Ao se deparar com o forte vazio de qualquer utilidade, a sensação de desconcerto foi acompanhada de uma certa ironia ao perceber que St. Ange e os poucos soldados franceses remanescentes, aparentemente desprovidos de qualquer força militar, eram pouco mais do que "homens idosos parecendo inválidos sem qualquer tipo de uniforme." Após a transferência oficial do forte, St. Ange e seus homens se retiraram para St. Louis, deixando os britânicos para se defenderem por conta própria. A partir deste momento, Stirling, comandante britânico, rapidamente causou uma impressão negativa sobre a população indígena. Representantes de várias nações procuraram estabelecer relações diplomáticas com os britânicos, mas logo perceberam a falta de intérpretes para facilitar a comunicação e a ausência de presentes, um gesto fundamental para a criação de laços de amizade e confiança.

É impossível subestimar a importância que os nativos atribuíam ao ritual de troca de presentes. Para eles, tal troca não era apenas um símbolo de amizade, mas também de reciprocidade e construção de laços de parentesco e relações comerciais. Ao contrário dos franceses, que compreendiam a importância desses rituais, os britânicos, com sua abordagem mais rígida e uma visão mercantilista, tentaram dominar Illinois da maneira mais econômica possível, sem entender o valor de tais interações. Como Kathleen DuVal observou, os povos indígenas da região de Illinois e Louisiana não se viam como "pró-britânicos", "pró-espanhóis" ou "pró-franceses", mas sim como "pró-selvagens", ou seja, seu interesse principal era preservar seus próprios objetivos, independentemente da nação europeia. Isso fez com que os britânicos nunca conseguissem monopolizar o comércio na região, pois as trocas com os franceses ainda eram acessíveis, principalmente através de comerciantes como Laclède e Chouteau, que já haviam estabelecido fortes laços com as nações indígenas.

A situação complicou-se ainda mais com a chegada iminente dos oficiais espanhóis em St. Louis, que, como os britânicos, estavam enfrentando grandes dificuldades financeiras devido aos conflitos europeus. Isso os impediu de se prepararem adequadamente para o controle de sua nova colônia. Mesmo após a entrega do Fort de Chartres aos britânicos, St. Ange continuou sendo uma figura essencial para a administração da região, oferecendo conselhos valiosos, especialmente sobre os assuntos indígenas. Apesar da chegada tardia do primeiro governador espanhol, Antonio de Ulloa, St. Ange foi mantido como administrador, devido ao seu extenso conhecimento do território e sua experiência com os povos nativos.

Em setembro de 1767, quando o capitão Francisco Ríu chegou a St. Louis com um contingente de soldados espanhóis, a principal missão era construir fortalezas nas proximidades dos rios Mississippi e Missouri para impedir que os comerciantes britânicos alcançassem as aldeias indígenas. Essa postura defensiva espelhava o grande desafio que a Espanha enfrentava na tentativa de consolidar sua presença na região. O governo espanhol, como os franceses antes deles, se viu forçado a depender de conselhos de administradores franceses experientes, como St. Ange, para lidar com as complexidades das relações indígenas e o comércio.

A política espanhola em relação aos nativos, conforme observado por Louis F. Burns, foi marcada por uma contradição fundamental: embora as intenções fossem mais “iluminadas”, a execução era muitas vezes severa. Um exemplo disso são os “Requerimentos”, um documento formal que os conquistadores espanhóis deveriam ler em voz alta sempre que encontravam um grupo indígena. O texto falava de maneira condescendente sobre a posse das terras pelos espanhóis, oferecendo uma escolha entre aceitar a soberania espanhola ou enfrentar as consequências de uma guerra. Embora os espanhóis considerassem esse procedimento uma forma de estabelecer uma relação pacífica, o impacto real era muito mais agressivo, representando um prenúncio de confrontos e despojos, como já havia acontecido em outros territórios da América.

Entretanto, apesar do uso dessa abordagem agressiva no passado, os recursos militares escassos e a falta de pessoal impediram que os espanhóis aplicassem as mesmas táticas com eficácia em Alto Louisiana. Assim, os espanhóis, cientes da importância das alianças com os povos indígenas e do papel vital do comércio, adotaram uma postura mais diplomática em relação aos nativos. Em vez de impor uma política de força, procuraram estabelecer uma relação mais equitativa, com regulamentos sobre o comércio, restrições ao uso de bebidas alcoólicas e a proibição de comerciantes britânicos nas aldeias. Contudo, a implementação dessas novas regras gerou forte resistência, tanto de comerciantes em St. Louis quanto de representantes indígenas, que estavam acostumados ao tratamento mais amigável dos franceses.

No entanto, a política comercial imposta pelo novo governador espanhol, Ulloa, logo causou atritos. Ao exigir que todos os comerciantes obtivessem licenças de viagem para as aldeias indígenas, ele fez com que os mercadores de St. Louis, que dependiam do comércio de peles, se rebelassem, recusando-se a vender produtos para os espanhóis e apelando a St. Ange. Além disso, as autoridades espanholas enfrentaram a resistência das nações indígenas, como os Pawnees e Osages, que expressaram seu desagrado por não receberem os mesmos presentes e atenções dos espanhóis que haviam recebido dos franceses. Como resultado, as autoridades espanholas foram forçadas a revogar algumas dessas regras, evidenciando a complexidade das relações comerciais e diplomáticas na região.

Além disso, a chegada de cada novo administrador espanhol a St. Louis era marcada por encontros diplomáticos com representantes indígenas, que buscavam reafirmar seus direitos e interesses na região. Esses encontros continuavam a ser uma parte vital da diplomacia da época, onde a troca de presentes e a negociação de alianças se entrelaçavam com a sobrevivência e prosperidade de todos os envolvidos.

O Mito do “Povo Perdido” e o Processo de Apagamento do Passado Indígena nos Estados Unidos

A região de St. Louis, famosa por suas antigas construções de montes, chamou a atenção de muitos desde o século XIX. A maior dessas estruturas media impressionantes 97 metros de comprimento, 48 metros de largura e 10 metros de altura. Desde 1819, o desenvolvedor William Long utilizou essas colinas como ferramenta de marketing para promover os terrenos à venda na cidade vizinha de Fenton. Ele as usou como exemplo de que, desde os tempos antigos, a região de St. Louis era um lugar atrativo para a habitação. Contudo, Long e seus contemporâneos não conseguiram estabelecer qualquer conexão entre os povos antigos responsáveis por esses montes e os povos indígenas contemporâneos à época. Para os colonizadores euro-americanos, parecia impensável que os ancestrais dos “selvagens” nativos, considerados “primitivos” e “incivilizados” pelos padrões da época, pudessem ser responsáveis por uma obra tão grandiosa.

Diante dessa incógnita, muitos colonizadores euro-americanos criaram teorias elaboradas para explicar a existência desses montes. Uma das explicações mais populares dizia respeito a uma suposta "Raça Perdida" de construtores de montes, que teria sido formada por povos como hebreus, gregos, persas, romanos, vikings, hindus ou fenícios. Em 1774, o amador arqueólogo John Rozée Payton especulava que “Este continente foi habitado por povos de uma civilização mais avançada, se comparados aos ‘peles vermelhas’ de hoje.” Já na década de 1830, Josiah Priest, autor do livro American Antiquities and Discoveries in the West, que vendeu mais de vinte mil cópias, descrevia “grandes exércitos de brancos, guerreiros construtores de montes” marchando pelas planícies, tocando trompetes, como se estivessem cumprindo um destino escolhido.

Mesmo em 1848, o Smithsonian Institute, através de um relatório oficial, negava que os povos indígenas americanos tivessem sido responsáveis pelos montes. A instituição acreditava que essas construções haviam sido feitas para fins defensivos, por um povo desconhecido que buscava se proteger de “hordas selvagens hostis”. Os antropólogos do Smithsonian estavam convictos de que os povos nativos não poderiam ter construído os montes, pois se acreditava que eles eram “aversos ao trabalho”.

Essa visão persistiu até 1855, quando Samuel Haven, em seu livro Archaeology of the United States, reverteu a posição do Smithsonian. Após estudar os trabalhos arqueológicos realizados globalmente, Haven concluiu que os ancestrais dos povos nativos americanos, de fato, haviam construído os montes e eram também os fabricantes das ferramentas de pedra encontradas em diversas partes do país. Haven propôs ainda que os povos indígenas da América teriam se originado na Ásia, chegando à América do Norte através do Estreito de Bering, a estreita via marítima entre a Rússia e o Alasca.

Foi somente em 1881, após anos de pesquisa conduzida por Cyrus Thomas, contratado pelo Bureau of Ethnology do Smithsonian, que a teoria da Raça Perdida foi oficialmente desmentida. Em seu relatório de 1894, Thomas demonstrou que os montes nos Estados Unidos não haviam sido construídos por um único grupo, mas sim por várias culturas indígenas distintas, desafiando a ideia de um único povo responsável por essa impressionante obra. A descoberta de que o trabalho arqueológico deveria considerar a diversidade das culturas indígenas no passado dos Estados Unidos foi um marco na compreensão histórica da região.

No entanto, esse processo de deslegitimação e apagamento da história indígena americana não se restringiu às disputas sobre a autoria das construções de montes. Ele se estendeu ao processo de apropriação e “limpeza” das terras indígenas, uma prática que se intensificou com os tratados de cessão de terras. Milhões de acres, adquiridos através de tratados ratificados e não ratificados, passaram a ser conhecidos como “domínio público”, permitindo que indivíduos, ferrovias e universidades se beneficiassem dessas terras, muitas vezes sem compensação justa para os povos indígenas originais. A legislação que facilitou essa apropriação foi reforçada por iniciativas como os Atos Ferroviários do Pacífico de 1862, que forneceram grandes concessões de terras públicas às ferrovias, e pela Lei Homestead de 1862, que permitiu a venda de vastas extensões de terra para colonos a preços reduzidos.

Além disso, o ato de conceder terras públicas para instituições educacionais, com base na Lei Morrill de 1862, permitiu que universidades públicas ganhassem terras pertencentes originalmente a nações indígenas, promovendo uma transferência de riqueza disfarçada de uma doação beneficente. Através desse processo, as universidades americanas receberam vastas quantidades de terras, que eram revendidas com grande lucro, enquanto o custo original dessas terras para o governo dos Estados Unidos era ínfimo em comparação ao valor gerado pela venda.

Esse apagamento da história indígena também se refletiu na narrativa dominante sobre os povos nativos. Com o avanço da colonização, tornou-se comum nas histórias locais retratar os “últimos” nativos como uma classe a ser esquecida, ao mesmo tempo em que se enalteciam os “primeiros” brancos, com suas realizações de caráter civilizatório. Esses relatos, promovidos por historiadores como William Switzler, que publicou uma História de Missouri em 1881, omitiam ou minimizavam a presença indígena, criando um vazio de reconhecimento das contribuições dos povos nativos na formação histórica da região.

Com o tempo, a memória dos povos indígenas foi sendo apagada de forma sistemática. O papel que desempenharam no desenvolvimento e na configuração das paisagens que hoje são parte dos Estados Unidos foi, em grande medida, silenciado por uma narrativa oficial que favoreceu a visão eurocêntrica de conquista e civilização. Esse apagamento não se limitou às terras ou aos artefatos, mas também se estendeu ao próprio reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos históricos.