Durante os períodos de grande estresse e crise, como a pandemia global, os hábitos podem tanto nos ajudar a lidar com os desafios quanto nos aprisionar em ciclos negativos. Muitas vezes, em nossa busca por respostas rápidas e soluções para as dificuldades diárias, acabamos criando comportamentos automáticos, que, embora possam parecer eficientes em um primeiro momento, acabam prejudicando nosso bem-estar emocional e mental. Para nossos filhos, esses mesmos hábitos podem se tornar barreiras no desenvolvimento de resiliência e habilidades essenciais para lidar com adversidades.

Os hábitos, como comportamentos automáticos, são formas que o cérebro adquire para responder a estímulos repetidos sem necessidade de reflexão consciente. No início, eles podem parecer convenientes e eficazes, mas com o tempo podem se tornar padrões prejudiciais, principalmente quando a pessoa se vê em situações de estresse prolongado, como foi o caso de muitos durante a pandemia. Para alguns, o impulso de "fazer tudo certo" ou "sempre estar disponível para os outros" se torna uma resposta automática, mesmo quando a energia para manter esses comportamentos já não está mais presente, resultando em exaustão e burnout. Para outros, o distanciamento das relações presenciais pode ser substituído por um mergulho em universos digitais, que, embora ofereçam uma sensação momentânea de pertencimento, acabam afastando-os ainda mais da realidade tangível e dos desafios emocionais reais.

Por exemplo, Cass, uma enfermeira que atuou em uma unidade emergencial durante a pandemia, desenvolveu o hábito de sempre se oferecer para assumir novas responsabilidades, independentemente do custo emocional que isso representava. Inicialmente, esse comportamento parecia admirável, pois demonstrava um compromisso com seu trabalho e com os outros. No entanto, com o tempo, Cass começou a perceber os efeitos colaterais de sua compulsão por "fazer mais", incluindo o esgotamento mental e físico, que afetou sua saúde mental e sua capacidade de lidar com os desafios do dia a dia.

De forma similar, Mo, um jovem adulto que estava imerso em um trabalho tecnicamente satisfatório, mas emocionalmente vazio, encontrou refúgio no ambiente digital. A busca por conexão nas plataformas de jogos online o afastou ainda mais de sua necessidade de interações presenciais e significativas. A princípio, o jogo foi uma forma de preencher o vazio da solidão e da desconexão social, mas logo ele percebeu que essa rotina alimentava mais a sensação de isolamento do que a de pertencimento genuíno.

Esses exemplos ilustram como nossos hábitos moldam nossas respostas emocionais e podem influenciar o modo como lidamos com os desafios. O mais preocupante é que, quando em situações de estresse ou sofrimento, é mais provável que nossos comportamentos automáticos prevaleçam. Essa dinâmica também se aplica aos nossos filhos. Se, como pais, constantemente tomamos as rédeas de uma situação sem permitir que eles lidem com seus próprios problemas, estamos, na verdade, enfraquecendo sua capacidade de enfrentar adversidades por conta própria. Ao proteger nossos filhos de todo desconforto, podemos estar, na verdade, preparando o terreno para que eles desenvolvam uma dependência de nossos cuidados, em vez de desenvolver a resiliência necessária para navegar pelos desafios da vida.

A resiliência não é algo que se constrói automaticamente. Ela exige prática, paciência e um certo grau de desconforto. Ajudar os filhos a aprenderem a lidar com suas emoções e frustrações, sem que os pais interfiram o tempo todo, é um dos maiores presentes que podemos dar a eles. De fato, promover a autonomia na resolução de problemas, seja lidando com dificuldades sociais ou acadêmicas, fortalece a confiança e a capacidade deles de se recuperarem após falhas. Além disso, devemos revisar nossos próprios hábitos de como lidamos com o fracasso e o sucesso, visto que esses padrões, muitas vezes, são espelhados pelos filhos.

No processo de desenvolver resiliência, tanto para os pais quanto para os filhos, é fundamental criar um ambiente em que se possa falar abertamente sobre dificuldades emocionais e psicológicas. Muitas vezes, o estigma em torno da terapia ou da busca de ajuda pode ser um obstáculo significativo. Uma maneira de introduzir a ideia de buscar ajuda profissional, seja para o próprio filho ou para a família, é tratar o assunto com sensibilidade e normalizar a terapia como uma ferramenta de cuidado e desenvolvimento. Para crianças mais novas, a conversa pode ser conduzida de forma suave, destacando a terapia como um espaço para brincar e expressar sentimentos. Para os adolescentes, uma abordagem mais honesta e direta pode ser necessária, reconhecendo que buscar ajuda não significa fraqueza, mas sim uma estratégia inteligente para o bem-estar.

É importante também que os pais se engajem ativamente no processo de busca por ajuda. Isso envolve pesquisar e selecionar terapeutas que atendam às necessidades da criança e da família, além de garantir que todos os envolvidos no processo compreendam as dinâmicas de confidencialidade e compartilhamento de informações. Terapeutas familiares, terapia ocupacional ou terapia de jogo são algumas opções que podem ser consideradas, dependendo da idade e da situação da criança.

Além disso, ao reforçar hábitos saudáveis de autocuidado, como rotinas que ajudem a criança a se acalmar em momentos de angústia, os pais podem fomentar um ambiente emocionalmente seguro e fortalecido. A resiliência não é simplesmente resistir ao que vem pela frente, mas saber se adaptar e crescer diante das dificuldades.

Como o Multitasking de Mídias Impacta a Saúde Mental e a Cognição

O aumento do uso de múltiplas mídias simultaneamente, conhecido como "multitasking", tem se tornado uma característica predominante na vida cotidiana moderna. Embora muitos acreditam que essa prática seja uma habilidade eficiente e adaptativa, diversas pesquisas apontam para consequências cognitivas e emocionais negativas, particularmente no que diz respeito à atenção sustentada e à saúde mental.

Estudos de neurociência mostram que a prática constante de multitasking pode alterar a estrutura do cérebro. A pesquisa de Kee Loh e Kanai (2014) indicou que uma atividade excessiva de multitarefa de mídias está associada a uma menor densidade de massa cinzenta no córtex cingulado anterior. Esta região do cérebro está ligada ao controle executivo, à tomada de decisão e à regulação emocional, o que sugere que o multitasking pode afetar negativamente a capacidade de concentração e o processamento emocional.

Além disso, o multitasking pode prejudicar a atenção sustentada, como observado por Ralph et al. (2015), que descobriram que indivíduos envolvidos em multitarefa de mídia têm dificuldades em manter o foco em tarefas prolongadas. Isso é especialmente problemático em contextos educacionais e profissionais, onde a capacidade de manter a atenção por períodos longos é crucial para o desempenho.

Há também um impacto significativo nas emoções e no bem-estar social dos indivíduos que praticam multitasking frequentemente. Pesquisas revelam que pessoas com altos níveis de multitasking em mídias digitais têm maior propensão a sintomas de depressão e ansiedade social. Becker, Alzahabi e Hopwood (2013) identificaram uma relação entre o uso excessivo de mídias digitais e a prevalência de sintomas de ansiedade social, um distúrbio que afeta a capacidade de interagir de maneira eficaz com os outros. A prática constante de multitasking, ao sobrecarregar o cérebro com informações simultâneas, pode criar um ciclo de estresse e desconforto emocional.

O impacto do multitasking não se limita à vida adulta. Estudantes e adolescentes, em particular, sofrem com suas consequências. Cain et al. (2016) descobriram que os adolescentes que frequentemente se envolvem em multitasking de mídias têm mais dificuldades com o controle de impulsos e com a regulação emocional, além de apresentar um desempenho acadêmico inferior. Esse fenômeno pode estar ligado à diminuição da capacidade de concentração, uma habilidade essencial para o aprendizado e a resolução de problemas complexos.

Uma dimensão adicional, mas igualmente importante, é a relação entre o uso de mídias sociais e o aumento da solidão. Estudos sugerem que o uso excessivo de plataformas digitais, ao invés de promover conexões sociais, pode intensificar sentimentos de solidão e isolamento. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, houve um aumento significativo nos níveis de solidão, exacerbado pelo distanciamento social e pela dependência das interações digitais. A solidão, como evidenciado por Palgi et al. (2020), está intimamente ligada a sentimentos de depressão e ansiedade, tornando-se um fator de risco para diversos distúrbios mentais.

Em contraponto, existe uma percepção comum de que o multitasking pode ser benéfico, especialmente quando se acredita que ele aumenta a produtividade. No entanto, pesquisas recentes indicam que essa percepção é uma ilusão. Srna, Schrift e Zauberman (2018) argumentaram que, embora as pessoas se sintam mais produtivas ao realizar várias tarefas ao mesmo tempo, elas não estão, de fato, alcançando um desempenho superior. O multitasking pode, na realidade, reduzir a eficácia geral, uma vez que o cérebro humano não foi projetado para processar múltiplos fluxos de informação simultaneamente com a mesma eficiência que faria ao focar em uma única tarefa.

Por fim, é essencial refletir sobre as estratégias que podem ser adotadas para mitigar os efeitos negativos do multitasking. Técnicas de mindfulness, por exemplo, têm mostrado ser eficazes na melhoria da atenção e na redução dos níveis de estresse. Ao focar plenamente em uma tarefa de cada vez, os indivíduos podem melhorar seu desempenho cognitivo e diminuir o impacto emocional negativo da sobrecarga de informações. Além disso, é crucial que as pessoas busquem uma abordagem mais equilibrada no uso das mídias digitais, reconhecendo quando é necessário fazer uma pausa e desconectar-se para preservar a saúde mental.

Como Reconectar com o Corpo e Recuperar as Rotinas Perdidas Pós-Pandemia?

A pandemia de COVID-19 trouxe uma série de mudanças significativas em nossas vidas, afetando tanto as interações sociais quanto os hábitos diários. Entre as transformações mais notáveis, podemos destacar a mudança nas rotinas corporais e sociais, que, em muitos casos, desapareceram ou foram profundamente alteradas. No período de distanciamento social, as telas se tornaram nosso principal meio de comunicação, e a necessidade de minimizar o contato físico nos levou a reduzir a quantidade de movimento e interação face a face. Isso gerou uma dependência maior da tecnologia para distração e estímulo, enquanto a sensação de "boredo" – ou tédio – se tornou uma constante.

Esse afastamento do contato físico e a diminuição da atividade social nos afastaram de nossos corpos e das sensações que, antes, eram fundamentais em nossa rotina diária. O simples ato de sair de casa para o trabalho ou ir ao mercado, atividades que antes poderiam parecer banais, se tornaram proibitivas. Consequentemente, fomos perdendo a conexão com nossos corpos e os rituais que nos ajudavam a marcar o tempo e os momentos importantes da vida.

Os rituais desempenham um papel crucial em nossa saúde mental e física. Eles ajudam a estruturar nosso dia, dando-nos um senso de ordem e continuidade. O ato de escovar os dentes, praticar atividades físicas regulares ou celebrar aniversários são exemplos de rituais que nos conectam ao presente e ao nosso corpo. Durante a pandemia, muitos desses rituais desapareceram ou foram alterados de maneira significativa. Antes, por exemplo, eu costumava me levantar para acompanhar os clientes até a porta do consultório, uma rotina que simbolizava a transição de uma interação para outra. Agora, com as sessões online, essa transição foi substituída por cliques em uma tela, e com isso, perdi a perspectiva e a sensação de marcação de tempo que esse simples gesto me proporcionava.

Essa perda de rituais afetou todos os aspectos da vida cotidiana. As pausas para o café no escritório, as conversas informais ao redor da máquina de café ou no corredor, as caminhadas de uma sala de aula para outra, tudo isso desapareceu. Até mesmo a roupa que usamos passou por mudanças. A normalização do uso de roupas confortáveis e informais, como moletons e roupas de ginástica, alterou um ritual básico de nos prepararmos para o trabalho ou para o estudo. Embora as roupas confortáveis não sejam, por si mesmas, um problema, essa mudança ressalta um ponto importante: estamos nos distanciando de rituais que nos conectavam ao mundo físico e social de maneiras profundas e essenciais.

Agora, com o mundo reabrindo, somos convidados a reconsiderar esses rituais e rotinas. A questão é como podemos reconectar com esses hábitos que nos ajudavam a viver de maneira mais integrada e corporalmente presente. A pandemia criou novos rituais, como a prática de compras online, o hábito de assistir a séries enquanto comemos ou a flexibilidade de acordar apenas a tempo de começar o trabalho. Esses novos hábitos, muitas vezes gerados por necessidade, podem ter efeitos tanto benéficos quanto prejudiciais sobre nossa saúde física e mental. É importante refletir sobre esses novos rituais e avaliar se eles contribuem ou não para o nosso bem-estar.

Ao pensarmos na reentrada na vida "embodied" – ou seja, a vida vivida no corpo, com presença física e social – devemos criar rituais de transição que ajudem a suavizar o impacto das mudanças. Isso pode envolver a retomada de atividades que nos conectam com o corpo, como exercícios ao ar livre, danças ou simplesmente o retorno a uma rotina de trabalho ou estudo com mais movimento e interação social.

Além disso, há a necessidade de lidar com os desafios psicológicos que acompanham esse retorno ao mundo físico. A ansiedade, o cansaço e o receio do "novo normal" são sentimentos comuns. A adaptação à nova realidade pode ser emocionalmente extenuante, especialmente para aqueles que, durante a pandemia, se acostumaram a um estilo de vida mais isolado e recluso. Para algumas pessoas, esse retorno pode ser mais complexo do que para outras, dependendo de seus temperamentos e das circunstâncias pessoais.

O impacto das tensões sociais e políticas durante a pandemia também não pode ser subestimado. Muitos de nós fomos influenciados por essas tensões, criando um ambiente de reatividade e julgamento, no qual nossas crenças e comportamentos passaram a ser vistos através de uma lente mais crítica, e muitas vezes polarizada. A necessidade de reentrar no mundo físico e lidar com as diferentes realidades sociais e políticas pode gerar um aumento nas comparações, julgamentos e reações impulsivas, tanto em nível pessoal quanto coletivo.

Importante também é perceber que, ao retornar ao mundo "embodied", estamos mais uma vez convidando a vulnerabilidade e a imprevisibilidade. Não é apenas uma questão de ir ao trabalho ou de encontrar amigos, mas de redescobrir a arte de estar no mundo com o corpo, de permitir-se sentir as sensações físicas e emocionais que surgem nesse processo. A transição pode ser desafiadora, mas também oferece uma oportunidade única para repensarmos as formas de viver e nos conectar com o mundo ao nosso redor.