A atresia tricúspide (TA) é uma condição cardíaca congênita complexa, que se classifica como uma doença de ventrículo único, associada à hipoplasia do ventrículo direito. Pacientes com TA frequentemente apresentam obstrução do trato de saída do ventrículo direito, que pode ocorrer em diversos graus. Isso, por sua vez, leva à dificuldade de fluxo sanguíneo adequado para os pulmões e ao desenvolvimento de cianose, uma das principais preocupações clínicas nesses pacientes.

A principal abordagem terapêutica para a TA, nos primeiros meses de vida, é o uso de procedimentos paliativos para melhorar a oxigenação e reduzir a carga volumétrica do coração. O procedimento Glenn bidirecional, parte de uma sequência de intervenções cirúrgicas, é um desses tratamentos importantes. O objetivo do procedimento é melhorar a oxigenação ao reduzir a pressão no sistema pulmonar e, ao mesmo tempo, aliviar a sobrecarga do coração, especialmente o ventrículo único. Realizado tipicamente entre 3 a 6 meses de idade, o procedimento é essencial para melhorar a saturação de oxigênio, diminuindo a cianose e permitindo que o paciente sobreviva até ser submetido à cirurgia de correção final, como a conexão cavopulmonar total (TCPC).

O procedimento Glenn tem um papel crucial na reabilitação da circulação pulmonar, utilizando a técnica de redirecionar o sangue venoso superior diretamente para a artéria pulmonar. Isso permite que o sangue desoxigenado fluente do corpo seja enviado diretamente para os pulmões, sem a necessidade de passar pelo ventrículo direito. Essa mudança melhora a oxigenação do sangue e alivia a sobrecarga de trabalho do ventrículo esquerdo, permitindo a estabilização do paciente até que a próxima fase de correção possa ser realizada. O sucesso do procedimento Glenn depende de diversos fatores, como o desenvolvimento das artérias pulmonares e a redução da resistência pulmonar, sendo que uma pressão arterial pulmonar satisfatoriamente controlada é crucial para o sucesso da cirurgia.

Para pacientes com defeitos associados, como comunicação interatrial (CIA) ou defeito do septo ventricular (VSD), o procedimento Glenn pode ser ajustado para otimizar o fluxo sanguíneo. Se um shunt não restritivo estiver presente, como no caso de uma CIA ou PFO (forame oval patente), o sangue não oxigenado pode ser misturado ao sangue oxigenado nos átrios, causando um shunt de direita para esquerda. Isso pode agravar a cianose e a condição do paciente, tornando essencial a correção desses defeitos antes ou durante o procedimento.

Durante a cirurgia, o manejo anestésico e hemodinâmico também desempenha um papel fundamental. A indução da anestesia, a manutenção do controle da ventilação e a monitoração cuidadosa da função cardiovascular são necessárias para garantir que o paciente não sofra complicações intraoperatórias. No caso descrito, a equipe utilizou uma combinação de sedação com midazolam e fentanil, além de monitoramento rigoroso da pressão arterial e da oxigenação. O manejo pós-operatório também é crítico, com foco na redução da dor e na estabilização hemodinâmica.

Após a operação, o acompanhamento na Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca (UTIC) é essencial, com monitoramento contínuo da pressão arterial, dos níveis de oxigênio e da função ventricular. Pacientes submetidos ao procedimento Glenn podem necessitar de suporte adicional, incluindo o uso de medicamentos vasodilatadores e inotrópicos para manter a função cardíaca e pulmonar. A recuperação depende do sucesso da cirurgia e da adaptação do paciente à nova configuração circulatória.

Além dos aspectos técnicos da cirurgia, é importante considerar o contexto psicológico do paciente e da família. O estresse e a ansiedade podem ser elevados, principalmente em casos graves como a TA, e a preparação emocional adequada antes da cirurgia é essencial. Técnicas de sedação pré-operatória, como o uso de midazolam, podem ajudar a aliviar esse estresse e garantir uma experiência mais tranquila para o paciente.

Finalmente, é importante observar que, embora o procedimento Glenn seja um avanço significativo no tratamento da TA, ele não é uma cura definitiva. Em muitos casos, o procedimento pode ser a última cirurgia paliativa antes da realização de uma correção mais definitiva, como a operação de Fontan ou a conexão cavopulmonar total. A cada fase do tratamento, o objetivo é melhorar a qualidade de vida do paciente e permitir que ele sobreviva até que seja possível um tratamento definitivo, minimizando os riscos de complicações a longo prazo.

Como Gerenciar a Anestesia em Crianças com Efusão Pericárdica Após Cirurgia Cardíaca

A efusão pericárdica, um acúmulo anormal de líquido no espaço pericárdico, é uma condição crítica que pode surgir após cirurgias cardíacas, especialmente em crianças submetidas a correção de defeitos como a comunicação interatrial (CIA), comunicação interventricular (CIV) ou estenose pulmonar (EP). A situação exige cuidados especiais devido ao impacto direto no funcionamento hemodinâmico do coração, podendo levar a complicações graves como insuficiência cardíaca congestiva ou parada cardíaca. No caso apresentado, uma menina de três meses com 3,6 kg, após uma cirurgia de correção de CIA e CIV, desenvolveu uma grande efusão pericárdica. Este quadro foi identificado no 18º dia pós-operatório, quando a paciente apresentou inquietação, taquipneia e aumento da frequência cardíaca, sinais típicos de descompensação cardiovascular.

A monitorização contínua e a avaliação clínica minuciosa foram essenciais para o manejo da paciente. A pressão arterial (PA) da criança caiu rapidamente para 65/55 mm Hg e a frequência cardíaca aumentou para 185 batimentos por minuto logo após a indução da anestesia. Esse quadro de instabilidade hemodinâmica é característico de efusão pericárdica significativa e exige intervenção imediata para evitar a progressão para tamponamento cardíaco. O tamponamento ocorre quando a quantidade de líquido acumulado no pericárdio pressiona o coração, impedindo seu pleno enchimento diastólico e comprometendo o retorno venoso, o que pode levar a uma queda significativa na débito cardíaco e, consequentemente, à falência circulatória.

Em casos como o apresentado, onde o risco de insuficiência cardíaca congestiva após a descompressão pericárdica é elevado, a decisão de realizar uma pericardiocentese emergencial foi tomada. A drenagem de 150 mL de fluido sanguinolento imediatamente melhorou a pressão arterial, reduziu a frequência cardíaca e normalizou o retorno venoso central, proporcionando estabilidade hemodinâmica para a paciente. Além disso, a administração de dopamina foi necessária para manter a perfusão durante o procedimento.

A gestão anestésica de crianças com efusão pericárdica deve levar em conta a complexidade das condições pré-existentes e a resposta fisiológica do paciente. A utilização de ventilação controlada com parâmetros ajustados, como fluxo de oxigênio e PIP (pressão inspiratória positiva), pode ser crucial para melhorar a oxigenação e reduzir a pressão intratorácica. A monitorização invasiva, incluindo a pressão arterial invasiva e a pressão venosa central, permite uma avaliação precisa do estado hemodinâmico e auxilia na otimização da perfusão durante o procedimento.

Em termos de diagnóstico, a ecocardiografia é a ferramenta padrão para identificar e avaliar a efusão pericárdica em crianças. Ela permite visualizar o acúmulo de líquido, a compressão cardíaca e a presença de sinais indicativos de tamponamento, como colapso da aurícula direita e ventrículo direito, ou o movimento paradoxal do septo interventricular. Quando necessário, exames adicionais como a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM) podem ser utilizados, embora esses não sejam de rotina na avaliação de efusão pericárdica em crianças, sendo mais indicados para excluir complicações mediastinais ou pulmonares.

É importante destacar que, mesmo em casos de efusão pericárdica pequena (<100 mL), o risco de tamponamento não pode ser descartado, especialmente se o líquido se acumular rapidamente. A resposta clínica pode ser muito variável, e os sinais de tamponamento podem não ser evidentes até que uma quantidade substancial de fluido tenha se acumulado, comprometendo a função cardíaca.

Além da avaliação clínica e de imagem, a gestão pré-operatória de crianças com efusão pericárdica envolve a estabilização hemodinâmica adequada. É fundamental assegurar que a criança esteja em condições ideais para o manejo anestésico, o que inclui o controle da pressão arterial, a manutenção de um débito urinário adequado e o equilíbrio eletrolítico. O risco de arritmias também deve ser monitorado, dada a instabilidade da condução cardíaca frequentemente associada à efusão pericárdica.

Por fim, a recuperação pós-operatória deve ser igualmente vigilante, com acompanhamento intensivo na unidade de terapia intensiva cardiológica. A monitoração contínua da função cardíaca e a pronta resposta a qualquer alteração hemodinâmica são cruciais para o sucesso do tratamento e a prevenção de complicações adicionais.

Como e por que a hipertensão pulmonar se desenvolve em crianças com cardiopatias congênitas?

A hipertensão pulmonar (HP) em crianças representa um aumento patológico da pressão arterial pulmonar, definida como uma pressão média igual ou superior a 25 mmHg em repouso. Essa condição pode emergir de diversas causas e afeta crianças de todas as idades, muitas vezes associada à presença de cardiopatias congênitas (CC). A relação entre HP e CC é particularmente complexa e multifatorial, envolvendo alterações hemodinâmicas, remodelamento vascular e disfunção endotelial.

Em recém-nascidos, existe uma forma fisiológica e transitória de hipertensão pulmonar associada à adaptação do sistema circulatório à vida extrauterina. O espessamento da camada muscular das pequenas artérias pulmonares, o estreitamento de sua luz e o aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) são características esperadas nesse período. Com o crescimento, essa musculatura se degenera progressivamente, a luz vascular se amplia e a resistência tende a cair. No entanto, fatores como hipóxia, acidose e infecções podem causar espasmo persistente das arteríolas pulmonares e impedir a transição normal da circulação fetal para a adulta, resultando na chamada hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido (HPPN), com shunt direita-esquerda e hipoxemia grave.

Nas cardiopatias congênitas, a HP geralmente surge secundariamente a shunts esquerda-direita, como ocorre em defeitos do septo ventricular (DSV), persistência do canal arterial (PCA) e janelas aortopulmonares. Nestes casos, o aumento do fluxo sanguíneo pulmonar (Qp) leva a uma sobrecarga crônica no leito vascular pulmonar. A progressão da HP depende do tamanho e localização do shunt. Lesões pós-tricúspide tendem a gerar HP ainda na infância, enquanto lesões pré-tricúspide, como a comunicação interatrial (CIA), muitas vezes não produzem hipertensão significativa até fases mais tardias da vida, pois aumentam o Qp sem elevar substancialmente a pressão.

O mecanismo de lesão vascular pulmonar está relacionado ao excesso crônico de fluxo e pressão. Isso provoca disfunção endotelial, vasoconstrição, ativação de enzimas como a elastase e metaloproteinases da matriz, que degradam a matriz extracelular e liberam fatores proliferativos como FGF e TGF-β1. Essas alterações culminam em hipertrofia da musculatura lisa vascular, proliferação celular e formação de neointima, levando, por fim, a um remodelamento vascular irreversível. Histologicamente, observa-se hipertrofia medial, proliferação endotelial, fibrose, lesões plexiformes e afinamento do leito arterial pulmonar.

A fórmula hemodinâmica fundamental da pressão pulmonar (P = R × Q) expressa a relação direta entre resistência vascular pulmonar (Rp) e fluxo sanguíneo pulmonar (Qp). Qualquer alteração em um ou ambos os fatores pode desencadear ou agravar a HP. Quando a resistência está aumentada com pressão de oclusão da artéria pulmonar (PAOP) ≤15 mmHg e índice de resistência vascular pulmonar (IRVP) >3 WU/m², trata-se de HP pré-capilar. Já quando a PAOP ≥15 mmHg, configura-se uma HP pós-capilar, geralmente associada a estenose de veias pulmonares, retorno venoso anômalo, obstruções atriais como no cor triatriatum, ou valvopatias esquerdas como estenose mitral congênita, estenose aórtica e coarctação grave da aorta.

O tempo prolongado de exposição ao aumento de pressão e fluxo culmina na perda da reversibilidade hemodinâmica. Em estágios avançados, mesmo lesões originalmente pós-capilares podem evoluir para um padrão misto, com componente pré-capilar reativo, dificultando o manejo clínico. A dilatação do leito vascular pulmonar, quando associada a obstruções do retorno venoso, pode agravar ainda mais o edema pulmonar, tornando contraindicadas estratégias terapêuticas que envolvam vasodilatação pulmonar indiscriminada.

É essencial compreender que, além da pressão, o fluxo é fator central na fisiopatologia da HP. Crianç

Como Gerenciar a Anestesia em Crianças com Anomalia de Taussig-Bing: Abordagem e Estratégias

A anomalia de Taussig-Bing é uma condição rara e complexa que exige cuidados especializados, particularmente durante a cirurgia de troca arterial, conhecida como operação de Switch Arterial. O gerenciamento anestésico desses pacientes deve ser meticulosamente ajustado para garantir a estabilidade hemodinâmica e otimizar a perfusão de oxigênio para os tecidos vitais, incluindo o coração e o cérebro.

Um dos principais desafios nesta cirurgia é o manuseio adequado das vias coronárias, uma vez que a aorta e a artéria pulmonar são cortadas na base de suas respectivas válvulas. A artéria coronária, contendo tecido da parede aórtica, é então retirada da aorta ascendente e reconectada. O sucesso desta reimplantação tem um impacto direto na oxigenação miocárdica pós-operatória, sendo crucial para a recuperação do paciente após a ressurreição do fluxo sanguíneo. Durante este processo, a presença de embolia de ar ou outros bloqueios nas coronárias pode causar complicações significativas, exigindo monitoramento contínuo e intervenções rápidas.

O gerenciamento da anestesia começa com a indução, utilizando uma combinação de midazolam, etomidato, sufentanil e rocurônio, administrados por via intravenosa, com a manutenção da anestesia geral através de propofol, sufentanil e rocurônio, em combinação com sevoflurano. O controle rigoroso da concentração de oxigênio inalada e da ventilação é essencial para evitar complicações como hipercapnia, acidose e hipoxemia, que podem aumentar a resistência vascular pulmonar (PVR) e prejudicar a perfusão pulmonar.

Em particular, os pacientes com anomalia de Taussig-Bing apresentam um leito vascular pulmonar imaturo, o que pode resultar em reatividade vascular pulmonar excessiva, exacerbando os problemas de perfusão e aumentando o risco de hipertensão pulmonar. Para mitigar esses riscos, os anestesistas devem ajustar continuamente os parâmetros ventilatórios, incluindo a concentração de oxigênio, para equilibrar a resistência vascular pulmonar e a saturação de oxigênio no sangue arterial. A ventilação controlada, em certos casos, pode ser ajustada para reduzir a PVR e evitar complicações adicionais.

Durante a cirurgia, o pré-corte e o pós-corte das artérias principais requerem cuidado meticuloso para garantir a integridade das coronárias. Se a reimplantação coronariana for comprometida, pode ocorrer isquemia miocárdica, o que requer intervenção imediata, seja com a reintegração de CPB (circulação extracorpórea) ou ajuste no uso de medicamentos inotrópicos. A monitorização contínua com ecocardiografia transesofágica (TEE) é fundamental para verificar a adequação do fluxo coronário e o fechamento seguro das vias coronárias.

Após a cirurgia, a necessidade de manter uma pressão de perfusão adequada para o miocárdio e reduzir as pressões arteriais (tanto da aorta quanto da artéria pulmonar) é vital para evitar sangramentos nas zonas de sutura e para garantir a continuidade da perfusão eficiente. Isso é especialmente importante na transição pós-CPB, onde os pacientes podem experimentar uma diminuição transitória no segmento ST, sinalizando uma possível isquemia miocárdica que precisa ser corrigida.

Em relação à reabilitação pós-cirúrgica, a monitoração de saturação de oxigênio tecidual através de espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS) se mostrou eficaz na detecção precoce de insuficiência circulatória e na redução de complicações neurológicas pós-operatórias. A análise constante de lactato e outros biomarcadores durante a anestesia profunda, especialmente durante períodos de circulação extracorpórea, ajuda a identificar desequilíbrios precoces na perfusão sanguínea. O uso criterioso de drogas inotrópicas positivas, como dopamina, epinefrina e norepinefrina, pode ser necessário para otimizar a contractilidade miocárdica e manter o débito cardíaco adequado.

Além disso, embora o oxigênio suplementar possa ajudar a aumentar a saturação arterial de oxigênio, é fundamental reconhecer que a circulação pulmonar excessiva (overcirculation) pode ser um efeito adverso, comprometendo o equilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio. Portanto, ajustes precisos na ventilação e na concentração de oxigênio, monitorados por NIRS e outros indicadores, são necessários para garantir a estabilidade hemodinâmica a longo prazo.

Por fim, em situações de dificuldade para desmame do CPB e síndrome de baixo débito cardíaco, o foco deve ser dado à avaliação minuciosa das coronárias reimplantadas, ao ajuste de terapias inotrópicas e à monitorização constante do equilíbrio entre resistência vascular sistêmica e pulmonar.