A escalada retórica e as técnicas repressivas inauguradas no fim dos anos 1960 não foram acidentais nem exclusivamente orientadas por uma preocupação com a criminalidade ou a ordem pública; foram estratégias políticas deliberadas que instrumentalizaram preconceitos e patologizaram comunidades inteiras. A confissão tardia de um assessor da administração Nixon — reconhecendo que era politicamente impossível criminalizar abertamente a oposição à guerra ou a identidade racial, mas possível associar “hippies” à maconha e negros à heroína para desarticular movimentos — revela o núcleo instrumental dessa engenharia discursiva. Ao transformar problemas políticos em problemas de suposta degradação moral e criminalidade racializada, conservadores criaram uma narrativa que justificava prisões em massa, invasões de residências, deslegitimação de lideranças comunitárias e uma cobertura midiática que repetia, noite após noite, a imagem do “perigo urbano”.

Esse dispositivo simbólico foi reproduzido e refinado em campanhas eleitorais subsequentes. Casos como o anúncio de “Willie Horton” ou a invocação performática de “lei e ordem” funcionaram como atalhos semânticos: sem dizer explicitamente “vote em nós para conter os negros”, ativava-se na audiência uma matriz de medo racial que traduzia ressentimento econômico e social em votos. Paralelamente, a demonização da assistência pública, personificada na figura da “welfare queen”, converteu programas universalmente importantes em bens disputados racialmente — um truque retórico que transformou benefícios amplamente utilizados por populações brancas em supostas fraudes cometidas por negras. Assim, políticas de austeridade e cortes de assistência ganharam respaldo popular ao se apresentarem como correções morais, não como decisões redistributivas com consequências raciais previsíveis.

No terreno da habitação, a tática foi menos explícita, porém igualmente eficaz: manter a retórica pública de apoio à igualdade formal enquanto se desfinanciava, aparelhava ou neutralizava agências responsáveis pela execução das leis antidiscriminação. Nomeações de titulares despreparados ou hostis, enfraquecimento de recursos administrativos e recuos na litigância federal permitiram que os ganhos do movimento por direitos civis fossem corroídos sem admitir retrocessos explícitos. O resultado prático não foi apenas a manutenção da segregação, mas a naturalização de desigualdades espaciais como “problemas de mercado” ou “consequências culturais”, obscurecendo a relação causal entre política deliberada e exclusão residencial.

Nesse quadro, os partidos e as administrações democratas revelaram-se vulneráveis: a necessidade de disputar o voto médio e de evitar rótulos de “moles” em matéria de segurança impulsionou concessões significativas à agenda punitiva. Ao adotar elementos da pauta conservadora — repressão mais severa, reformas de bem-estar que reduzem proteções, retórica de “tough on crime” —, parte do debate público deslocou-se da reparação das estruturas de desigualdade para a gestão simbólica do medo. O encadeamento entre crime, assistência social e moradia passou a operar como um ecossistema de exclusão, no qual medidas aparentes de correção agravavam, de forma previsível, as vulnerabilidades das populações racializadas.

Importa compreender que essas estratégias não são apenas episódios retóricos ou táticas eleitorais: são mecanismos institucionais de reprodução de hierarquias. A criminalização seletiva, o esvaziamento institucional e a reconfiguração das políticas sociais interagem para produzir externalidades políticas e econômicas — destruição de meios de subsistência, erosão de capital social, restrição de mobilidade espacial e político-eleitoral — que se retroalimentam. Para além do diagnóstico histórico, é crucial reconhecer a continuidade estrutural: as mesmas dinâmicas simbólicas e institucionais que permitiram a construção do “problema urbano” racializado podem ser ativadas hoje em outras frentes, com atores e tecnologias renovados, mas com efeitos análogos sobre o acesso à cidadania plena.

Como a Demolição Ad Hoc Afeta os Mercados Imobiliários: A Perspectiva das Vizinhanças com Grande Perda Habitacional

Os dados de taxa de propriedade e ocupação foram convertidos em diferenças de pontos percentuais entre as vizinhanças com grande perda habitacional (EHLN) e as vizinhanças em crescimento (veja tabela 6.4). No exemplo citado, uma taxa de 0,75 seria representada como -25,0 pontos percentuais (em relação às vizinhanças em crescimento). O que segue é uma descrição das mudanças em cinco variáveis de mercado, com atenção especial à forma como as diferenças entre as vizinhanças EHL e as vizinhanças em crescimento evoluíram ao longo do tempo: se convergiram, divergiram ou se mantiveram em níveis semelhantes. A descrição abaixo centra-se na tabela 6.4, que resume as mudanças ilustradas em outras tabelas.

Em 1970, a taxa de ocupação por proprietários nas vizinhanças EHL era de 30,1%, consideravelmente inferior à das vizinhanças em crescimento, que era 39,8 pontos percentuais mais alta. Contudo, ao longo de 40 anos, essa diferença diminuiu significativamente. Até 2010, a taxa de ocupação por proprietários nas vizinhanças EHL caiu para 26,9%, mas a diferença em relação às vizinhanças em crescimento havia se estreitado consideravelmente, visto que a taxa das últimas também havia diminuído substancialmente, alcançando 52,6% em 2010. Durante a década de 1990, por exemplo, houve uma convergência tão significativa que, em 2000, a diferença havia diminuído para apenas 16,8 pontos percentuais. No entanto, na década seguinte (até 2010), quase toda a convergência desapareceu, uma vez que as taxas de execução hipotecária afetaram desproporcionalmente as áreas mais desinvestidas.

Em relação às taxas de ocupação de alugueis, a dinâmica foi inversa. Em 1970, o índice de ocupação por inquilinos nas vizinhanças EHL era de 60,1%, substancialmente mais alto do que a média nacional (32,7%) e a média das vizinhanças em crescimento (26,1%). Ao longo das quatro décadas seguintes, esse índice foi se aproximando do das vizinhanças em crescimento. Em 2010, a taxa de ocupação por inquilinos nas vizinhanças EHL (45,9%) estava semelhante à das vizinhanças em crescimento (37,2%), refletindo uma convergência gradual devido tanto à diminuição nas vizinhanças EHL quanto ao aumento nas vizinhanças em crescimento.

A taxa de vacância, por sua vez, apresentou um padrão diferente. Em 1970, a taxa de vacância nas vizinhanças EHL era de 9,1%, superior tanto à média nacional (8,8%) quanto à das vizinhanças em crescimento (2,8%), mas não de forma drástica. No entanto, essa semelhança desapareceu ao longo das décadas, à medida que a taxa de vacância nas vizinhanças EHL aumentou para 24,0% em 2010, 15,8 pontos percentuais a mais do que nas vizinhanças em crescimento.

Em termos de valores imobiliários, a mediana das casas nas vizinhanças EHL em 1970 correspondia a 55% do valor das casas nas vizinhanças em crescimento, e a 90% da média nacional. Ao longo das quatro décadas seguintes, tanto as vizinhanças EHL quanto as vizinhanças em crescimento enfrentaram uma queda no valor de mercado das casas, mas as primeiras experimentaram uma diminuição mais acentuada. Até 2010, o valor médio das casas nas vizinhanças EHL representava apenas 51% do valor das casas nas vizinhanças em crescimento, o que refletia uma ligeira divergência em relação às últimas. Esse índice, no entanto, representava uma melhoria em comparação aos valores mais baixos registrados em 1980, 1990 e 2000. No caso do aluguel, a diferença foi menos pronunciada. Em 1980, o aluguel médio nas vizinhanças EHL era de 193 dólares, o que correspondia a 76% do valor nas vizinhanças em crescimento e 79% da média nacional. Nas três décadas seguintes, os valores de aluguel nas vizinhanças EHL aumentaram mais rapidamente do que nas vizinhanças em crescimento, de forma que, até 2010, o aluguel médio nas vizinhanças EHL representava 83% daquele nas vizinhanças em crescimento.

De forma geral, e não surpreendentemente, as vizinhanças EHL apresentavam mercados imobiliários substancialmente diferentes em 1970 em relação às vizinhanças em crescimento. Elas tinham taxas de ocupação de aluguel e vacância significativamente mais altas, além de taxas de ocupação por proprietário, valores imobiliários e aluguéis substancialmente mais baixos. Ao longo de quatro décadas, a mudança não foi linear, mas padrões distintos emergiram. As taxas de ocupação por proprietário e inquilino nas vizinhanças EHL se tornaram, paradoxalmente, mais semelhantes às das vizinhanças em crescimento, enquanto as diferenças nos valores das casas e nos aluguéis permaneceram relativamente constantes e as diferenças nas taxas de vacância aumentaram. A demolição em larga escala, portanto, não parece ter causado mudanças significativas nos mercados imobiliários das vizinhanças alvo. Essas vizinhanças, que já apresentavam mercados mais fracos em 1970, continuaram a apresentar mercados mais fracos em 2010, mesmo após a remoção de 63% das moradias nessas áreas. O resultado foi uma combinação de taxas de vacância muito mais altas e mercados mais vulneráveis.

Além disso, os efeitos de políticas como a demolição ad hoc não devem ser vistos apenas sob a ótica das taxas de ocupação ou dos valores imobiliários. Elas também refletem a exclusão social e a marginalização das comunidades que residem nessas áreas. A remoção em massa das habitações pode não ter resultado em uma recuperação substancial dos mercados, mas, sim, em uma transformação ainda mais acentuada das dinâmicas sociais dessas regiões. O afastamento das classes mais altas e o aumento da população em situação de vulnerabilidade pode criar uma marginalização social mais profunda, com efeitos duradouros para a coesão social e a estabilidade econômica das comunidades afetadas.

A Mito Conservador de Detroit: Desindustrialização e a Imagem da Cidade

Detroit, uma das maiores cidades industriais dos Estados Unidos no século XX, tornou-se, ao longo dos últimos cinquenta anos, o principal símbolo da falência do modelo de urbanização americana. No entanto, a história de seu declínio, amplamente difundida e explorada pelos conservadores, não é simplesmente uma questão de economia ou urbanismo. Ela envolve uma narrativa construída sobre o racismo, a perda de controle político e a ascensão de uma ideologia que vê a cidade como um exemplo de falhas morais e sociais.

Nos anos de sua grande prosperidade, Detroit foi o coração da indústria automobilística americana, simbolizando o avanço e a inovação no século XX. No entanto, com a desindustrialização, a migração em massa para os subúrbios e a globalização, a cidade entrou em colapso. Durante o processo de declínio, uma narrativa foi criada, tanto pelos políticos conservadores quanto pelos meios de comunicação, que passou a associar Detroit não só à crise econômica, mas a falhas estruturais mais profundas relacionadas à raça e à classe social.

Os conservadores, com seu discurso baseado no individualismo, na meritocracia e na redução do papel do Estado, rapidamente se apropriaram da cidade de Detroit como exemplo de fracasso dos programas de bem-estar social. A narrativa de que a cidade falhou devido a políticas progressistas – como a expansão do Estado de bem-estar e a promoção de direitos civis – tomou forma e se espalhou amplamente. Detroit foi, então, retratada como o exemplo clássico de uma cidade destruída pela "excessiva intervenção estatal", o que, na ótica conservadora, resultaria em uma dependência crescente de assistencialismo e na perda da capacidade produtiva.

É importante observar que essa narrativa não surge de um estudo rigoroso, mas de uma agenda política. A cidade de Detroit se tornou, assim, a “baleia do conservadorismo”, um piñata perfeito para ataques ideológicos, usados por políticos e mídia para criticar os programas sociais e a intervenção estatal. Para muitos defensores de políticas neoliberais, o colapso de Detroit foi visto como um fracasso direto do modelo de bem-estar social, uma lição de que a ajuda governamental excessiva destrói a iniciativa privada e leva ao colapso social.

Contudo, a verdadeira causa do declínio de Detroit não pode ser simplificada a uma única explicação política. A desindustrialização, o processo de globalização e as mudanças nas dinâmicas de classe e raça são fatores que explicam a situação de maneira muito mais complexa. A cidade experimentou uma perda drástica de indústrias que antes eram responsáveis pela maioria dos empregos e pela riqueza local. A migração de afro-americanos para Detroit durante a Grande Migração do século XX e as tensões raciais resultantes também desempenharam um papel crucial na criação de uma cidade dividida, tanto economicamente quanto socialmente.

Além disso, as políticas de reurbanização e os projetos de gentrificação que se seguiram ao colapso da cidade foram mal implementados, beneficiando a elite, enquanto a população de baixa renda, em sua maioria afro-americana, ficou à margem. As comunidades mais pobres, em vez de serem ajudadas, foram deixadas para trás, à medida que os investidores buscavam lucros rápidos com projetos de renovação que nunca beneficiaram as camadas mais necessitadas da população.

No entanto, a abordagem conservadora, que culpa a intervenção do Estado, ignora o impacto devastador da desindustrialização, da deslocalização de fábricas e do êxodo de capitais e empregos. A crise de Detroit é um reflexo das forças globais e não uma falha intrínseca do modelo progressista. A verdadeira causa do colapso de Detroit está relacionada à maneira como as forças econômicas globais desestruturaram a cidade, tornando-a dependente de um sistema que, ao invés de proteger, esmagou sua classe trabalhadora.

No contexto mais amplo, é essencial entender que a narrativa conservadora sobre Detroit tem sido utilizada para reforçar um discurso antissocial, que minimiza a importância do Estado no auxílio aos mais necessitados. Esse discurso serve para justificar políticas de austeridade e cortes em programas sociais, que são apresentados como soluções para problemas que, de fato, têm raízes profundas na estrutura econômica e social do país. Detroit, assim, tornou-se uma metáfora do que muitos conservadores temem: a intervenção do Estado, a expansão de direitos sociais e a busca por igualdade racial e econômica.

Para o leitor, é importante compreender que as alegações sobre o fracasso de Detroit não devem ser aceitas sem questionamento. O mito de Detroit como exemplo de falência do modelo de bem-estar social serve para desviar a atenção dos problemas estruturais que afetam as cidades americanas, incluindo a desigualdade racial, a falta de acesso a uma educação de qualidade e os problemas decorrentes da globalização e da desindustrialização. Esses problemas não são resolvidos com mais políticas de austeridade ou corte de benefícios, mas com um olhar crítico sobre a forma como as políticas públicas são estruturadas e como as elites econômicas se beneficiam enquanto as classes trabalhadoras e os pobres continuam a ser marginalizados.

Como a Demolição Funciona como Política Urbana e Seus Impactos nas Cidades

Estudos sobre a demolição de unidades habitacionais em Detroit revelam que uma parcela significativa dessas remoções corresponde a imóveis considerados inabitáveis, destinados à demolição devido à vacância ou condições precárias. Os dados indicam que, em 2010, entre 0 e 7,8% do estoque habitacional estava nessa situação, com média de 1,8% e mediana de 0,9%. Mesmo ao considerar essas unidades extras, a perda total de moradias demolidas entre 1970 e 2010 nunca ficou abaixo de 50%, mostrando que a maior parte da perda habitacional na cidade ocorreu de fato por meio da demolição. Essas estruturas habitacionais deterioradas são, portanto, o foco principal das políticas habitacionais que visam sua remoção, e se não foram demolidas até 2009, provavelmente o foram posteriormente ou estão em listas de demolição.

A análise dos dados do programa HOPE VI, voltado para a revitalização de habitações públicas, mostra que, nacionalmente, entre 1994 e 2015, 260 mil unidades habitacionais públicas foram demolidas, com 56.800 reconstruídas. No estudo de Detroit, aproximadamente 43 mil unidades foram demolidas, com 14.600 reconstruídas — das quais apenas cerca de 5.500 são unidades públicas — o que representa uma perda líquida de aproximadamente 37.500 unidades públicas habitacionais. Esse fenômeno está associado a subsídios e financiamentos públicos concedidos para revitalização e demolição durante os anos finais do século XX e início do XXI.

Importante destacar que o problema da demolição vai além da simples quantidade de unidades perdidas. O impacto social e espacial dessas ações está profundamente enraizado na história das políticas urbanas norte-americanas, sobretudo no que tange ao urban renewal (renovação urbana) que, desde meados do século XX, destruiu bairros inteiros, principalmente aqueles ocupados por populações racializadas. Enquanto a renovação urbana é frequentemente lembrada como um marco transformador da política urbana, a demolição ad hoc (não planejada ou localizada) é tratada como uma prática local desorganizada. No entanto, pesquisas indicam que o volume e a extensão dessa demolição localizada ultrapassam o que a literatura geralmente sugere, mostrando uma continuidade dessa lógica destrutiva.

A demolição atual concentra-se nas chamadas "primeiras faixas" residenciais — bairros com casas unifamiliares ao redor do centro urbano — em contraste com os períodos de urban renewal, que focavam nos bairros densos e adjacentes ao centro. Essa mudança no foco espacial da demolição reflete uma nova fase da política urbana, onde a suposta remoção de "câncer" social ou econômico nas cidades busca restabelecer mercados mais funcionais e comunidades menos marginalizadas, embora as evidências para essa hipótese sejam frágeis. A demolição, nesse sentido, não é um processo neutro, mas sim uma ferramenta de reestruturação social e espacial que frequentemente exclui comunidades vulneráveis e reforça desigualdades existentes.

É essencial compreender que a demolição como política urbana opera num contexto de reestruturação neoliberal das cidades. A crise econômica, o declínio fiscal dos municípios e as políticas de austeridade influenciam diretamente as decisões sobre quais bairros devem ser "salvos" e quais devem ser abandonados. Isso não é apenas um processo técnico de remoção de habitações deterioradas, mas uma escolha política que determina quem permanece no tecido urbano e quem é excluído. A relação entre o enfraquecimento dos serviços urbanos, o aumento do desemprego e a deterioração das condições de moradia compõe o cenário no qual a demolição é legitimada como solução.

Além disso, é relevante entender que a demolição não ocorre isoladamente, mas integrada a uma estratégia maior de "readequação" da cidade, que envolve não só a destruição física, mas também a redistribuição demográfica, alterando a composição racial e socioeconômica dos bairros. Essas práticas têm consequências duradouras para o direito à cidade, a equidade social e a justiça espacial, ampliando as desigualdades em vez de mitigá-las.

Por fim, o fenômeno da demolição evidencia a necessidade de repensar políticas urbanas que priorizam o crescimento e a renovação a qualquer custo, sem considerar a complexidade social e histórica das áreas afetadas. É crucial reconhecer que o desaparecimento físico das habitações representa a perda de memórias, identidades e redes comunitárias que sustentam a vida urbana. A abordagem crítica da demolição exige, portanto, uma reflexão profunda sobre os modelos de desenvolvimento urbano que desejamos promover e os direitos dos moradores das cidades.

Como as Políticas Habitacionais Modelaram as Cidades Americanas: Uma Reflexão sobre Desigualdade, Racismo e Desindustrialização

A habitação, tema central na definição de comunidades urbanas, foi moldada por décadas de políticas públicas complexas, cujas consequências ultrapassam as fronteiras do planejamento urbano. As leis de habitação nos Estados Unidos, como a Lei de Habitação de 1949, e as subsequentes em 1954 e 1968, buscaram essencialmente promover um ideal de cidade suburbana próspera, afastada das dificuldades das áreas centrais das metrópoles. No entanto, as políticas habitacionais frequentemente ignoraram as questões raciais, sociais e econômicas, perpetuando a segregação, a exclusão e o empobrecimento urbano.

Através da intervenção do governo e de programas como o Housing and Urban Development (HUD), o Estado incentivou a construção de casas em áreas suburbanas, muitas vezes à custa de minorias étnicas, particularmente a comunidade negra, que foi sistematicamente excluída dos benefícios dessas políticas. A questão da expropriação de terras e o uso de táticas como a criação de "cidades-modelo" refletiram a tentativa de redefinir espaços urbanos, mas frequentemente ignoraram as realidades locais e as necessidades da população mais pobre. Isso se reflete na ascensão das "políticas de austeridade espacial", que buscaram diminuir a presença de populações desfavorecidas nas áreas centrais, em favor de uma urbanização mais "controle" e homogênea.

O racismo estrutural foi um componente fundamental na formulação de muitas dessas políticas. As práticas de redlining, por exemplo, garantiram que bairros inteiros, predominantemente compostos por minorias, fossem excluídos de investimentos financeiros e de seguros, restringindo as opções de mobilidade e perpetuando a pobreza em algumas das regiões mais empobrecidas das cidades americanas. Ao mesmo tempo, essas políticas garantiam um aumento de valor em áreas predominantemente brancas, aprofundando ainda mais a segregação racial e econômica.

Além disso, o conceito de "declínio fabricado" é crucial para entender as políticas de desindustrialização que afetaram muitas cidades, especialmente no Rust Belt, onde a indústria têxtil e a manufatura foram substituídas por uma economia baseada no setor financeiro e nos serviços. Esse processo de desindustrialização foi fortemente associado à perda de empregos e ao êxodo de populações que, durante décadas, haviam dependido dessas indústrias para sua subsistência. O resultado foi uma polarização ainda maior entre ricos e pobres, com a classe média migrando para os subúrbios e deixando as cidades centrais para enfrentar o vazio.

É preciso considerar também o impacto da neoliberalização do espaço urbano. A privatização de funções antes desempenhadas pelo Estado, aliada a uma retórica de "livre mercado", transformou a habitação em uma mercadoria, e não mais um direito fundamental. A lógica de mercado, em que o investimento no setor habitacional depende do potencial de retorno financeiro, resultou em processos de gentrificação, onde os mais pobres são forçados a deixar áreas que estavam se valorizando, em favor de um público mais abastado. A falta de regulamentação e a escassa presença do poder público exacerbaram esses problemas.

Dentro desse contexto, é importante compreender que as soluções propostas nas décadas passadas muitas vezes não levaram em consideração os impactos sociais e raciais das políticas habitacionais. Por exemplo, as zonas de habitação de baixo custo, embora muitas vezes bem-intencionadas, não foram adequadamente acompanhadas e muitas se tornaram áreas marginalizadas, onde a falta de infraestrutura básica e a degradação urbana geraram um ciclo de empobrecimento e exclusão social.

As alternativas ao modelo de mercado de habitação, como a introdução de créditos fiscais para habitação de baixo custo, começaram a surgir como resposta à falência das abordagens anteriores. No entanto, mesmo esses novos modelos, embora mais inclusivos, não são imunes a críticas, especialmente no que diz respeito à sua eficácia em combater as raízes da segregação urbana.

Portanto, ao refletir sobre o impacto dessas políticas, é crucial perceber que a habitação não é apenas um bem material, mas um reflexo das dinâmicas de poder, classe e raça presentes nas cidades. A luta pela moradia é também uma luta contra as desigualdades estruturais que persistem no coração do desenvolvimento urbano. Reconhecer isso permite um entendimento mais profundo de como as políticas públicas, frequentemente motivadas por interesses econômicos e ideológicos, podem contribuir para a construção de cidades mais justas e inclusivas, ou, ao contrário, aprofundar as divisões sociais e raciais.