A Doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite sistêmica autoimune que afeta principalmente crianças, causando inflamação nos vasos sanguíneos, incluindo as artérias coronárias. Esta patologia pode levar a complicações graves, como aneurismas coronários, trombose, estenose do lúmen e até infarto do miocárdio. O caso a ser discutido envolve uma paciente adolescente de 16 anos, diagnosticada com aneurisma coronário e trombo gigante na artéria coronária esquerda, que necessitou de uma cirurgia de revascularização do miocárdio, utilizando bypass cardiopulmonar.
A paciente foi admitida no hospital com queixa de dor no peito e sensação de aperto no peito após esforços físicos, sintomas que pioraram com o tempo. A ecocardiografia realizada revelou a presença de uma massa no átrio esquerdo, suspeita de ser relacionada à DK. O exame de ressonância magnética cardíaca (RM) indicou dilatação do tronco da artéria coronária esquerda e da ramificação da artéria circunflexa esquerda, com aneurisma e presença de trombo. A angiografia coronária confirmou a presença de uma dilatação aneurismática gigante na origem da ramificação da artéria circunflexa esquerda, com trombo e calcificação, além de estenose moderada após a dilatação aneurismática.
Após a avaliação clínica, exames complementares, incluindo tomografia computadorizada (TC) e ecocardiografia, foram realizados, e o diagnóstico de aneurisma coronário com trombo foi confirmado. A paciente não apresentava cianose nem histórico de infecções respiratórias recorrentes, mas mostrava sinais de diminuição da capacidade física e uma redução significativa da resistência física recente.
O planejamento anestésico para este tipo de paciente deve ser meticulosamente equilibrado, uma vez que as lesões coronárias presentes em pacientes com DK são frequentemente associadas à presença de trombos, aneurismas e risco elevado de complicações cardiovasculares, como a isquemia miocárdica. O manejo do oxigênio miocárdico, o equilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio e a preservação da contratilidade miocárdica são aspectos cruciais para o sucesso da intervenção cirúrgica.
No contexto da cirurgia de revascularização coronária, o uso de bypass cardiopulmonar foi essencial para a manutenção da circulação durante a remoção do trombo gigante da artéria coronária esquerda. O protocolo anestésico incluiu a administração de medicamentos como midazolam, propofol, sufentanil e rocurônio para indução e manutenção da anestesia. A intubação traqueal foi realizada com um tubo endotraqueal de 7,0 mm, com verificação da posição adequada por auscultação bilateral dos pulmões. A ventilação foi feita em modo de ventilação controlada por pressão (PCV), com parâmetros ajustados para garantir oxigenação adequada e ventilação eficiente.
Além da gestão anestésica, o monitoramento intraoperatório exigiu vigilância constante dos parâmetros hemodinâmicos e respiratórios, incluindo a manutenção da perfusão miocárdica adequada e a prevenção de arritmias ou instabilidade cardiovascular durante o procedimento. A estabilização da pressão arterial e a otimização do volume sanguíneo foram fundamentais para evitar complicações intraoperatórias, especialmente considerando a natureza das lesões coronárias associadas à DK.
A recuperação pós-operatória deste tipo de paciente também requer cuidados intensivos, dada a complexidade do quadro clínico e os riscos associados a complicações cardíacas. A monitorização contínua das funções cardíacas, respiratórias e circulatórias é necessária para garantir que a paciente recupere a função miocárdica e a estabilidade hemodinâmica adequadas.
A Doença de Kawasaki, embora comum em crianças, pode ter consequências sérias e duradouras, como aneurismas coronários e trombose, que exigem um manejo cuidadoso em termos de diagnóstico precoce e intervenção cirúrgica. Pacientes com essas condições exigem uma abordagem anestésica particularmente cuidadosa para equilibrar as necessidades de oxigenação, perfusão e estabilidade hemodinâmica. A gestão dos riscos de isquemia miocárdica e a prevenção de complicações tromboembólicas são aspectos-chave durante o processo perioperatório.
Além disso, o manejo anestésico deve considerar o estado físico do paciente, sua capacidade respiratória e cardiovascular antes da cirurgia. Exames pré-operatórios, como ecocardiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, desempenham um papel vital na definição do planejamento anestésico e cirúrgico, fornecendo informações cruciais sobre a extensão e gravidade das lesões coronárias. A colaboração entre cardiologistas, cirurgiões cardíacos e anestesiologistas é essencial para garantir uma abordagem eficaz e segura no tratamento de pacientes com Doença de Kawasaki complicada por lesões coronárias graves.
Como diferenciar reações alérgicas perioperatórias de insuficiência cardiopulmonar em crianças com cardiopatias congênitas?
A diferenciação entre insuficiência cardiopulmonar e reações alérgicas perioperatórias durante a cirurgia cardíaca pediátrica é particularmente desafiadora, sobretudo em pacientes com reserva cardiopulmonar comprometida. A presença de manifestações cutâneas, aumento súbito da pressão das vias aéreas e queda na saturação de oxigênio pode sugerir uma reação alérgica, mas esses sinais são facilmente confundidos com deterioração hemodinâmica decorrente de causas estruturais. Em situações críticas, como a observada em crianças com histórico de insuficiência cardíaca, o diagnóstico diferencial deve ser imediato e preciso, considerando-se tanto fatores imunológicos quanto hemodinâmicos.
A perfusão inadequada durante a circulação extracorpórea (CEC) pode ter origem em retorno venoso deficiente, aumento da permeabilidade capilar ou vasodilatação sistêmica. A queda abrupta no nível sanguíneo do reservatório do oxigenador, em conjunto com hipotensão e aumento da resistência respiratória, reforça a hipótese de uma reação alérgica grave. Nesse cenário, torna-se essencial descartar causas mecânicas, como sangramento ou obstrução do circuito, antes de atribuir os sintomas a uma reação imunológica.
A administração de produtos sanguíneos pode precipitar reações alérgicas significativas, mesmo na ausência de histórico clínico compatível. No caso em análise, a ausência de antecedentes alérgicos não impediu o desencadeamento de uma resposta imunológica sistêmica. Supõe-se que os produtos sanguíneos presentes no líquido pré-carregado do sistema de CEC tenham atuado como alérgenos. Por esse motivo, tanto a circulação extracorpórea quanto a ultrafiltração foram suspensas imediatamente para evitar a progressão do quadro alérgico e permitir a estabilização hemodinâmica.
A intervenção farmacológica rápida é decisiva nesses casos. A administração intravenosa de adrenalina atua nos receptores β2 para aliviar broncoespasmo e nos receptores α para promover vasoconstrição e aumento do débito cardíaco. O uso simultâneo de norepinefrina e dopamina permite a elevação rápida da pressão arterial, minimizando o tempo de hipoperfusão tecidual. O metilprednisolona é preferido em relação à dexametasona pelo seu início de ação mais rápido, apesar da presença prévia do segundo no circuito de CEC. Ainda que o uso de anti-histamínicos durante o intraoperatório permaneça controverso, sua omissão não compromete a resposta clínica se outras medidas forem prontamente aplicadas. Além disso, o gluconato de cálcio foi administrado com o objetivo de estabilizar a membrana celular e auxiliar na recuperação da pressão arterial.
A avaliação pré-operatória detalhada é vital, sobretudo em pacientes pediátricos com antecedentes de exposição a alérgenos comuns, como penicilina, barbitúricos, proteínas, peixes e frutos do mar. A negativa parental a antecedentes alérgicos não deve ser considerada conclusiva, dada a complexidade farmacológica envolvida em procedimentos com circulação extracorpórea. Após uma reação alérgica, testes cutâneos realizados entre quatro e seis semanas após o evento, quando o paciente estiver clinicamente estável, podem identificar o alérgeno específico, embora a ausência de coleta de amostras sanguíneas no intraoperatório limite a confirmação laboratorial imediata.
A interpretação clínica deve, portanto, ser refinada e baseada na exclusão rápida e sistemática de causas não alérgicas. A ausência de biomarcadores como a triptase, cuja coleta idealmente deve ser realizada nas primeiras 24 horas, compromete a objetividade diagnóstica. No entanto, a resposta terapêutica positiva às intervenções farmacológicas e a estabilização hemodinâmica após a suspensão do agente suspeito sustentam fortemente o diagnóstico de reação alérgica grave.
Além do manejo intraoperatório, é fundamental compreender o impacto da doença de base na interpretação dos sinais clínicos. Crianças com tetralogia de Fallot não corrigida, por exemplo, apresentam fisiopatologia complexa com shunts intracardíacos, estenose do trato de saída do ventrículo direito e hipertrofia ventricular direita. Esses fatores alteram não apenas a resposta à anestesia, mas também a apresentação clínica de eventos adversos, mascarando ou mimetizando reações anafiláticas. O controle rigoroso da oxigenação, a prevenção de crises hipóxicas (“Tet spells”) e a consideração das alterações farmacocinéticas em casos de icterícia e disfunção hepática são essenciais na anestesia de cirurgias não cardíacas nesses pacientes.
Importa também destacar que o tratamento bem-sucedido de uma reação alérgica durante CEC exige ação coordenada entre anestesiologista, perfusionista e equipe cirúrgica, com foco simultâneo na identificação da causa e na restauração da estabilidade hemodinâmica. A suspensão imediata da CEC, a reposição volêmica com cristaloides e a farmacoterapia dirigida formam os pilares desse manejo emergencial. O reconhecimento precoce dos sinais clínicos e a resposta terapêutica ágil são decisivos para o prognóstico da criança.
Gestão Anestésica em Cirurgia Corretiva de Tetralogia de Fallot: Abordagens e Cuidados Perioperatórios
A Tetralogia de Fallot (TOF) é uma malformação cardíaca congênita complexa caracterizada por quatro defeitos cardíacos principais: estenose da via de saída do ventrículo direito, comunicação interventricular, aorta deslocada e hipertrofia do ventrículo direito. Em crianças com TOF, episódios de cianose intensa, conhecidos como "Tet spells", podem ocorrer, representando uma emergência clínica que necessita de tratamento anestésico cuidadoso durante a cirurgia corretiva.
Durante a abordagem anestésica, é essencial que o controle da função cardiovascular seja monitorado continuamente. Um caso específico relatado descreve a gestão de um paciente pediátrico com TOF que, durante a cirurgia corretiva, apresentou um episódio de Tet spell, evidenciado por uma queda abrupta da saturação de oxigênio e uma pressão arterial baixa. A resposta rápida a essa emergência incluiu a administração de oxigênio puro, reposição rápida de fluidos, correção da acidose e a infusão de fenilefrina, um vasoconstritor utilizado para aumentar a resistência vascular sistêmica (SVR).
A manutenção de uma pressão arterial estável é crucial. A propofol, o sufentanil, o rocurônio e o sevoflurano são frequentemente empregados para indução e manutenção da anestesia. A propofol, em particular, foi ajustada com base na frequência cardíaca (HR) e na pressão arterial média (ABP). Além disso, a norepinefrina foi administrada para manter a pressão arterial quando os níveis se mostraram insuficientes. A profundidade anestésica foi monitorada com um valor de BIS (Bispectral Index) entre 40 e 60, a fim de evitar a anestesia excessiva ou insuficiente.
A gestão das alterações hemodinâmicas, especialmente durante a exposição do tracto de saída do ventrículo direito, é um desafio significativo. Durante esses momentos, a ventilação deve ser ajustada para reduzir a resistência pulmonar e otimizar a perfusão sistêmica. O uso de ventilação moderada com hiperventilação controlada tem mostrado ser eficaz na redução da resistência vascular pulmonar antes e depois da circulação extracorpórea (CPB).
Outro fator crítico é o monitoramento da função de coagulação. Crianças com TOF frequentemente apresentam alterações na viscosidade sanguínea devido à hipoxia crônica, o que pode afetar a função plaquetária e a coagulação. O uso do monitor Sonoclot, que avalia a função plaquetária e a coagulação durante a CPB, é essencial para guiar o tratamento com produtos sanguíneos, como concentrado de plaquetas ou fatores de coagulação, conforme necessário. O ácido tranexâmico também foi administrado para inibir a fibrinólise e reduzir o risco de sangramentos excessivos.
Após a cirurgia, a vigilância sobre possíveis arritmias, como a taquicardia ectópica juncional (JET), é fundamental, pois essas podem ser desencadeadas pela manipulação do coração durante a cirurgia. O uso de dexmedetomidina tem mostrado ser útil para reduzir a incidência de JET, proporcionando controle adicional sobre as respostas autonômicas.
Em relação à anestesia e gestão perioperatória, o controle adequado da função pulmonar, a prevenção ativa de crises de Tet, a manutenção da resistência vascular sistêmica e pulmonar, e a monitorização cuidadosa da coagulação são fatores-chave que determinam o sucesso da cirurgia corretiva de TOF. O manejo das complicações pós-operatórias, como a hipoxia residual, as arritmias e os distúrbios da coagulação, deve ser proativo, com intervenções rápidas baseadas em dados clínicos e laboratoriais.
Além disso, é importante que os profissionais de saúde estejam cientes de que o monitoramento contínuo de parâmetros vitais, como a saturação de oxigênio, pressão arterial, frequência cardíaca e níveis de gases sanguíneos, deve ser realizado de forma intensiva durante todo o período perioperatório. O manejo das crises de Tet e a otimização dos parâmetros hemodinâmicos são fundamentais para minimizar os riscos e melhorar os resultados a longo prazo para pacientes com TOF.

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