Quando os colonizadores espanhóis chegaram a St. Louis em 1769, encontraram uma situação delicada no comércio com as diversas nações indígenas que habitavam a região. As relações comerciais com esses povos, como os Osages e Missourias, haviam sido desenvolvidas de maneira estreita com os franceses, que, utilizando os coureurs de bois (comerciantes e caçadores de peles), já estabeleciam trocas regulares ao longo dos rios Missouri e Des Moines. Para os povos indígenas, o que importava não era tanto a origem dos mercadorias, mas a qualidade dos produtos, a justiça nas negociações e os laços pessoais que se criavam por meio do sistema de presentes, uma prática profundamente enraizada nas culturas nativas.

Os espanhóis, na tentativa de estabelecer sua presença na região, adotaram uma abordagem mais comedida. O capitão Piernas, por exemplo, ao receber delegações indígenas em St. Louis, preferia organizar as reuniões nas proximidades, no Fort San Carlos, para evitar despesas extras com hospedagem e alimentação. Esse zelo pelos gastos, porém, foi interpretado pelas nações indígenas como uma afronta. Em contraste com a generosidade dos britânicos, que já haviam estabelecido relações favoráveis com os Osages e Missourias, os espanhóis estavam em desvantagem. O comércio com os britânicos não apenas lhes garantia um fornecimento estável de peles, mas também fomentava um relacionamento de mútuo respeito e troca. Para os espanhóis, essa era uma questão de grande importância estratégica, pois a perda do apoio de tais nações comprometia o controle da região e o acesso a recursos essenciais.

No entanto, a tentação de desafiar o domínio espanhol levou os Osages e Missourias a intensificarem suas ações hostis. A captura de comerciantes espanhóis e a realização de incursões em St. Louis são exemplos claros da crescente tensão. O episódio de 1772, quando os Osages e Missourias, em um ataque audacioso, invadiram o Fort San Carlos, retirando estoques de munição e alimentos, ilustra como a relação entre os colonizadores e as nações indígenas estava se deteriorando. Esse episódio também destacou a fragilidade da presença espanhola na região. A resposta dos espanhóis foi uma represália que culminou em um embargo comercial, uma estratégia que, embora eficaz no curto prazo, não conseguiu erradicar as tensões.

Ao longo dessa década, o comércio de peles, essencial para a economia de St. Louis, continuava a ser um campo disputado. Mesmo com os embargos e tentativas de controle espanhol, comerciantes como Jean-Marie Ducharme, um francês-canadense que atuava para os britânicos, desafiaram abertamente as restrições e mantiveram o fluxo de mercadorias, em especial com os Osages. A presença de bandeiras britânicas sobre as aldeias Osage é um sinal claro do sucesso dessa abordagem.

Os Laclède e Chouteau, por exemplo, apesar de estarem sob as restrições do governo espanhol, encontraram maneiras de prosperar, utilizando suas relações com indígenas e autoridades coloniais para expandir seus negócios. A dissolução de sua parceria com Maxent e o subsequente estabelecimento da firma familiar foi crucial para o crescimento de seu império comercial, que viria a dominar o comércio na região. Suas estratégias não se limitavam apenas ao comércio de peles, mas também envolviam a construção de laços com as comunidades indígenas, particularmente por meio de casamentos e alianças familiares.

As relações entre franceses e indígenas também refletiam mudanças profundas nas dinâmicas sociais e culturais. Nos séculos XVII e XVIII, muitas famílias mestiças, compostas por franceses e indígenas, formaram a base das comunidades em St. Louis e nas áreas circundantes. O status dessas famílias era frequentemente garantido por sua habilidade em manter boas relações com as nações indígenas e a adequação às expectativas locais. O casamento entre comerciantes franceses e mulheres indígenas não era apenas uma prática cultural, mas uma estratégia vital para garantir acesso a recursos e poder. Através dessas alianças, os comerciantes como os Chouteaus não só fortaleciam seus negócios, mas também garantiam sua posição social dentro da hierarquia indígena e colonial.

É importante perceber que, além das disputas econômicas e estratégicas, havia uma forte dimensão cultural e simbólica nas relações entre os colonizadores e os povos indígenas. O sistema de presentes, central para muitas culturas indígenas, não se tratava apenas de um meio de troca, mas de um veículo para estabelecer hierarquias, mostrar respeito e construir confiança. A falta de generosidade percebida pelos espanhóis prejudicou profundamente suas relações com as nações indígenas, algo que não aconteceu da mesma forma com os britânicos. A troca de mercadorias era, portanto, inseparável de uma rede complexa de lealdades, que envolvia não apenas bens materiais, mas também trocas culturais e sociais.

Além disso, o contexto político da época, com a crescente rivalidade entre as potências coloniais européias, adicionava outra camada de complexidade a essas relações. O jogo de influências, tanto por parte dos espanhóis quanto dos britânicos, dependia não apenas de sua capacidade de fornecer bens, mas também de sua habilidade em navegar nas dinâmicas culturais e políticas locais. A competição pelo controle da região não era uma simples disputa territorial, mas uma batalha por corações e mentes, um jogo de aliança, resistência e, frequentemente, traição.

A Teoria Solutrense e a Primeira Ocupação das Américas

A Teoria Solutrense, proposta pelos arqueólogos Dennis Stanford e Bruce Bradley, sugere que povos solutrenses, originários do sul da França, teriam utilizado embarcações para migrar para a América do Norte durante a Idade do Gelo. Semelhante à Teoria da Migração Costeira de Fladmark, essa hipótese propõe que os solutrenses seguiram as margens da ponte de gelo que conectava os dois continentes, subsistindo de animais marinhos ao longo do caminho. A base dessa teoria repousa nas semelhanças encontradas nas ferramentas dos solutrenses e dos povos Clovis, que habitaram a América do Norte.

No entanto, com a recente descoberta de diversos sítios pré-Clovis, com mais de 11.250 anos, Bradley e Stanford revisaram sua hipótese, reconhecendo a falha principal de sua conexão teórica entre os povos solutrenses e os Clovis. Os solutrenses viveram cerca de 23.000 a 18.000 anos atrás, enquanto os Clovis, como se sabe, habitaram a América do Norte por volta de 11.500 a 10.500 anos atrás. A presença de um intervalo de tempo de 10.000 a 5.000 anos entre os dois grupos levava à suposição de que os solutrenses não poderiam ser diretamente os ancestrais dos Clovis. A descoberta de povos pré-Clovis, que podem ter habitado a América do Norte bem antes de 11.500 anos atrás, ajudou Bradley e Stanford a reduzir essa lacuna temporal.

Apesar da revisão da teoria, críticos como David Meltzer e Lawrence Straus se opuseram, questionando a validade das semelhanças entre as ferramentas dos Clovis e dos solutrenses, bem como a falta de evidências que comprovassem o uso de embarcações ou a subsistência à base de vida marinha por esses povos. Michael J. O'Brien, ex-professor da Universidade de Missouri, foi um dos mais veementes críticos dessa teoria, alegando que os artefatos encontrados, como uma ponta de pedra e parte de um crânio de mamute perto da Baía de Chesapeake, não eram evidências confiáveis. O’Brien também apontou que as datas de radiocarbono e a ausência de provas de uma migração costeira em direção ao oeste da América não corroboravam a hipótese.

Em sua crítica, O’Brien destacou ainda a ausência de evidências genéticas de antigos europeus nas Américas, além de uma continuidade temporal considerável entre a aparição dos dois grupos. Essas observações levantaram questões sobre a consistência dos dados e as conclusões que estavam sendo feitas com base em interpretações controversas de descobertas arqueológicas. A falta de um contexto arqueológico sólido para muitos dos achados, como o citado crânio de mamute, foi um dos pontos mais discutidos, uma vez que os artefatos poderiam ter sido recolhidos fora de seu contexto original.

A Teoria Solutrense gerou também uma série de questões culturais e políticas para os povos indígenas. Ao sugerir que os nativos americanos não seriam os primeiros ou únicos habitantes antigos da América do Norte, essa teoria se tornou um ponto de discussão polêmica e, em muitos casos, foi apropriada por grupos supremacistas brancos como uma maneira de negar direitos indígenas, além de justificar a colonialidade. A relação entre ciência e política se tornou evidente quando a teoria foi utilizada para tentar validar uma presença europeia muito anterior à dos povos indígenas da América, o que tem sido questionado por muitos cientistas e estudiosos.

Além das controvérsias geradas pela Teoria Solutrense, a descoberta de vestígios de humanos antigos em Missouri, datados entre 12.000 e 14.000 anos atrás, oferece novas perspectivas sobre os primeiros habitantes da região. O estado de Missouri, situado no ponto de encontro das principais bacias hidrográficas, como os rios Missouri, Ohio e Mississippi, foi um local estratégico, repleto de recursos naturais. A diversidade de fauna e flora, além das rotas de transporte formadas pelos rios, tornava a área atraente para os primeiros povos.

Esses primeiros habitantes, pertencentes à cultura Clovis, são conhecidos por suas ferramentas líticas distintivas, como as pontas de pedra, que eram usadas na caça. A característica marcante dessas ferramentas era a face flutuada e as bordas levemente curvadas, o que ajudava na criação de armas mais eficazes para a caça. Embora os Clovis provavelmente formassem diferentes grupos sociais, a adoção de certas características culturais comuns, como as ferramentas, revela um nível tecnológico significativo e nos oferece pistas sobre as espécies de animais que eram caçados, além das estratégias de subsistência.

É essencial que o leitor compreenda que, apesar das evidências arqueológicas, a teoria da migração costeira e as possíveis conexões entre os povos solutrenses e Clovis não são unanimemente aceitas. A ciência arqueológica é um campo em constante evolução, e novas descobertas podem alterar ou reafirmar teorias passadas. Além disso, a análise dos dados não pode ser desvinculada de suas implicações políticas e culturais, especialmente quando essas teorias são usadas para deslegitimar os direitos e a história dos povos indígenas da América.