No ano de 1847, John Snow iniciou a administração de anestesia com éter em crianças de 4 a 16 anos. Sua abordagem pioneira incluiu também experimentações com clorofórmio e, até 1857, ele havia anestesiado com sucesso centenas de crianças, incluindo 186 bebês com menos de um ano de idade. Durante seus estudos, Snow descreveu as diferenças no metabolismo entre adultos e crianças, observando que os efeitos do clorofórmio surgiam mais rapidamente e se dissipavam com a mesma velocidade nas crianças, uma diferença explicada pela respiração e circulação mais rápidas dos pacientes pediátricos. Essa foi uma das primeiras tentativas sistemáticas de compreender as particularidades do organismo infantil e as suas reações fisiológicas frente a procedimentos médicos complexos.
No campo da pediatria, Frederik Theodor Berg, nomeado em 1845 o primeiro professor europeu de pediatria no Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia, desempenhou um papel fundamental na consolidação da especialidade. Em 1858, Berg renunciou ao cargo para assumir a direção do Bureau Central de Estatísticas, expandindo os bancos de dados do instituto, que passaram a incluir não só dados populacionais, mas também informações sobre bem-estar social, agricultura e indústria. Foi durante esse período que ele publicou um estudo importante sobre as taxas de mortalidade infantil na Suécia, utilizando registros paroquiais. Sua contribuição no campo da pediatria não se limitou ao ensino, mas também à aplicação de métodos estatísticos para avaliar condições de saúde infantil.
Nos Estados Unidos, a história da pediatria ganhou um novo capítulo em 1813, quando Eli Ives ofereceu o primeiro curso dedicado à pediatria na Faculdade de Medicina de Yale. A prática pediátrica no país deu um grande passo em 1860, com a nomeação de Abraham Jacobi como professor de patologia infantil e terapêutica no New York Medical College, possivelmente a primeira nomeação acadêmica dedicada à pediatria nos Estados Unidos. Jacobi também fundou, em 1862, a primeira clínica pediátrica a incorporar o ensino à beira do leito, algo que viria a se tornar um modelo para as gerações seguintes de profissionais da saúde. Sua atuação foi crucial na fundação de diversos hospitais infantis nos Estados Unidos, com destaque para os de Chicago, São Francisco, São Luís e Cincinnati, permitindo que, até 1895, existissem 26 hospitais pediátricos no país.
A evolução da pesquisa pediátrica nos Estados Unidos foi igualmente impulsionada pela criação de instituições acadêmicas, como a Archives of Pediatrics, que iniciou suas publicações em 1884. Além disso, Jacobi organizou a seção de pediatria da American Medical Association (AMA) em 1880 e, em 1885, tornou-se presidente da Academia de Medicina de Nova York. Sua influência também se estendeu à política, pois foi um dos primeiros a reconhecer o potencial de usar os recursos governamentais para avançar na ciência clínica, convencendo o Congresso dos Estados Unidos a financiar a impressão do Index Medicus.
No final do século XIX, o desenvolvimento de novas terapias e tratamentos médicos despertou um aumento considerável nas experimentações clínicas, especialmente com crianças. No entanto, ao mesmo tempo, surgiam discussões éticas sobre a condução dessas pesquisas. Claude Bernard, em 1865, afirmou que os experimentos em seres humanos eram justificados quando se tratava de salvar vidas ou beneficiar os participantes. Contudo, essa perspectiva não possuía base legal até aquele momento, e a questão da permissão para participação nos estudos sequer era debatida de forma sistemática. Essa omissão criava um terreno fértil para abusos e questionamentos éticos, como exemplificado pelo caso de Albert Neisser em 1892, que, ao tentar estimular uma resposta imunológica contra a sífilis em mulheres e meninas, causou a infecção em algumas delas, o que gerou um escândalo público.
Foi apenas no início do século XX que começaram a surgir regulamentações mais concretas para a pesquisa em seres humanos. O primeiro grande marco regulatório ocorreu após uma tragédia em 1901, em St. Louis, quando mais de uma dúzia de crianças morreram após receberem antitoxinas de difteria contaminadas com tétano. Este incidente levou à criação da Biologics Control Act de 1902, que estabeleceu a necessidade de licenciamento, rotulagem e supervisão de produtos biológicos destinados ao uso humano.
Além disso, o início do século XX viu o impacto de crises de saúde pública envolvendo crianças, o que impulsionou a criação de novas leis para o controle de alimentos e medicamentos. Um exemplo disso foi a promulgação da Lei de Alimentos e Medicamentos Puro de 1906, que exigia rótulos de produtos e proibia o comércio interestadual de medicamentos adulterados ou rotulados de forma errada. Esta legislação veio como uma resposta aos danos causados por medicamentos fraudulentos, incluindo aqueles vendidos para tratar cólicas em bebês, que continham morfina e levaram à morte de várias crianças.
Esse período de transição para uma regulamentação mais rígida e ética das pesquisas médicas foi um marco fundamental na história da medicina, pois não apenas estabeleceu precedentes legais para a proteção dos participantes, mas também criou um movimento que visava garantir que a pesquisa fosse conduzida com a máxima responsabilidade e em benefício real da saúde pública.
Em suma, a combinação de avanços médicos, experimentação científica e a crescente conscientização ética ajudou a moldar a medicina pediátrica moderna e estabeleceu bases para as futuras regulamentações que protegem os direitos dos pacientes, especialmente os mais vulneráveis, como as crianças. A partir disso, as instituições e os profissionais de saúde passaram a adotar padrões mais rígidos para garantir que a pesquisa médica fosse conduzida de forma segura e eficaz, com benefícios diretos para os pacientes e sem risco de exploração.
Como a Maturação e as Respostas aos Medicamentos Variam nas Crianças: Implicações para a Terapia Farmacológica
A farmacologia pediátrica apresenta um conjunto de desafios únicos, dado que a maturação das crianças afeta de maneira significativa tanto a forma como o corpo processa os medicamentos quanto a resposta aos tratamentos. Diferente dos adultos, o organismo infantil passa por uma série de mudanças dinâmicas durante o crescimento, e essas mudanças impactam diretamente as respostas a fármacos e as reações adversas. Em muitos casos, a imaturidade orgânica pode resultar em uma menor susceptibilidade a certos efeitos tóxicos, embora também a torne vulnerável a outros tipos de complicações relacionadas ao uso de medicamentos.
Por exemplo, enquanto os recém-nascidos e crianças pequenas são mais suscetíveis a reações adversas graves, como a hiperamonemia associada à encefalopatia, algumas condições podem ser menos perigosas em crianças do que em adultos. Um caso claro disso envolve os antibióticos aminoglicosídeos, que, embora possam causar toxicidade ototóxica e renal em adultos, apresentam um risco consideravelmente menor nas crianças. Isso se deve a uma menor acumulação intracelular do antibiótico nas células epiteliais renais, o que reduz a probabilidade de danos aos rins.
De forma similar, a hepatotoxicidade induzida por halotano, um anestésico comum, é rara nas crianças, mesmo quando essas são expostas ao medicamento em múltiplas ocasiões, contrastando com a frequência relativamente alta dessa reação em adultos. Outro exemplo é a hepatite induzida pela isoniazida, um medicamento antituberculoso. A incidência de hepatite é quase inexistente em crianças abaixo de 20 anos, enquanto para pacientes entre 50 e 65 anos de idade, essa taxa aumenta significativamente. Esse tipo de diferença de resposta entre diferentes faixas etárias demonstra como a farmacocinética e a farmacodinâmica variam com a idade.
Essas variações são reflexos das alterações nos processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção de medicamentos que ocorrem à medida que a criança cresce. Compreender como esses processos evoluem nas diferentes fases do desenvolvimento infantil é essencial para a escolha dos tratamentos mais adequados, uma vez que a farmacoterapia pediátrica deve ser adaptada à idade da criança. No entanto, a farmacodinâmica, ou seja, como os medicamentos afetam o organismo, ainda é menos estudada em comparação com a farmacocinética. As pesquisas sobre a resposta dos receptores e a função de tecidos e órgãos em crianças são limitadas, o que torna crucial aumentar o investimento em estudos clínicos pediátricos para estabelecer parâmetros precisos para o uso seguro e eficaz de medicamentos.
Apesar das lacunas em estudos clínicos, já existem evidências substanciais de que a eficácia dos tratamentos pode ser alterada na infância. Crianças podem ser mais sensíveis a certos efeitos colaterais, mas, por outro lado, a imaturidade pode conferir uma proteção contra outros tipos de toxicidade. Por exemplo, a interação de fármacos com os receptores durante as fases iniciais de desenvolvimento pode afetar permanentemente a estrutura e a função de sistemas orgânicos, especialmente no caso do cérebro, cujas funções estão em intensa maturação durante a infância e adolescência.
Esse cenário implica que a escolha de fármacos para crianças deve ser feita com extremo cuidado, considerando não apenas os benefícios imediatos, mas também os potenciais impactos a longo prazo sobre o desenvolvimento e a saúde futura da criança. As decisões clínicas devem, portanto, ser embasadas não apenas em dados sobre a eficácia dos tratamentos, mas também nas peculiaridades da farmacocinética e farmacodinâmica pediátrica.
Além disso, é fundamental que os fármacos sejam adequadamente avaliados na população pediátrica, e que os regimes de dosagem sejam ajustados para levar em conta as mudanças fisiológicas que ocorrem com o crescimento. As abordagens atuais ainda carecem de dados suficientes sobre os efeitos dos medicamentos nas diferentes idades, especialmente no que tange à maneira como os sistemas biológicos e os receptores se desenvolvem. O aumento da disponibilidade de dados sobre farmacodinâmica em diferentes faixas etárias permitirá que médicos e pesquisadores ajustem melhor os tratamentos, alcançando terapias mais eficazes e seguras para crianças de todas as idades.
Como a Variabilidade Genética de CYP2D6 e Outras Enzimas do Fígado Influenciam a Terapêutica Pediátrica?
A enzima CYP2D6 desempenha um papel crucial na biotransformação de mais de 40 substâncias terapêuticas, incluindo antagonistas dos receptores beta, antiarrítmicos, antidepressivos, antipsicóticos e derivados da morfina. Entre os fármacos mais comumente encontrados na prática pediátrica, estão a atomoxetina, codeína, dextrometorfano, difenidramina, fluoxetina, imipramina, risperidona e tramadol. No entanto, a resposta farmacológica a esses medicamentos é amplamente influenciada pela variabilidade genética dos indivíduos, sendo que a atividade da CYP2D6 pode variar significativamente entre as pessoas, o que afeta diretamente a eficácia e a segurança do tratamento.
Estudos in vitro indicam que os microsomos hepáticos fetais apresentam atividade limitada de CYP2D6 (~1% dos valores encontrados em adultos). Contudo, a proteína CYP2D6 é detectável em todas as amostras de recém-nascidos. Um estudo subsequente, que utilizou uma amostra relativamente grande de fígados pediátricos, revelou que a proteína e a atividade da CYP2D6 em fígados fetais do terceiro trimestre de gestação eram semelhantes àquelas observadas nos fígados de bebês na primeira semana de vida. Essa atividade permaneceu estável até os 18 anos, sugerindo que a variabilidade genética, e não fatores ontogenéticos, é o principal responsável pela variação na atividade catalítica.
Em um estudo longitudinal, foi utilizado o dextrometorfano como composto marcador, e a relação urinária entre dextrometorfano e dextroforfano foi usada para medir a atividade de CYP2D6 em mais de 100 bebês ao longo do primeiro ano de vida. Os resultados mostraram considerável variabilidade interindividual na atividade de CYP2D6, mas sem relação aparente entre a atividade dessa enzima e a idade pós-natal durante o período de 2 semanas a 12 meses. Esses dados sugerem que a variabilidade genética tem um papel fundamental na atividade da enzima, independente da idade.
A variabilidade genética na CYP2D6 pode resultar em diferentes respostas ao tratamento. No caso dos metabolizadores lentos de CYP2D6, o acúmulo de medicamentos pode levar a toxicidade dependente da concentração. Foi reportado o caso de um óbito relacionado ao uso de fluoxetina em uma criança de 9 anos com múltiplos transtornos neuropsiquiátricos, que foi identificada como metabolizadora lenta de CYP2D6 por meio de análise genética. Os níveis sanguíneos e hepáticos de fluoxetina na autópsia estavam muito mais elevados do que o esperado, o que corrobora a relação entre o genótipo de CYP2D6 e o risco de toxicidade.
Por outro lado, crianças com genótipos de metabolizadores lentos podem apresentar falha terapêutica ou eficácia reduzida quando usam medicamentos que dependem da conversão funcional de CYP2D6 para a forma farmacologicamente ativa, como a codeína e o tramadol. Embora os bebês e crianças pareçam ser capazes de converter a codeína em morfina, alguns estudos demonstram que a analgesia com codeína pode ser imprevisível em uma proporção significativa da população pediátrica. Em uma pesquisa, a morfina e seus metabólitos não foram detectados em 36% das crianças que usaram codeína, e a analgesia com codeína foi considerada ineficaz para essa faixa etária, sem relação com o fenótipo de CYP2D6.
Por outro lado, os metabolizadores ultrarrápidos de CYP2D6, aqueles com genótipos que resultam em uma atividade excessiva da enzima, podem converter a codeína em morfina de forma muito mais intensa do que o esperado, o que pode resultar em toxicidade fatal. Um caso amplamente citado envolveu uma criança que foi exposta a concentrações excessivas de morfina através do leite materno de sua mãe, que estava tratando-se com codeína, com três alelos funcionais de CYP2D6. Após esse evento, diversos outros relatos de toxicidade por morfina devido ao uso de codeína em crianças foram documentados.
A preocupação com a falta de eficácia e com eventos adversos graves levou a FDA dos EUA a restringir o uso de codeína e tramadol para pacientes com mais de 18 anos, em consonância com suas recomendações de segurança. Isso tem levado à integração da farmacogenômica de CYP2D6 em algoritmos de dosagem de medicamentos, como a atomoxetina e o pimozido. A atomoxetina, por exemplo, é amplamente usada no tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), e a farmacocinética dessa substância está diretamente associada ao genótipo de CYP2D6. Crianças que são metabolizadoras lentas de CYP2D6 podem ter maior incidência de efeitos adversos ao tomar atomoxetina, enquanto os metabolizadores rápidos e ultrarrápidos podem não responder adequadamente ao medicamento e precisar de doses mais altas.
A abordagem de dosagem baseada no genótipo de CYP2D6 está incorporada nas diretrizes da CPIC (Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium) para medicamentos como a atomoxetina. As recomendações de dosagem inicial são baseadas no escore de atividade, um sistema ordinal que converte o genótipo de CYP2D6 em um fenótipo previsto, levando em consideração a variação da atividade enzimática conforme o alelo presente. Os alelos não funcionais, como *3, *4, *5 e *6, são atribuídos a um escore de 0, enquanto alelos de função parcial como *9, *17, *29 e *41 recebem 0,5, e alelos totalmente funcionais como *1, *2 e *35 têm o valor 1. A atualização mais recente, em 2019, reclassificou o alelo *10 de função parcial para um valor de 0,25, aprimorando a precisão da estimativa de atividade enzimática.
Além de CYP2D6, outros membros da subfamília CYP3A, como CYP3A4 e CYP3A5, também têm importância significativa na biotransformação de muitos fármacos. Embora o CYP3A7 seja predominante no fígado fetal, sua atividade diminui após o nascimento, enquanto a CYP3A4 se torna o isoform principal no fígado pós-natal. A expressão de CYP3A4 no intestino também contribui de forma importante para o metabolismo de primeira passagem de medicamentos administrados oralmente, como o midazolam, e a variabilidade genética nesses sistemas também deve ser considerada no contexto terapêutico pediátrico.
Para garantir tratamentos eficazes e seguros, é fundamental que os profissionais de saúde, especialmente na pediatria, considerem a farmacogenética no manejo de medicamentos. O conhecimento sobre a atividade enzimática individual pode guiar decisões de dosagem, prevenir toxicidade e falhas terapêuticas, e, ao mesmo tempo, otimizar o tratamento conforme as características genéticas de cada paciente.
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