Os mortos estão sempre conosco, suas presenças se entrelaçam nas complexas teias que formam o cotidiano de todos. Após minha participação no enterro, um evento banal, sem grande importância se comparado à magnanimidade dos feitos humanos, me vi pensando sobre o que estava realmente acontecendo. A morte, no sentido mais amplo, não é simplesmente um fim; ela é também um reflexo de como as sociedades tratam suas imperfeições, suas falhas estruturais.

Durante duas semanas, fiquei imerso em pensamentos sobre o que encontrei, enquanto procurava manter-me em boa forma física. Mas ao entrar no sistema Homefree, minha vida se tornou mais intrincada. O Homefree, aparentemente, havia adquirido um satélite adicional. E não se tratava de um satélite comum. Um visitante estava chegando. De onde vinha esse visitante e qual era sua intenção? Isso não me importava naquele momento. O que importava era o momento que estava por vir, o encontro que se aproximava. Após a comunicação inicial, em que ele solicitou permissão para pousar, minha resposta foi simples: "Deixe-o pousar." Eu sabia que o que viesse a seguir deveria ser tratado com cautela.

O visitante, um homem insignificante fisicamente, com aparência de um macaco depilado e uma postura insegura, era um agente do Departamento Central de Inteligência da Terra. Sentados à mesa, em meio ao que parecia ser um jantar tranquilo, Lewis Briggs começou a falar. Ele estava ali para discutir um assunto urgente, relacionado ao governo terrestre. A princípio, minha reação foi negativa. Eu já tinha rejeitado tal oferta diversas vezes, em cartas anteriores. Terra, com suas superpopulações, burocracia sufocante e uma sociedade que parecia estar à beira de um colapso psíquico, não era mais um lugar que eu desejava visitar. Ali, longe de tudo isso, era onde eu queria estar. Eu estava cansado da Terra, e aquele encontro me forçou a relembrar os aspectos mais degradantes da civilização terrestre.

Ao oferecê-lo um cigarro e conduzi-lo ao terraço, com a promessa de um ambiente mais relaxante para a conversa, percebi que suas intenções eram um reflexo da complexidade crescente das instituições humanas. Ele queria que eu fosse até a Terra para falar com seu chefe. Recusei novamente. "Eu já dei minha resposta", disse. No entanto, ele insistiu, dizendo que se eu não fosse, ele teria que entregar pessoalmente algo a mim.

Foi quando ele me entregou um envelope lacrado, com vários carimbos de segurança. Eu o abri e encontrei uma lista de seis nomes, todos de pessoas que, de alguma forma, haviam sido parte significativa de minha vida, pessoas que eu amara ou detestara. Aquelas pessoas, segundo o agente, estavam "potencialmente vivas". Isso parecia impossível, pois todos aqueles nomes já estavam, de alguma forma, relacionados à morte ou haviam sido oficialmente dados como mortos.

"Por que estão potencialmente vivas?", perguntei, ainda tentando compreender o que estava acontecendo. A resposta que recebi foi desconcertante: suas "Recall Tapes" haviam sido roubadas. As Recall Tapes eram o tipo de tecnologia que tornava a morte "definitiva". Elas gravavam os padrões eletromagnéticos únicos do sistema nervoso humano e, uma vez coletadas, essas informações eram irreversíveis. Como, então, poderiam aquelas pessoas estar vivas? A resposta que me foi dada foi vaga, sem explicação convincente, mas eu sabia que algo profundamente errado estava acontecendo.

Esse incidente me trouxe à mente a evolução das burocracias, especialmente em um sistema como o que o governo terrestre havia criado. Um sistema fechado, complexo e irremediavelmente ineficiente. A burocracia, uma vez vista como uma estrutura essencial para a organização de qualquer sociedade, se transformou em uma máquina autoritária que não podia mais se reformar. O que começara como um reflexo da necessidade humana de organização e governança, se tornara uma sombra de si mesma, uma caricatura disfuncional que acabava paralisando o sistema em vez de mantê-lo funcional.

Esse é o ponto crucial: a burocracia, ao longo do tempo, evolui para um sistema tão rígido e inflexível que acaba se tornando um fardo para todos. A inevitabilidade desse processo não se restringe apenas a uma crítica ao governo terrestre. Na verdade, é uma observação sobre todos os sistemas humanos que, uma vez estabelecidos, começam a replicar seu próprio funcionamento de forma cega e autossustentável. O resultado é uma estrutura que se distorce, que perde sua função original de atender às necessidades da população e passa a atender apenas à própria continuidade. A burocracia se torna um fim em si mesma.

É impossível não pensar sobre como a modernidade, com todas as suas inovações tecnológicas, tem levado a humanidade a um ponto em que os próprios sistemas de controle se tornaram um fardo. A ideia de "Recall Tapes" — uma tecnologia que deveria garantir a imutabilidade da morte — se transforma, paradoxalmente, em uma ferramenta que pode ser corrompida. A manipulação desses dados não é apenas uma questão técnica, mas uma reflexão sobre o controle e a vigilância. Quem detém o controle dessas informações, e o que significa ser "vivo" em uma era onde as fronteiras entre a morte e a vida são manipuláveis?

Além disso, é essencial refletir sobre a fragilidade das instituições humanas, que muitas vezes são vistas como imutáveis ou eternas. A falha de qualquer estrutura burocrática ou tecnológica — como as Recall Tapes, por exemplo — revela não apenas uma falha no sistema, mas uma falha humana profunda. O que acontece quando a tecnologia, a ciência ou as próprias instituições que criamos começam a falhar? Como lidamos com isso? O que acontece quando as promessas da modernidade não são cumpridas?

Como a Ambição e a Traição Moldam Destinos: O Caso de Shandon

Era difícil não perceber que Shandon possuía uma beleza desconcertante e uma presença tão poderosa quanto a de uma tempestade iminente. Com cerca de 1,80 metros e pesando 25 quilos a mais que eu, seu corpo era mais que uma fachada — era uma máquina bem afinada. Seus olhos, de um tom profundo de mogno polido, refletiam inteligência afiada e uma experiência que parecia ter sido forjada nas adversidades. Seu cabelo negro como tinta e sua elegância natural não faziam jus apenas ao seu status social, mas também à sua habilidade de manipular a percepção dos outros. Ele era um homem de duas faces: o exterior perfeito, que atraía olhares e gerava confiança, e a mente astuta e calculista, que usava para alcançar seus objetivos, por mais distantes e obscuros que fossem.

Nascido em Wava, uma terra de campos férteis e trabalho árduo, ele possuía uma educação que parecia incompatível com suas origens. Fora autodidata, especialmente durante um período de reabilitação, após uma série de delitos graves que o haviam colocado atrás das grades. Quando jovem, ele era mais conhecido como um criminoso de grande porte, mas o tempo e o isolamento lhe proporcionaram uma chance de reinvenção. O que muitos não sabiam era que a educação de Shandon fora uma mistura de leituras forçadas e um desejo insaciável de compreender e dominar os outros. Seu intelecto e habilidades extraordinárias eram amplamente reconhecidos — e o fato de ser telepata apenas acrescentava uma camada de complexidade à sua natureza.

A genialidade de Shandon, entretanto, não fazia dele um homem imune às falhas humanas. Seus problemas com dinheiro, que sempre se mostravam maiores que seus ganhos, eram apenas a ponta do iceberg. O maior erro de Shandon foi sua falta de contenção — sua incapacidade de compreender os limites e as consequências de suas ações. Mesmo com habilidades sobrenaturais e um futuro aparentemente brilhante, ele não conseguiu evitar o abismo da corrupção e da traição. Suas atividades de chantagem, que só descobri mais tarde, eram a verdadeira face de sua queda. O que deveria ser sua redenção, no final, apenas o conduziu à destruição.

Durante anos, trabalhou comigo, sendo uma peça crucial dentro da minha organização. O recrutamento inicial foi realizado por um de meus subordinados, que reconheceu o potencial de Shandon e o enviou para o programa de treinamento executivo especial. Ele se destacou logo, e em pouco tempo se tornou um dos mais respeitados dentro da empresa, especialmente na área de pesquisa de produtos, onde se fez notável pela sua habilidade de recolher informações confidenciais com uma precisão quase fotográfica. Mas, ao mesmo tempo, ele sempre se revelava um enigma. Seu sorriso perfeito e sua aparência impecável ocultavam a verdadeira natureza de um homem que estava constantemente em busca de algo maior, mais arriscado, mais excitante — o que o levou a se envolver com atividades clandestinas.

Foi só após uma longa investigação que descobri o buraco negro em que ele se envolvera. Havia uma enorme brecha de segurança na empresa, algo que desafiava toda a nossa vigilância, e foi preciso anos para descobrir que o responsável por isso era Shandon. A solução foi, sem dúvida, drástica. Mesmo com suas habilidades telepáticas, ele não conseguiu escapar do cerco. Após um julgamento e uma sentença, foi enviado novamente para um processo de reabilitação. Durante o período em que ele ficou encarcerado, a empresa teve que lidar com inúmeros desafios. A estrutura da Sandow Enterprises começou a vacilar sob o peso de suas próprias fraquezas internas, e o pior estava por vir.

O destino de Shandon não estava selado ali. Anos depois, ele conseguiu escapar da custódia, o que gerou um frenesi imediato. Seu nome, agora marcado por seu histórico criminal e o escândalo do seu julgamento, foi incluído nas listas de procurados. No entanto, o universo é vasto, e, como descobri, encontrar um homem determinado a se esconder não é tarefa fácil. O que Shandon não sabia era que, em sua busca por liberdade, ele se aproximaria de mim novamente, em um encontro que definiria nossos destinos.

Foi em uma pequena baía de Coos Bay, Oregon, que o encontrei. Durante minha estadia ali, para monitorar uma fusão de empresas norte-americanas, aquele cenário sereno foi interrompido por uma presença sinistra. A paz da costa, com o som suave das ondas e o frescor do ar salgado, tornou-se uma armadilha. Enquanto caminhava pela praia sob a luz suave da lua cheia, fui tomado pela sensação de que algo estava errado. A inquietude cresceu, e, de repente, a tensão no ar ficou insuportável.

Foi então que, em uma fração de segundo, percebi que estava sendo seguido. Shandon, sempre astuto, soubera ocultar sua presença até o momento em que a proximidade já se tornara inevitável. Ele me atacou de forma abrupta, e o confronto se desenrolou de forma selvagem, violenta. Era como se, naquele momento, nossos destinos estivessem entrelaçados em uma dança mortal, sem possibilidade de volta. Nossa luta foi feroz, cada movimento, cada golpe trocado, parecia mais uma confirmação de que, para sobreviver, eu teria que derrotá-lo — permanentemente.

Enquanto a luta prosseguia, finalmente percebi a identidade de meu atacante. Era Shandon, o homem que eu havia conhecido anos antes, o homem que, agora, tentava me matar. E o que ficou claro em minha mente era simples: ele não podia ser derrotado com um simples golpe. Ele precisava morrer, ou eu também morreria.

Nos momentos seguintes, a violência se intensificou. Shandon, com sua força física superior e habilidades refinadas, parecia destinado a me vencer. Mas, com uma estratégia final, consegui reverter a situação. A luta, em si, foi uma metáfora para a batalha interna que todos enfrentamos quando nos vemos diante das consequências de nossas próprias escolhas.

O que se segue após um encontro como esse não é apenas a vitória sobre o inimigo. A verdadeira questão é como lidar com as ramificações emocionais e psicológicas de uma traição tão profunda. Como viver depois de ser forçado a tomar uma vida, mesmo quando isso é uma questão de sobrevivência? A resposta, eu diria, não é simples, mas reside no entendimento de que a sobrevivência nunca é apenas física. A mente e o espírito também precisam encontrar formas de se reconstruir, depois que a linha entre a justiça e a vingança se torna indistinta.