A compreensão de como movimentos reacionários, como o populismo e o fundamentalismo, funcionam, exige uma análise psicológica do conceito de "self" (ou identidade) e das percepções das pessoas sobre quem elas são. Isso ocorre porque tais movimentos dependem de uma interação contínua entre os indivíduos e seu ambiente social, onde os "selfs" estão, simultaneamente, moldando os movimentos aos quais pertencem e sendo moldados por eles. Para entender o sucesso desses movimentos, é crucial considerar a natureza fluida do "self" na modernidade.

O conceito de reflexividade, ou como Charles Taylor denomina, a “virada para dentro”, é uma característica central da modernidade. Durante o Iluminismo, pensadores incentivaram as pessoas a olhar para dentro de si mesmas, a explorar sua razão e suas emoções, e, com base nisso, guiar suas ações. O ser humano passou a ser capaz de agir de maneira mais racional e expressiva, controlando conscientemente seu comportamento. Contudo, logo se percebe que o "self" não pode ser entendido como algo fixo ou estático, mas sim como um conjunto de percepções que estamos constantemente revisando e ajustando.

Na realidade, o "self" está em constante mutação, não apenas devido à interação direta entre os indivíduos, mas também por meio das influências sociais e midiáticas. Como seres sociais, nossa identidade é constantemente influenciada pelas reações de outros. O comportamento alheio, suas respostas às nossas ações, e, especialmente, como percebemos o que os outros pensam de nós, desempenham um papel crucial na formação de nossa identidade. Muitas vezes, no entanto, somos menos aptos a ver essa dinâmica de forma objetiva, pois tendemos a interpretar os outros de acordo com o que gostaríamos que eles pensassem de nós, ao invés de um retrato fiel de suas opiniões.

Esse processo de construção da identidade não ocorre apenas através da interação social direta, mas também por meio da reflexão sobre nossas próprias ações passadas. A maneira como nos vemos em determinados contextos—seja como patriotas, como membros de uma fé religiosa, ou como participantes de um movimento político—molda nossa percepção de quem somos. Por exemplo, ao participar de um evento político ou religioso, podemos concluir que fazemos parte de um grupo específico, sendo esse comportamento um reflexo de nossa identidade. A questão que se coloca é: até que ponto somos os autores de nossa própria identidade ou até que ponto permitimos que os outros a escrevam por nós?

Nos contextos modernos e individualistas, há uma tendência de se ver como o único autor da própria vida, o que é fortemente incentivado pela indústria de autoajuda. A ideia de que podemos "nos tornar quem quisermos ser", de que somos mestres de nosso destino, é um dos pilares da ideologia dominante. O movimento de autoajuda promove a noção de que, se temos sucesso, é exclusivamente por nossa causa, refletindo uma visão social darwinista, onde os mais aptos sobrevivem.

No entanto, é importante distinguir entre "self" e identidade social. A identidade social refere-se às categorias que acreditamos pertencer—como ser acadêmico ou londrino—e, embora essas identidades façam parte de quem somos, elas não constituem o todo de nossa percepção de si. A identidade social, ao ser compartilhada com os outros, não oferece o mesmo sentimento de autenticidade e singularidade que buscamos como indivíduos modernos.

Além disso, nossa identidade social não é isolada, mas está sempre inserida em uma visão de mundo específica. Se somos darwinistas sociais, por exemplo, podemos nos ver como sobreviventes em um mundo onde a luta pela supremacia é constante. Se somos populistas, nossa identidade se constrói em torno da ideia de sermos parte de um "povo real" que luta contra uma conspiração global que nos oprime. Já os fundamentalistas, por sua vez, se percebem como os "fiéis" em uma batalha contra um mundo que rejeita Deus.

Em muitos casos, a percepção de si é ainda mais alimentada pela retórica utilizada por líderes políticos ou religiosos. Por exemplo, quando, durante o referendo do Brexit, o ex-primeiro-ministro britânico afirmou que o resultado foi "um feito extraordinário", ele posicionava aqueles que votaram pelo Brexit como parte de uma classe oprimida, uma "gente simples" que rejeitou as elites. Esse tipo de discurso pode fortalecer a identidade do indivíduo, inserindo-o em um movimento que promete sua ascensão e resistência contra as forças dominantes.

Em relação aos movimentos populistas e fundamentalistas, é crucial reconhecer o papel central da construção de uma identidade que se sente ameaçada por forças externas. Esses movimentos não são apenas reações contra políticas ou práticas específicas; eles são a manifestação de uma necessidade psicológica de pertencimento a um grupo que se vê como marginalizado, ou até mesmo vitimizado, em uma sociedade mais ampla. O desejo de ser parte de um grupo que compartilha crenças, valores e objetivos comuns fortalece a identidade do indivíduo, dando-lhe um senso de propósito e significado.

Por fim, é importante perceber que a construção do "self" não ocorre de maneira linear ou estática, mas é constantemente influenciada pelo ambiente social, pelas interações com outros indivíduos e pelos discursos aos quais estamos expostos. Nesse sentido, a identidade não é algo puramente individual, mas também um reflexo das dinâmicas sociais que moldam a nossa percepção de quem somos.

Como o Movimento Anti-Vacina se Relaciona com o Populismo e o Fundamentalismo?

O movimento anti-vacina, embora inicialmente centrado em questões de saúde pública, se transformou em um fenômeno mais amplo, com forte conexão com os ideais do populismo e do fundamentalismo. Um exemplo claro dessa transição é o caso de Andrew Wakefield, cuja licença médica foi revogada após a publicação de um estudo que sugeria uma ligação entre a vacina tríplice viral e o autismo. Após sua desqualificação, ele foi catapultado para o status de herói entre os anti-vacinas, sendo aclamado pelos defensores de uma abordagem mais natural e menos dependente de intervenções médicas. Esse movimento, ao se alinhar com figuras populistas, reflete uma grande insatisfação com as instituições de autoridade, como o governo, a ciência e o sistema de saúde pública.

O discurso anti-vacina compartilha uma ideologia com os populistas, principalmente no que diz respeito ao apelo por um retorno a um passado idealizado, no qual, segundo seus defensores, as doenças eram mais controladas e as crianças se curavam naturalmente. Essa nostalgia por tempos mais simples e purificados, onde a "Mãe Natureza" cuidava de tudo, reflete um desejo de escapar das complexidades da modernidade. A ideia de que a imunidade natural, conquistada por meio da exposição direta às doenças, é mais benéfica do que as vacinas, ressoa com aqueles que se sentem alienados ou desconectados das instituições que agora governam a vida cotidiana. Esse apelo à Natureza tem raízes no movimento romântico do século XIX, que se opôs à revolução industrial e às mudanças rápidas que caracterizavam a modernidade.

Por outro lado, o movimento anti-vacina também se entrelaça com o fundamentalismo religioso. Em diversas culturas, especialmente em regiões conservadoras, há uma forte resistência a vacinas que são vistas como "artificiais" ou incompatíveis com crenças religiosas. O exemplo mais notável vem do movimento Boko Haram, que no norte da Nigéria afirmou que as vacinas contra a pólio eram uma forma de esterilizar os muçulmanos e de disseminar o HIV, acusando os Estados Unidos e as Nações Unidas de conspiração. Para muitos dentro desse movimento, a doença é encarada como uma vontade divina, e o uso de vacinas, ou de qualquer intervenção médica, é visto como um desvio do plano de Deus. Para eles, a verdadeira cura vem do consumo de substâncias naturais, como mel, ervas e óleo de oliva, conforme ensinado pelos profetas.

Nos Estados Unidos, outra manifestação dessa resistência está presente em comunidades ortodoxas judaicas, onde a crença de que a vacina contra o sarampo contém substâncias não kosher impede a aceitação do tratamento. Esse fenômeno reforça a ideia de que o fundamentalismo religioso e o anti-vacinismo podem coexistir, com ambos desafiando a autoridade científica e médica em nome de valores espirituais ou culturais.

Outro aspecto crucial do movimento anti-vacina é o uso de mídias sociais para disseminar seus valores. Através de plataformas como Facebook, Twitter e Instagram, as experiências pessoais de indivíduos que alegam ter sofrido efeitos adversos das vacinas têm um peso maior do que os estudos científicos que comprovam a eficácia e segurança das vacinas. A "contágio emocional", impulsionado pela viralização de vídeos e testemunhos, tem um poder de persuasão muito mais eficaz do que dados técnicos ou evidências empíricas. Além disso, as redes sociais permitem a formação de bolhas informativas, onde os membros de uma comunidade anti-vacina são expostos apenas a conteúdos que reforçam suas crenças, sem espaço para o confronto com pontos de vista divergentes. Essa dinâmica cria um ciclo de radicalização e isolamento, onde a desconstrução da ciência e da autoridade se torna um ato de resistência.

O movimento anti-vacina, assim como os populistas e os fundamentalistas, apresenta uma visão absolutista do mundo, onde qualquer dúvida ou questionamento é rejeitado. A falta de confiança nas instituições, especialmente as científicas, é um traço comum entre esses grupos, que veem na ciência e no governo representantes de um "elite conspiradora". Um estudo recente sugere que há uma correlação entre o aumento do apoio a partidos populistas e a desconfiança nas vacinas. O enfraquecimento da confiança nas instituições se reflete em uma visão crítica e muitas vezes paranoica do governo, dos cientistas e de qualquer autoridade, e isso é amplificado por discursos que alimentam o medo e a desinformação.

Em um contexto global, é interessante notar que onde as taxas de infecção por doenças evitáveis aumentaram, a demanda por vacinas também tem se intensificado. Isso sugere que, em alguns casos, a experiência direta com as consequências de doenças graves pode modificar a postura de resistência inicial. Contudo, a resistência à vacinação permanece fortemente ligada a uma visão de mundo que rejeita a modernidade e seus avanços, em favor de uma alegada pureza e simplicidade do passado.

A compreensão de como o movimento anti-vacina se conecta com o populismo e o fundamentalismo ajuda a perceber que essas ideologias não são apenas reações esporádicas a questões de saúde, mas sim parte de uma oposição mais ampla ao projeto moderno. Essa oposição se expressa na rejeição de instituições estabelecidas e na busca por alternativas que, ao invés de resolverem problemas complexos, oferecem soluções simplistas baseadas em um idealizado retorno ao passado. Ao compreender essa dinâmica, é possível perceber que o anti-vacinismo não é apenas uma questão de saúde pública, mas também um reflexo de uma visão de mundo que desconfia profundamente das estruturas modernas e de sua capacidade de promover o bem-estar coletivo.