A figura de Cristo, conforme percebida ao longo da história, passou por uma transformação significativa, desde o ser sobrenatural, simbolizado como um cordeiro místico nas escrituras apocalípticas, até o personagem bíblico de Jesus, que pregou na Terra e foi executado. Essa evolução está intimamente ligada ao desenvolvimento da fé cristã, cujas raízes e transformações podem ser observadas na arte e na iconografia cristã primitiva. Não é antes do século VIII que a imagem de um Cristo crucificado aparece de forma proeminente; antes disso, a arte cristã não representava o Messias de forma visual, o que reforça a ideia de que a figura de Jesus foi moldada ao longo de um longo processo histórico e ideológico.

Para os marxistas, a questão da historicidade de Jesus não é central. O importante não é determinar se um homem chamado Jesus realmente viveu e morreu na Palestina no século I, mas compreender as condições socioeconômicas e políticas da época que possibilitaram o surgimento do cristianismo. Para esses estudiosos, a figura do Cristo bíblico — como a conhecemos no cristianismo moderno — não reflete um personagem histórico específico, mas sim uma construção literária que resultou de uma luta ideológica que se desenrolou por séculos. A criação dessa imagem, com traços contraditórios e multifacetados, é um fenômeno coletivo, resultado de um longo processo de formulação e de disputas internas.

Frederick Engels foi o primeiro a realizar um estudo científico rigoroso sobre as condições históricas que permitiram o surgimento do cristianismo. Para ele, a formação do Império Romano foi a principal condição para o surgimento de uma religião universal. A unificação do mundo sob uma única potência política preparou o terreno para um culto que fosse capaz de nivelar as diferenças entre as diversas culturas do império. A conquista romana destruiu as estruturas dos estados independentes e impôs um regime despótico, opressor e violento, com altos impostos e a negação dos direitos civis. Esse quadro gerou uma apatia generalizada entre as massas, tanto escravas quanto livres, particularmente nas províncias do império, cujas tentativas de resistência armada falharam de forma trágica. A falência das revoltas deixou as massas oprimidas em um estado de desesperança. A principal consequência desse cenário foi a busca por uma solução que não fosse deste mundo, mas que prometesse um alívio no além.

Diante da impossibilidade de encontrar consolo nas velhas religiões, que eram tribais e nacionais e não se estendiam além das fronteiras de seus próprios povos, surgiu a necessidade de uma nova fé. O cristianismo, como religião universal, oferecia o consolo necessário, pois não estava vinculado a nenhuma nação específica e, portanto, podia abarcar a diversidade das massas multiétnicas e multilíngues do império romano. A população oprimida — principalmente os escravos — era a mais necessitada de uma nova religião, algo que as religiões tradicionais, ligadas à aristocracia e ao poder estatal, não poderiam fornecer.

O cristianismo não surgiu de uma inspiração divina ou de uma única revelação, mas de um processo histórico complexo que envolveu um caldo cultural formado por várias tendências religiosas e filosóficas. Algumas dessas tendências vinham do judaísmo, particularmente as seitas que acreditavam na vinda de um Messias, o salvador prometido. Dentro do judaísmo, havia diferentes interpretações sobre o Messias: alguns esperavam um líder militar que libertaria o povo judeu do domínio romano, enquanto outros, como os essênios, esperavam um Messias espiritual, um líder justo que traria redenção não no plano terreno, mas no plano divino.

Entre os judeus, o conceito de um Messias espiritual foi fortalecido após as derrotas sofridas nas revoltas contra Roma. A ideia de um líder espiritual e redentor, que não lutaria com espada, mas com palavras e ensinamentos, encontrou solo fértil entre aqueles que já haviam perdido a esperança de libertação política. A seita dos Nazarenos, à qual Jesus pertencia, estava intimamente conectada com essa nova visão messiânica. O nome "Nazarene" era usado frequentemente para se referir a Jesus nos Evangelhos, o que leva à hipótese de que a associação de Jesus com a cidade de Nazaré tenha sido uma construção posterior para explicar esse título.

É importante compreender que o cristianismo inicial era, de fato, uma religião dos pobres, dos marginalizados e dos oprimidos. Embora, ao longo do tempo, o cristianismo tenha se institucionalizado e se distanciado de suas raízes, no início ele representava uma resposta religiosa ao sofrimento e à opressão vividos pelas classes mais baixas do Império Romano. Sua mensagem de salvação, esperançosa e voltada para a vida após a morte, oferecia um consolo que os cultos tradicionais e as religiões do império não eram capazes de proporcionar.

Além disso, deve-se compreender que a popularidade e o crescimento do cristianismo não podem ser atribuídos apenas à figura de Jesus ou aos seus ensinamentos isolados. O contexto histórico — com suas tensões sociais, econômicas e políticas — foi fundamental para que uma nova religião que apelasse ao sentimento coletivo de desespero e necessidade de consolo pudesse florescer. Essa fé proporcionou uma saída simbólica para aqueles que viam a opressão do Império Romano como insuperável, oferecendo-lhes uma esperança transcendental que as religiões locais não podiam oferecer.

Como o Cristianismo se espalhou pela Europa e se dividiu entre o Oriente e o Ocidente?

Entre os séculos VI e IX, o Cristianismo foi se difundindo entre as tribos germânicas mais distantes – os Alamanni, Bávaros, Frísios, Anglo-Saxões. Entre os séculos IX e X, os povos eslavos aceitaram a nova fé, e, por volta do século X, quase toda a Europa já era cristã. No Oriente, o Cristianismo chegou ao Cáucaso – Armênia e Geórgia – já no século IV, mas ali enfrentou maior resistência, primeiro do Zoroastrismo, depois do Islã, que, a partir do século VII, praticamente bloqueou a propagação da fé cristã para além dessas regiões.

Entretanto, o Cristianismo não erradicou as religiões locais ao penetrar nas culturas pagãs europeias. Ao contrário, fundiu-se a elas. Absorveu tradições rituais regionais, personagens mitológicos e datas festivas. Desenvolveu-se, assim, um sincretismo religioso: deuses locais foram transformados em santos cristãos, muitas vezes mantendo seus nomes originais. Os eslavos, por exemplo, passaram a chamar seu antigo deus Perun de Elias, o Profeta. Rituais camponeses vinculados ao ciclo agrícola passaram a coincidir com datas do calendário eclesiástico – Epifania, Entrudo, Pentecostes. As figuras da mitologia menor – ninfas, espíritos das florestas, duendes, elfos, trolls – sobreviveram nos costumes e nas lendas, mas a Igreja ensinou que eram forças malignas.

A partir das Grandes Navegações, nos séculos XV e XVI, o Cristianismo foi levado além do Velho Mundo por missionários que usavam tanto a cruz quanto a espada. No início do século XX, o Cristianismo já havia se tornado a religião mais disseminada do planeta. Mas a história da fé cristã sempre refletiu os conflitos e divisões políticas. A cisão cultural e política do Império Romano, entre Ocidente e Oriente, nos séculos III e IV, preparou o caminho para a separação gradual da Igreja em dois polos.

No Ocidente, com o declínio e posterior queda do Império Romano (476), o bispo de Roma – o Papa – adquiriu um poder extraordinário. No Oriente, onde o Império Bizantino sobreviveu, os patriarcas das grandes sedes (Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Jerusalém) permaneceram sob o domínio dos imperadores e nunca alcançaram independência real. Durante o movimento iconoclasta dos séculos VIII e IX, o poder da Igreja Oriental foi gravemente enfraquecido: o culto às imagens foi proibido, as propriedades da Igreja foram confiscadas, e sua autonomia foi anulada. Ainda que o culto aos ícones tenha sido restaurado em 842, as perdas materiais e políticas nunca foram revertidas.

Essa subordinação do clero oriental ao poder imperial impossibilitava que os patriarcas reconhecessem a primazia do Papa de Roma, que, por sua vez, buscava cada vez mais afirmar sua autoridade sobre todo o mundo cristão. As divergências organizacionais e dogmáticas se acumularam, refletindo as tensões políticas, até culminarem na separação formal das Igrejas em 1054.

As principais divergências dogmáticas entre a Igreja Católica (Ocidente) e a Igreja Ortodoxa (Oriente) são várias. A mais importante é a questão do Filioque: os católicos afirmam que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, enquanto os ortodoxos sustentam que procede apenas do Pai. Para ambas as tradições, essa diferença é considerada essencial e irredutível.

Outros pontos de conflito incluem a doutrina católica do tesouro de méritos dos santos, que a Igreja pode administrar como bem entender; a prática da absolvição dos pecados mediante pagamento; a crença no purgatório, estabelecida no Concílio de Florença (1439), onde as almas seriam purificadas por meio do fogo antes de alcançar o paraíso, com possibilidade de abreviação desse tempo mediante orações (pagas) dos vivos; a doutrina da Imaculada Conceição da Virgem Maria, elevada a dogma em 1854; e o dogma da infalibilidade papal em matéria de fé, proclamado em 1870.

Os rituais católicos também divergem dos ortodoxos: batismo por aspersão e não por imersão, crisma aplicada apenas a adultos, comunhão com pão ázimo e apenas o pão para os leigos, enquanto o vinho é reservado ao clero, sinal da hierarquia; uso do latim nas liturgias, sinal de universalidade, mas também de centralização.

Na esfera canônica, os católicos impõem o celibato a todo o clero, instituem o colégio de cardeais, reconhecem vinte e um concílios ecumênicos (contra os sete da Ortodoxia), proíbem o divórcio e restringem a leitura e interpretação da Bíblia