseados em habilidades ou gostos refinados. A proposta de Martin Seel (2005), que distingue a percepção estética de uma percepção comum, pode ser útil aqui. Para Seel, a percepção estética se caracteriza pela autorreferencialidade: a presença especial do objeto de percepção está ligada a uma presença particular no exercício dessa percepção. Assim, a estética da IA pode ser entendida como uma forma específica de percepção que não se confunde com a percepção cotidiana, mas que envolve uma análise mais profunda do "como" e do "porquê" de uma obra ser percebida como estética.
Em relação às imagens geradas por IA, podemos distinguir entre aquelas que enfatizam a "formatação" ou "estilo" (hipermediaticidade) e aquelas que privilegiam o conteúdo ou o sujeito da imagem (imediaticidade). Essa distinção se alinha ao conceito de Bolter e Grusin (1999), que propõem que a hipermediaticidade enfoca a mediação e a forma de apresentação da imagem, enquanto a imediaticidade busca uma representação mais direta e transparente. Quando a IA prioriza a apresentação de uma imagem de maneira estilística, tornando mais visível o processo de sua construção, estamos diante de um tipo de estética mais "opaca", que desafia o espectador a perceber a própria materialidade da mídia utilizada.
Por exemplo, quando solicitamos ao ChatGPT que explique a estética da IA de maneira simples, o resultado pode parecer transparente, pois estamos interessados no conteúdo informativo contido no texto, abstraindo sua forma. Isso ocorre porque, em um "caso de uso" padrão, a forma da resposta não nos impede de entender sua mensagem central. No entanto, se pedirmos ao ChatGPT para gerar uma explicação sobre a estética da IA no formato de um haikai ou uma tira de quadrinhos, o estilo e a formatação tornam-se predominantes, tornando a resposta mais "opaca" e menos abstrata. Isso nos obriga a considerar não apenas o conteúdo, mas também como o formato da resposta impacta a nossa percepção e interpretação.
Esse conceito de "opacidade" na estética da IA também é observado em algumas das imagens mais famosas geradas por IA, como o "pavão bebê", um exemplo de uma criação artificial que não representa com precisão um pavão real, mas sim uma figura que mistura elementos de diferentes estilos e características. A crítica aqui não se dá tanto ao fato de a imagem ser estilisticamente inconsistente com uma fotografia real, mas sim ao modo como ela falha em cumprir seu propósito de ilustrar o que seria, de fato, um "pavão bebê". Nesse caso, a abstração das características visuais e o afastamento da representação fiel tornam a imagem uma construção puramente estilística, onde a "realidade" é substituída pela percepção estética projetada pela IA.
As discussões nas redes sociais sobre a produção de conteúdo por IA também revelam a crescente percepção de uma "estética da IA". Comentários como "Este artigo parece ter sido parcialmente escrito por IA" destacam como o estilo gerado pela IA pode ser identificado, mesmo quando o conteúdo parece transparente. As convenções culturais em torno do que é considerado um "texto transparente" ou uma "imagem transparente" estão mudando à medida que nos acostumamos com o estilo característico da IA. Em muitos casos, o que antes seria visto como uma falha estilística pode ser interpretado agora como uma assinatura estética própria da mídia gerada por IA.

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